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sábado, 27 de abril de 2024

Agronegócio concentra renda e não produz alimentos para a população

Redação Rio


De 2010 a 2022, a média de crescimento anual do setor agropecuário foi o dobro da economia brasileira como um todo. Com base nessa disparidade, os capitalistas e latifundiários apresentam que o modelo de uso de terras vigente há mais de 500 anos no Brasil é novo e moderno. Atualmente, este modelo atende pelo nome de agronegócio, mas pode também ser chamado de latifúndio.

Contando com toda a propaganda da grande mídia, dizem que é o único viável para o abastecimento e o desenvolvimento do país. Porém, os dados mostram um quadro bastante diferente.

Com um crescimento tão acelerado da agricultura, o natural seria o aumento da oferta e, consequentemente, o barateamento dos produtos básicos para a alimentação da população. Entretanto, como mostra o gráfico a seguir, o crescimento da produção é extremamente concentrado nas chamadas commodities agrícolas, isto é, produtos destinados à venda no mercado internacional, como cana-de-açúcar, milho e, principalmente, soja.

Em pouco mais de dez anos, a produção de soja e milho mais que dobrou, enquanto a área ocupada se expandiu em 82% e 61%, respectivamente. Por outro lado, produtos que compõem a base da alimentação nacional, como arroz e feijão, tiveram sua produção reduzida, sendo que a área plantada dessas culturas caiu ainda mais. A área plantada de feijão é apenas 2/3 da que era em 2010, e a do arroz se reduziu pela metade. Considerando a área total da agricultura brasileira de grãos, cana e café, 50% é ocupada pela soja.

Produção e área plantada no Brasil – Culturas selecionadas
Safra Soja Milho Cana-de-açúcar Arroz Feijão
Produção
(em milhões de toneladas)
2010/11 75,3 57,4 623,9 13,6 3,7
2015/16 95,7 66,5 665,6 10,6 2,5
2020/21 139,4 87,1 654,5 11,8 2,9
2022/23 (previsão) 154,6 130,0 610,8 10,0 3,1
variação percentual 105% 126% -2% -26% -18%
Área plantada
(em milhões de hectares)
2010/11 24,18 13,8 8,1 2,8 4,0
2015/16 33,25 15,9 8,7 2,0 2,8
2020/21 39,53 19,9 8,6 1,7 2,9
2022/23 (previsão) 44,07 22,2 8,3 1,5 2,7
variação percentual 82% 61% 3% -48% -32%
Fonte: Conab

 

Além de não produzir alimentos para a população, o agronegócio se expande paralelamente ao aumento da concentração de terras. Em 2004, as propriedades rurais com mais de 100 mil hectares ocupavam apenas 2% da área total registrada pelo Incra. Em 2018, essas mega propriedades já correspondiam a 18% da área total (1 hectare equivale a aproximadamente um campo de futebol). Vale ressaltar que essas áreas, verdadeiros países dentro do Brasil, pertencem a apenas 424 imóveis rurais. Ou seja, na estrutura fundiária brasileira, 0,006% das propriedades concentram 18% da área total! Só os três maiores conglomerados capitalistas (Bom Futuro, SLC Agrícola e Amaggi) são donos de 1,5 milhão de hectares.

Os agrotóxicos não são uma necessidade técnica

Uma das características mais marcantes desses latifúndios modernos é o uso massivo de agrotóxicos. Mais de 70% dos agrotóxicos vendidos no Brasil são utilizados nas culturas de soja, milho e cana-de-açúcar. Essa prática, para além de seus efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente, provoca também a concentração de renda porque substitui a capina física pela capina química, expulsando trabalhadores. A professora Larissa Bombardi, autora do estudo “Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil”, explica a relação entre os agrotóxicos e a redução do mercado de trabalho para os trabalhadores rurais.

“Quando se tem uma agricultura orgânica, biodinâmica, agroecológica, formas de agricultura sem agroquímicos, há um manejo muito manual. O manejo é físico, é através da capina, um manejo em que não se usa algo que elimine quimicamente uma determinada espécie. Há trabalho físico, ou mesmo trabalho com maquinário, mas trabalho. Se você pulveriza com agrotóxicos que matam tudo em volta e só a soja resiste, isso demanda muito menos trabalho, é uma agricultura mais barata. Embora não seja desprezível o valor do veneno, em larga escala vale a pena, porque demanda muito menos mão de obra”, aponta Bombardi.

Dessa forma, o uso em larga escala do veneno na agricultura é mais uma decisão econômica para redução de custos do que uma necessidade de técnica agrícola. Está diretamente associado ao modelo capitalista de uso da terra. A utilização do agrotóxico pode ser evitada, ou pelo menos reduzida, com o aumento de máquinas e principalmente de trabalhadores nas lavouras. Claro, isso implicaria a alteração da distribuição funcional da renda do campo, isto é, o aumento da participação dos salários na renda total.

A exploração do agronegócio também é brutal para os trabalhadores que conseguem uma ocupação. Como mostrado na edição da primeira quinzena de julho de 2023 de A Verdade, das quase 1.500 pessoas resgatadas em situação de escravidão este ano no Brasil, 87% estavam em atividades rurais. A violência contra pessoas que se opõem ao agronegócio é outra característica evidente, especialmente contra indígenas, quilombolas e lideranças de sindicatos rurais. Segundo o relatório Conflitos no Campo do Brasil 2022, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), houve 1.572 ocorrências violentas de conflitos por terra no país, atingindo mais de 180 mil famílias. Estão computados nesses números os casos de assassinato, tentativa de assassinato, ameaças de morte, sequestro, tortura, agressões e invasões de acampamentos.

Reforma agrária já!

O agronegócio é o herdeiro e o continuador do antigo latifúndio colonial. É uma forma econômica de uso da terra que perpetua o subdesenvolvimento do Brasil. O crescimento do setor acima da média nacional não é uma virtude, mas uma consequência do modelo que privilegia a exportação de commodities e conduz à desindustrialização e à dependência tecnológica. Nem mesmo as receitas das exportações beneficiam a economia nacional. Desde 2008 (Resolução/BC 3.548), os exportadores não são mais obrigados a converter em reais os dólares das exportações, podendo mantê-los integralmente no exterior.

Portanto, não há propaganda milionária do tipo “o agro é pop” que altere o fato de que o agronegócio é prejudicial ao Brasil. O avanço da soja é um mal para o meio ambiente, para os trabalhadores e para o país.

É urgente uma profunda reforma agrária popular, que garanta aos camponeses pobres o uso da terra e empregos dignos ao proletariado rural, assegurando também acesso às tecnologias (tratores, meios de transporte, armazéns, sementes, etc.), à assistência técnica e a créditos.

Além disso, deve ser implantada uma nova forma de uso da terra, a agroecologia, em que a preservação da natureza, a qualidade de vida dos trabalhadores rurais e o desenvolvimento econômico são os pilares fundamentais.

Aliás, nada impede que o governo atue diretamente nesse sentido, constituindo empresas estatais para o manejo adequado do solo e da natureza como um todo (água, sementes, rebanhos, etc.).

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