A realização de batalhas de rap nas periferias permite que os jovens criem e participem da cultura popular e tenham um espaço da classe trabalhadora para manifestação de seus anseios. A cultura Hip Hop chega aos 50 anos e é uma importante arma popular de denúncia e organização contra a violência racista da polícia.
Viik Amazi, Chagas MC e Caio Mago* | Salvador
CULTURA – A Batalha Delarua é um movimento cultural que usa do Hip Hop como ferramenta para oferecer lazer, cultura e formação política para a população de Cosme de Farias. Batizada em homenagem a Victória Campos, batizada pelo Rap como Delarua, a Batalha também possibilita o atendimento às demandas do bairro, como a doação de cestas básicas, atendimento de saúde e outras ações sociais. Algumas das atividades construídas pelo evento são as batalhas de rima, os shows de rap, as rodas de poesia e a integração de movimentos populares como o Iniciativa Negra, representado na primeira edição com a intervenção de Dudu Ribeiro, liderança da organização.
Além da participação do Coletivo Iniciativa Negra a primeira edição do evento, realizada no dia 30 de julho e organizada por Chagas MC e Viik Amazi, contou com apresentações de Nutt MC, Yung Lâmpada, Aurea Semiséria, Vandal, Dobarro e Pitbull além de discotecagem de Dj Gug e Tia Carol. A batalha de rimas, que precisou ser interrompida antes da final pensando na segurança dos espectadores de outros bairros, teve como semi-finalistas Nutt MC, Senpai, João Lucas e Jovem Blvck. A segunda edição já está marcada para novembro e fotografias e mais informações sobre o evento podem ser encontradas no Instagram @batalhadelarua.
Procurado pelo Jornal A Verdade, o rapper e morador do Cosme de Farias Igor Boamorte deu seu depoimento sobre a importância da cultura no gueto: “A Batalha Delarua ali foi bastante importante porque antes tinha a Roda Cultural, que reunia a galera do Cosme de Farias toda, teve a Batalha do Trem Bala que era na pista do meio e movimentava a cultura local do bairro e de um tempo pra cá rolou pandemia, né, rolou aquele acontecimento na Batalha do Trem Bala e aí deu aquela esfriada. Mas como a Batalha Delarua é uma homenagem a Delarua foi muito, muito foda, muito importante saber que está viva a cultura e a arte ali no bairro, sabe? As pessoas prestigiar, tirar aquele olhar… aquele olhar nefasto sobre o bairro Cosme de Farias, tá ligado? “Ah, que é um lugar perigoso, que não tem arte” não, a arte salva, teve muitas crianças que batalhou pela primeira vez, teve seu primeiro contato, né? com o rap, com a batalha de rima (…)”, declarou.
Boamorte também comentou sobre a chacina cometida pela Polícia Militar no dia seguinte no bairro: “e outra coisa que eu tenho que falar: quando eu cantei ‘Faroeste Atual’, que já diz muita coisa com o tema sobre a guerra de facções (…) no outro dia acabou ocorrendo a chacina, chacina não [CHACINA SIM!], a morte de quatro jovens lá, os ‘home’ já chegou atirando, dizem que eles que foram recebidos a tiros, mentira. Policial chegou atirando, tá ligado? Os cara matou mesmo e foi foda porque, tipo assim, foi presságio, sabe, vei? Eu cantei um bagulho que acontece, que aconteceu em 2021, 2022 e se repetiu um dia depois. Isso doeu muito, a favela ficou de luto.”
Além da importância social do trabalho do coletivo que organiza a Batalha, o evento também cumpre o papel importantíssimo de provar na prática aquilo que cada favelado já sabe – que as periferias do Brasil são um polo de riqueza cultural e política, contrariando as ideias que a burguesia nos empurra desde pequenos através da escola, televisão, universidade e da mídia: de que somos inferiores pelo nosso dialeto, pela cor da nossa pele, pela nossa posição na cadeia produtiva. O Hip Hop, assim como o Samba, o Pagode, o Futebol, são exemplos da autossuficiência da classe trabalhadora, essa que mesmo debaixo de todo tipo de opressão e violência vinda do Estado burguês tem o poder de lutar pelo direito de ser feliz, pelo direito de ser humano. A busca do nosso povo pelo direito de sorrir é um cuspe na cara da burguesia parasita que não mede esforços pra resumir nossas comunidades ao tráfico de drogas, o analfabetismo e à fome – problemas criados justamente pela exploração que nos sujeitam.
Delarua, PRESENTE!
Apesar de não estar mais conosco em vida, Delarua e sua arte serão eternas e imortais no Hip Hop soteropolitano. Não há como falar da luta das mulheres pelo reconhecimento dentro da cena baiana sem falar de “Vigia”, clássico protagonizado por ela e Suhhh, lançado em 2018 no canal da Batalha das Bruxas e até hoje tocado por DJs nos eventos de Rap da cidade ou até mesmo dos seus funks, onde assinava como “Victoria do CF”.
“Victoria começou ainda adolescente no cenário artístico tendo seu primeiro contato o pixo. Nasce DeLaRua, menina extremamente expressiva, realista e sonhadora. Com o tempo ela começou a recitar em coletivos, tirando do papel toda sua poesia.
As canções começam a surgir nas rodas de rap, onde ela passa a relatar a realidade das periferias, o abuso de poder do estado. A participação dela em rodas culturais foi realmente importante para todos que captaram sua mensagem, sua ideia.
Esse novo movimento chamado batalha DeLaRua tem como proposta trazer a cultura para as comunidades através da música, poesia e batalha de rap. DeLaRua vive. A arte vive. A favela vive.”, disse Morgana, amiga íntima de Delarua e integrante da organização do evento.
* Viik Amazi é cantora, atriz e produtora
*Chagas MC é rapper, cantor, compositor e produtor cultural
*Caio Mago é produtor musical e militante da Unidade Popular (UP) e do Movimento Luta de Classes (MLC)