Organização de juventude quilombola realiza encontro para discutir o acesso e a qualidade de vida e educação das comunidades tradicionais, assim como organizar a luta pelo território.
Bruna Freire | Belém*
EDUCAÇÃO – Nos dias 20 e 21 de maio, ocorreu no Quilombo de Jacundaí, organizado pelo Projeto Perpetuar, o Encontro da Juventude Quilombola do Território de Jambuaçu, um dos maiores territórios quilombolas do estado do Pará contendo 15 associações. O encontro foi voltado para o resgate da ancestralidade por meio da educação territorial com o tema “Faremos Palmares de Novo”. Umas das muitas colocações feitas pelos participantes é de que “se a educação pública já é precarizada nos grandes centros urbanos, imagina dentro do espaço rural como os quilombos?”.
A realidade atual da educação quilombola é muito triste, dura e revoltante. À partir do 6º ano do fundamental as crianças saem de suas comunidades para irem estudar nos pólos de ensino, que ficam localizados em quilombos vizinhos. Nesse momento inicia o sistema modular de ensino, um modelo extremamente defeituoso, que funciona da seguinte maneira: durante dois meses, são ofertadas de três a quatro disciplinas, que ao longo do ano não se verá mais.
Esse método por si só já é um grande absurdo e com ele vem os inúmeros problemas como a falta constantes de professores para as disciplinas disponibilizadas e a não reposição desta posteriormente. Ou seja, os alunos acabam tendo um déficit no aprendizado e isso se estende até o ensino médio.
Outro problema identificado durante o debate é a falta de formação para esses profissionais, pois hoje não há nos quilombos uma formação voltada para o resgate cultural, o que culmina na falta de responsabilidade com os discentes em formação e no desprezo que os profissionais demonstram pela cultura e por nosso povo.
Foi relatado também os inúmeros casos de assédio sexual e moral dentro desse espaço, o que é muito grave, professores que usam da posição que tem para cometer esse tipo de atrocidades saindo impunes. Para além do abuso psicológico e também de autoridade, nos relatou uma estudante: “o professor de educação física queria nos fazer correr num sol de mais de 30°, em um campo aberto, sem estrutura mínima porque na escola não tem minimamente uma quadra. Nós nos recusamos a ir e ele disparou dizendo que éramos burros, que ele não estava nem aí se não fôssemos, que o mesmo já era formado e já ganhava o dinheiro dele. Fui pra casa, contei para minha mãe, comecei a chorar e disse que não queria mais voltar para a escola. Isso nos desmotiva, nos tira a vontade de querer continuar estudando, nós nem estudamos todas as matérias que deveríamos pela falta de professores e quando tem, são desse jeito com a gente, entram em sala e nem olham nas nossas caras, nos tratam como um nada”.
Outra adolescente trouxe à tona aos prantos a falta de merenda escolar e o deslocamento que fazem pra conseguir estudar: “a gente acorda às 4 horas da manhã para nos arrumar e sairmos de casa para esperarmos o transporte escolar que vai nos levar para a aula, na escola não tem merenda na maioria das vezes, quando tem é suco com bolacha e os funcionários nos falam pra agradecer porque é só isso que tem e na grande maioria das vezes nem isso tem. Nós não temos dinheiro para nos alimentar fora, nós passamos das 4 horas até 14 horas, que é o horário que retornamos para casa, com fome. São inúmeras as vezes que já cheguei chorando em casa por estar com fome, é muito difícil e humilhante e dá muita vontade de desistir, mas eu tenho um sonho, que é de um dia me tornar médica e eu vou continuar lutando pra conseguir”.
Esses foram dois de inúmeros relatos dolorosos e fortes que ouvimos de crianças e adolescentes dentro do território do Jambuaçu em Moju, no Pará. Nosso povo vem sofrendo com a falta de preparo dos professores e o sistema desumano que é o modular, que não os prepara para o mínimo. Mas esse foi o primeiro encontro da juventude e o intuito é a construção de um documento com essas pautas e partir para a luta, seguiremos para alcançar melhorias dentro do território, por uma educação pública, gratuita e de qualidade. Nossa luta é ancestral e não pára por aqui, queremos o bem comum para todos e todas, queremos e faremos palmares de novo.
*Coordenação nacional do Movimento Rebele-se.