Luís Almeida | São Paulo (SP)
Desde o início do ano, os estudantes da Universidade de São Paulo (USP) têm enfrentado inúmeras dificuldades para permanecer na graduação. Naquela que é considerada a melhor universidade da América Latina, faltam professores em quase todos os cursos, de modo que, em vários destes, a ameaça de fechamento ou aumento do tempo letivo é real.
Na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), campus da USP na Zona Leste de São Paulo, foi realizada uma ocupação que durou uma semana, ainda no primeiro semestre. Nos cursos de Artes Visuais e Letras foram organizados diversos atos e paralisações para denunciar a falta de professores.
Esse é o caso também dos cursos de Obstetrícia e da Faculdade de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (FoFiTO), do curso de Artes Visuais e do curso de Letras.
André Félix, estudante de Letras (Japonês) da USP, explica que “no ano passado, já havia várias notícias da precarização do curso de Japonês e Português, e isso me deixou completamente indignado com a situação, com falta de professores em matérias obrigatórias, turmas lotadas e muito mais. No curso de Japonês, a gente conta com apenas cinco professores, sendo que quatro já estão em idade para se aposentar, e não temos oferecimento de disciplinas optativas”.
Essa situação se alastra por toda a universidade. Segundo dados da Associação de Docentes (Adusp), o quadro geral de professores efetivos da USP diminuiu 17,51% nos últimos dez anos. Em alguns cursos, essa redução foi ainda maior. O que torna isso mais absurdo é o fato de que a USP possui, em caixa, cerca de R$ 6 bilhões, valor maior do que a soma das verbas das demais universidades estaduais paulistas. Ou seja, o dinheiro que deveria ser usado com permanência estudantil, incentivo à pesquisa na graduação, investimento em infraestrutura básica e valorização do docente e do trabalhador, é visto unicamente como “superávit” por parte da Reitoria e do Governo Estadual.
A Reitoria implementou também, em 2022, uma série de alterações nos programas de permanência e assistência estudantil. Apesar de um aumento de R$ 300 numa das principais bolsas oferecidas, a quantidade de alunos que precisam do auxílio para permanecer na graduação é muito maior que o total de bolsas oferecidas.
Além disso, foram excluídas outras bolsas, como o auxílio-livro e o auxílio-manutenção, este último oferecido aos estudantes do campus da EACH. A liberação das bolsas atrasou em mais de um mês para vários estudantes, mas para o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, pouco importa se os estudantes têm onde morar ou o que comer.
Greve estudantil
Diante dessa situação, os estudantes da USP decidiram dizer basta e, junto de seus Centros Acadêmicos e do DCE, organizaram a luta contra o sucateamento da universidade. Assim, foi decidido em assembleia um indicativo de greve para o dia 21 de setembro, com um importante calendário de lutas para mobilização.
Dias antes da data marcada, houve tentativas, por parte da diretoria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), de desmobilizar os estudantes ao suspender subitamente as aulas e fechar os prédios da unidade, botando alunos e professores para fora das salas e impedindo-os de acessar os espaços de seus cursos.
Imediatamente, centenas de estudantes e o DCE organizaram um ato relâmpago na frente do prédio da diretoria da FFLCH, denunciando o autoritarismo. No mesmo dia, foi decretada a greve imediata dos cursos da unidade, que logo foi seguida pela instauração da greve em diversos outros institutos da USP.
Chegando ao dia 21, um total de 18 institutos da USP aderiram à mobilização, decretando greve ou paralisação.
Além das grandes mobilizações no campus da Cidade Universitária, o principal da USP, foi notável a mobilização dos cursos da área da Saúde, localizados no campus do Quadrilátero da Saúde, cuja maioria aprovou greve ou paralisação a partir do dia 21, com destaque para a paralisação da Escola de Enfermagem. Na EACH, outra ocupação também foi feita, pois o compromisso firmado pela Reitoria para que se encerrasse a ocupação feita no semestre anterior não foi cumprido.
Os primeiros dois dias de greve foram fundamentais para espalhar a mobilização por toda a USP, chegando a mobilizar os cursos mais elitizados da universidade. Na mesma semana, foram tirados indicativos de assembleias nas faculdades de Medicina, Direito e Engenharia para a semana seguinte. Os estudantes dessas faculdades aprovaram a adesão à greve, com participação massiva e histórica.
Junto da grande adesão, também se formou um combativo calendário de lutas puxado pelo DCE. No dia 26, realizou-se um gigante ato unificado, com mais de três mil estudantes. Foram também criados os comandos de greve locais e o comando geral, que debaterá os próximos passos da greve e as mobilizações em cada curso.
No último dia 28, houve a primeira negociação do comando de greve com a Reitoria, que não reconheceu a justa luta dos estudantes, negando-se a negociar a fundo as demandas apresentadas.
Apesar disso, a luta do movimento estudantil organizado e suas entidades continua e só avança: na mesma semana da negociação com a Reitoria, a greve chegou nos campi da USP no interior e vários cursos do campus de Ribeirão Preto aderiram ao movimento, com destaque para uma ocupação da Prefeitura Universitária. Além disso, também foi aprovada a greve no campus de Lorena, onde centenas de estudantes compareceram à assembleia convocada.
A mobilização e a luta legítima dos estudantes pelo direito à educação digna na USP só demonstram o poder que tem a luta organizada contra os projetos de sucateamento e privatização da universidade pública. Onde houver precarização, haverá resistência.
Matéria publicada na edição nº 280 do Jornal A Verdade.