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segunda-feira, 7 de outubro de 2024

O 2 de Julho e a verdadeira história da independência do Brasil

Dessas batalhas que se seguiram em uma única luta contra a Coroa portuguesa, emergiram vários heróis da nação, como Maria Quitéria, Maria Felipa, Corneteiro Luís Lopes, João de Botas, Joana Angélica, entre outros. 

Vitória Louise e Danilo Boa Morte | Salvador


HISTÓRIA – Há 200 anos, o Exército português foi expulso do Brasil por uma série de lutas populares que convergiram no território da Bahia. Diferente do que é ensinado nos livros de História nas escolas, a Independência do Brasil não ocorreu pelos gritos de Dom Pedro às margens do rio Ipiranga. Houve uma grande participação popular no processo de emancipação do povo brasileiro, que mobilizou diversas localidades em todo Brasil, especialmente em território baiano.

Em novembro de 1821, soldados portugueses saíram pelas ruas e praças de Salvador provocando soldados brasileiros e ali houve um conflito na Praça da Piedade, registando-se mortos e feridos. Instaura-se um clima de tensão, o que resultou que a organização popular começasse ainda em 1822, com um movimento constitucionalista. As tropas portuguesas se encontravam em território brasileiro quando, em 09 de janeiro, Dom Pedro declara que ficaria no Brasil.  

Na madrugada do dia 19 de fevereiro de 1822, tiros foram disparados do Forte de São Pedro, e Salvador transformou-se numa praça de guerra, onde ocorreram conflitos nas Mercês, Praça Piedade e Campo da Pólvora e assassinaram a religiosa Joana Angélica. No dia 21 de março, na procissão de São José, o povo colocou as tropas portuguesas para se esconder com um ataque a pedradas.

Em 25 de junho de 1822, com o clima de tensão, a situação, que já estava insustentável, atingiu a ebulição para virar o jogo: iniciou-se um ataque na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, onde o brigadeiro Madeira de Melo disparou o primeiro tiro de canhão, que desencadeou a guerra. Iniciou-se uma grande rebelião contra a opressão portuguesa, envolvendo as diversas cidades baianas no contra-ataque, espalhando-se por Santo Amaro, Maragogipe, São Francisco do Conde, Nazaré das Farinhas, Jaguaripe, Saubara, e que se estendeu também à região sudoeste, alcançando Caetité e outras regiões como o Sertão e a Chapada Diamantina.

Mulheres revolucionárias

Dessas batalhas que se seguiram em uma única luta contra a Coroa portuguesa, emergiram vários heróis da nação, como Maria Quitéria, Maria Felipa, Corneteiro Luís Lopes, João de Botas, Joana Angélica, entre outros. 

Maria Quitéria (A Verdade, nº 98) foi uma mulher revolucionária que viu na instabilidade política a chance de lutar pela liberdade das mulheres, enfrentando os portugueses. Resolveu se vestir de homem para ser aceita no Exército e lutar pela sua liberdade. Foi descoberta e decidiu que permaneceria na luta. O Exército a aceitou e outras mulheres também se juntaram em seguida. Enfrentou bravamente os portugueses nos rios das batalhas do Recôncavo, principalmente em Cachoeira.

Maria Felipa lutou bravamente na ilha de Itaparica, território hoje integrado à Região Metropolitana de Salvador. Ela organizou mais de 40 mulheres que se encarregaram de “seduzir” as tropas portuguesas e levar os homens para um lugar deserto, onde, no momento em que os portugueses tiraram suas roupas, as mulheres deram uma surra de cansanção (planta que provoca grandes ardências em contato com a pele), ao passo que também outras guerreiras incendiaram as embarcações portuguesas. Essa batalha foi decisiva para derrotar os portugueses.

