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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Entrevista com Alexandre Mandl sobre o movimento de fábricas ocupadas no Brasil

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Leia a entrevista do jornal A Verdade realizada na Ocupação Maria Lucia Petit Vive, 14ª ocupação do Movimento de Mulheres Olga Benario, com o advogado popular Alexandre Mandl, apoiador das lutas sociais na região metropolitana de Campinas e no Brasil. Foi trabalhador da Flaskô, fábrica ocupada na cidade de Sumaré (SP) e contou sobre o movimento no Brasil de uma perspectiva marxista.

Erick Padovan* | Campinas


A Verdade – Alexandre, pode nos contar um pouco sobre você e o movimento de fábricas ocupadas?

Alexandre Mandl – Sou militante, trabalhador e membro do Conselho de Fábrica da Fábrica Flaskô, desde setembro de 2006, e acompanho a luta dos trabalhadores da Flaskô enquanto ainda estava na faculdade (PUC Campinas). Participo da RENAP (Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares) e acompanho vários movimentos sociais, ocupações de moradia, espaços de cultura e destaco o privilégio de acompanhar juridicamente a luta da Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive em Campinas.

O Fábricas Ocupadas é um movimento que leva na prática a palavra de ordem “Ocupar, produzir e resistir” inspirado nas ocupações de fábricas na Comuna de Paris, da Revolução Russa, das diferentes experiências no Leste Europeu, da Revolução Espanhola, da Revolução dos Cravos em Portugal, dos mineiros na Bolívia, da Venezuela e nas experiências na Argentina.

No Brasil, começou a se organizar mobilizações para impedir o fechamento de plantas fabris, realizando greves, ocupações e, por fim, a retomada da produção sob controle operário ainda na crise econômica do Governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 1995 a 2002, e depois no início do Governo Lula (PT). O epicentro deste acontecimento foi a cidade operária de Joinville (SC), com ocupações de duas fábricas (Cipla e Interfibra) do grupo econômico HB, a mesma do grupo Tigre de tubos e conexões.

A Flaskô, fábrica do mesmo grupo econômico, na cidade de Sumaré (SP), foi a última a ser ocupada e era responsável pela fabricação de bombonas de plástico. Era a menor das fábricas ocupadas do grupo, visto que a Cipla por exemplo, tinha cerca de 1000 trabalhadores, a Flaskô por sua vez tinha mais de 100 trabalhadores. O movimento de ocupação de fábricas toca na ferida da ordem capitalista e da classe dominante, porque questiona a existência do proprietário dos meios de produção.

O movimento foi atacado pela burguesia e por setores reformistas do campo da esquerda, mas nunca vislumbrou substituir a luta sindical, inclusive a ocupação e o controle operário da fábrica deveriam ser uma pauta do movimento sindical.

Como é a relação das ocupações de fábricas com as formas de luta do movimento sindical?

No total, 35 fábricas foram ocupadas pelos trabalhadores desde 2002 até hoje e mesmo com a sua curta duração vivemos um processo de consciência de classe muito acelerado com apoio total, limitado ou sem apoio de sindicatos.

Defendemos a entidade sindical, da mesma forma que a própria CLT, sem fetiche sobre o ordenamento do capital ao trabalho, mas entendendo como os processos de luta avançam. É uma entidade construída pela classe trabalhadora que precisa ser disputada, as pautas devem ser levadas aos sindicatos e, mesmo que o sindicato não impulsione, os trabalhadores devem se organizar e ter instrumentos concomitantes à direção do sindicato para fazer o enfrentamento.

Em Joinville, o sindicato da Cipla era um sindicato pelego que, inclusive, combateu a luta dos trabalhadores. Já na Flaskô, num primeiro momento, tivemos apoio do Sindicato dos Químicos que apoiou a luta, integrando os dois primeiros anos do Conselho de Fábrica, mas posteriormente houve algumas diferenças e disputas e o sindicato passou a enxergar a fábrica como local para ajudar financeiramente apenas como um movimento social de moradia, e não mais impulsionar o movimento e articulá-lo para construir mais lutas.

A primeira conquista foi a experiência enquanto classe, como parte do movimento operário, participação em congressos sindicais da CUT, nos governos Lula e Dilma, lutando para que mais fábricas fossem ocupadas e reivindicando o suporte de políticas públicas. Apresentamos a perspectiva de estatização sob o controle dos trabalhadores ao governo, divergindo inclusive das cooperativas, em que não há donos, mas sim uma empresa estatal e gerida pelos trabalhadores.

Se é possível fazer essa luta na Flaskô, uma fábrica quebrada, não é possível fazer isso em outras fábricas? O objetivo do movimento era contribuir para abrir a construção revolucionária. Em 2002 não havia essa situação, mas houve um ascenso das massas.