O corneteiro Luís Lopes, no enfrentamento do que ficou conhecido como Batalha de Pirajá, tinha como tarefa enviar os comandos para as tropas brasileiras. Acontece que o comandante deu o sinal de recuar, pois havia vantagem numérica pelos portugueses. No calor da batalha, o corneteiro tocou o comando contrário e as tropas brasileiras entenderam que era o momento de avançar. Apesar de estar em desvantagem numérica, o Exército brasileiro, composto por maioria de civis e com armamento improvisado, foi para a ofensiva, fazendo com que os portugueses ficassem intimidados. Assim, as tropas da Coroa decidiram recuar e a Batalha de Pirajá foi vitoriosa para os brasileiros.

João de Botas, que era do Exército brasileiro, comandou as batalhas desenvolvidas no Recôncavo. Essa decisão de estar junto aos libertadores da pátria foi fundamental para que um Exército sem experiência e com poucos recursos pudesse sair com êxito.

Já Joana Angélica, religiosa baiana, morreu defendendo o Convento da Lapa contra os portugueses, atingida por um golpe de baioneta. O ditado popular conta que ela gritou “Para trás, bandidos! Respeitai a casa de Deus! Só entrarão passando por cima do meu cadáver!”. Assim, ela entregou a sua vida contra a tirania portuguesa, defendendo o que ela acreditava ser o mais coerente. 

É importante ressaltar que a maioria do Exército brasileiro era composto de civis, sem treinamento militar e nem armamento adequado. Assim, o exército popular usava táticas de guerrilha empreendidas com criatividade e ousadia pelo povo baiano: impediam a entrada de comida para as tropas portuguesas, envenenavam as fontes de água, realizavam ataques relâmpagos atacando e recuando, entre outras.

O exército do povo

Em 02 de julho de 1823, as tropas populares vindas do Recôncavo entraram triunfalmente, sob os aplausos, povo em Salvador na Estrada das Boiadas, que, após esse desfile, ficou conhecida como “Estrada da Liberdade”. Essa região hoje é o bairro da Liberdade e tornou-se um dos sítios históricos da capital baiana.

Depois de um ano do primeiro desfile, a população que participou da batalha, espontaneamente saiu às ruas para comemorar um ano da vitória, levando consigo para a comemoração a imagem de um caboclo, que representava a união dos povos que se juntaram em suas lutas contra a invasão da Coroa portuguesa e pela libertação do povo brasileiro.  Esse símbolo também representava os heróis e as batalhas.

Hoje, o 2 de julho é uma grande comemoração que pode ser encarada como um cortejo, desfile, procissão e uma verdadeira festa popular. No dia 30 de junho, na cidade de Cachoeira,  acende-se um fogo simbólico que representa a união do povo baiano que defendeu a independência do Brasil.

O rito do fogo simbólico é representado por uma tocha que passa em diversas cidades sendo passada de mão em mão por diversas pessoas com destino à cidade de Salvador, no bairro de Pirajá, onde se acende uma pira no dia 01 de julho. A história do 02 de julho continua viva graças à tradição oral que o povo baiano luta para manter.

Uma história que nos ensina que somente com muita luta conseguiremos alcançar vitórias. Graças a essas batalhas com participação popular se fortaleceram várias revoltas contra os senhores de escravos e pelo fim da escravidão no Brasil. Hoje, a classe trabalhadora brasileira carrega consigo o legado dessas batalhas contra a opressão.

Todo 02 de julho o cortejo se inicia logo cedo, às seis horas da manhã, no Largo da Lapinha, ao lado da estátua de Maria Quitéria, junto à queima de fogos e à famosa feijoada do 02 de julho para comemorar os heróis da independência e lembrar que, de batalha em batalha, conseguiremos vencer os que ousam explorar o povo brasileiro.

“Nunca mais, nunca mais o despotismo

Regerá, regerá nossas ações

Com tiranos não combinam

Brasileiros, brasileiros corações

Hino do Estado da Bahia

Matéria publicada na edição nº274 do Jornal A Verdade.

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