A segunda foi para cada trabalhador da fábrica. A garantia do emprego com direitos, melhorar ambiente de trabalho, reduzir jornada de trabalho para 30 horas, sem diminuir salário, o piso salarial da categoria foi alcançado, houve aproximação salarial entre os grandes salários e os menores – de 30 vezes a 3 vezes de diferença, zero acidentes de trabalho, menos adoecimentos.

Flaskô, fábrica ocupada na cidade de Sumaré (SP). Foto: Janaína Ribeiro/Reprodução

Apesar das dificuldades econômicas da fábrica, totalmente sucateada, com equipamentos e insalubridade dos anos 1980 e a precarização proposital dos proprietários, a empresa sob controle operário aumentou o faturamento e produção – questionando a própria classe patronal. Sem a apropriação privada da riqueza, a gente consegue socializar o tempo e o dinheiro produzidos.

Esse questionamento sobre a classe patronal impeliu, em 2007, Lula e seu ministro da previdência à época Luiz Marinho e o interventor federal a tomarem a decisão de afastar o controle operário da Cipla, Interfibra e Flaskô (sendo que apenas na Flaskô esse golpe foi revertido).

Na decisão jurídica, o magistrado que ratifica a decisão cita em sua argumentação “imagina se a moda pega”. Essa decisão não foi muito diferente do que o próprio Lula disse ao movimento em 2003, que as reivindicações do movimento não estariam no “cardápio do governo”.

A resposta do governo e das principais direções sindicais à época era: as fábricas fecham no capitalismo, há uma concentração e centralização do capital e não tem o que fazer. É possível cobrar para que o patrimônio da empresa pague a dívida trabalhista e só, cada um se vire depois.

Não podemos, como comunistas, reproduzir esse discurso. Como disse um trabalhador chamado Carlão, da Flaskô, “quem sobra na fábrica ocupada são os trabalhadores com idade mais avançada, com baixa escolaridade e que teriam então dificuldades de trabalhar”.

A terceira grande conquista foi popularizar a ocupação com a comunidade local, incentivando a população nos espaços da fábrica, inclusive com cultura, esporte, festivais, escolas, congressos e mobilizações estudantis. Na Flaskô, três quartos do terreno foram organizados como ocupação de moradia – a Vila Operária, que hoje está em processo final de regularização.

Se fala tanto de função social da propriedade, e qual é a função social de uma empresa senão a manutenção dos empregos e direitos? A empresa ocupada sofre com a organização dentro do mercado. Ao comprar matéria-prima, vender os produtos, sofre pressão do mercado, o custo de produção não tem um passivo fiscal-tributário, sobre as dívidas anteriores, sobre os juros, sem subsídio ou política pública, até mesmo sem amparo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Qual a diferença entre uma empresa estatal e uma empresa estatal sob controle operário?

Defendemos que o patrimônio seja público, mas com controle democrático dos trabalhadores. O Conselho de Fábrica contava com um trabalhador de cada setor de cada turno em sua composição, toda decisão do Conselho era submetida à Assembleia, onde poderia ser revogada. Ocorria no mínimo uma Assembleia mensal. Existiam também os Controles de Setor e os Controles de Turno, outras instâncias de organização. Evitando uma verticalização distanciada do chão de fábrica.

A cooperativa pode ser interessante em algumas situações, mas no ramo industrial não faz sentido, visto que a propriedade é de um grupo e já ocorreu a precarização do trabalho sob o guarda-chuva da cooperativa. Na autogestão, as fábricas ocupadas já são autogeridas, mas quanto à propriedade reivindicamos que os donos não sejam apenas os trabalhadores locais, mas toda a sociedade, nos distanciamos do socialismo utópico, nos colocamos como marxistas-leninistas, disputando a planificação da economia sob controle estatal, divergindo dos setores anarquistas.


Qual é o legado do movimento para a classe trabalhadora brasileira? E na luta da nossa classe pelo Poder Popular e o Socialismo?

Depois de 20 anos, o movimento prova que não se deve duvidar da capacidade da classe trabalhadora. Para cada trabalhador da Flaskô é uma conquista enorme, devo minha vida à Flaskô, uma experiência de vida e aprendizado incríveis e intensas.

Todo mundo conhece fábricas e galpões subutilizados, gente demitida. Os trabalhadores devem se organizar pela continuidade dos empregos, pela função social da empresa, contra o fechamento da fábrica, expropriar do patrão, deixar que ele responda pelas dívidas e tocar a empresa nós mesmos.

Temos um desafio grande no próximo período, com a barbárie e crise em que vivemos, esse modo de produção da propriedade privada dos meios de produção, o capitalismo, só gera destruição. Temos que repensar o modo de trabalho à luz das experiências das fábricas ocupadas.

*Militante do MLC

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