As conquistas da primeira paralisação da pós-graduação na Unicamp

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Estudantes decidiram fazer a primeira paralisação geral da pós-graduação na Unicamp em assembleia convocada pela APG (Associação de Pós-Graduação), no dia 05 de outubro de 2023

Patty Kawaguchi* | Campinas


EDUCAÇÃO – O motivo principal foi a indignação com o ataque ocorrido em 03 de outubro, quando o estudante negro do DCE e diretor da UEE (União Estadual de Estudantes) de São Paulo, Gustavo Bispo, foi atacado com uma faca pelo professor Rafael Leão. Na sequência, o professor do IMECC (Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica) também atacou outro estudante, João Gabriel, com um spray de pimenta enquanto tentava fugir covardemente.

Vale apontar que a APG não tinha conseguido se organizar para convocar uma assembleia e pautar a paralisação do dia 03, data em que trabalhadores da SABESP, CPTM e metrô fizeram uma greve estadual contra as privatizações do governo Tarcísio. A graduação estava fazendo um dia de paralisação em apoio e, por isso, estudantes conversavam com professores que queriam dar aula, desrespeitando a paralisação.

A atitude absurda do professor fascista causou uma comoção na comunidade universitária e com o conjunto de estudantes da pós-graduação não foi diferente. Por isso, a assembleia, realizada online para permitir que estudantes que não estão em Campinas participassem, bateu recordes de presença, tendo de ser transmitida para permitir que outros estudantes conseguissem acompanhar.

Houve informes do DCE, que já havia deliberado greve geral, da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduação) e da APG da USP, que já estava em paralisação. Além da agressão por parte do docente, também foram discutidas as outras bandeiras de luta elencadas pelo movimento estudantil da graduação: cotas trans e PCD, restaurante universitário aos finais de semana, Paviartes já (Paviartes é o prédio usado por estudantes de artes cênicas e dança, que está com a reforma parada após demolição e abandono de parte do prédio), permanência, acessibilidade e contratação de professores. Mas não houve tempo para discutir as demandas específicas da pós, havendo apenas a indicação de algumas pautas pela APG.

A pós tem uma condição muito diferente da graduação. Estudantes da pós-graduação também são pesquisadores; não à toa o nome da gestão atual da APG Unicamp é “Pesquisar e trabalhar”, para lembrar sempre que a pesquisa é um trabalho – muitas das vezes, um trabalho solitário e invisibilizado. Há uma cobrança muito grande por produtividade, para escrever e publicar, muitos orientadores olham feio até quando o estudante se candidata para algum cargo de representação discente. Há uma carga horária menor de disciplinas, por isso é frequente que um estudante não conheça seus companheiros de programa. Também há poucos espaços de vivência e convivência, especialmente depois que as cantinas da Unicamp foram fechando uma a uma devido aos aluguéis caríssimos cobrados pela reitoria, que também não quis se responsabilizar por obras nas estruturas das cantinas, para que se adequassem às exigências da vigilância sanitária. Hoje os espaços das cantinas são prédios vazios e abandonados enquanto máquinas de café e alimentos ultraprocessados foram instaladas em todos os cantos da universidade.

O movimento estudantil da pós-graduação sofreu muito com a pandemia. A APG Unicamp foi refundada em 2019, quando a CAPES fez uma proposta de reestruturação da pós-graduação que na prática enfraqueceria muito o mestrado acadêmico. Representantes discentes nos conselhos da universidade então convocaram os pós-graduandos para debater e se mobilizar contra essa proposta. A partir daí formou-se uma Comissão Pró-APG que formulou o estatuto e foi aclamada como APG em assembleia estatuinte. A primeira gestão, “Ciência e resistência”, participou de atos dentro e fora da Unicamp e travou lutas importantes, como a luta contra a escola cívico-militar em Campinas. O movimento vinha numa crescente em 2020, quando, devido à quarentena, estudantes de pós voltaram ao seu isolamento.

Por isso a paralisação da pós serviu para que estudantes se reunissem com representantes discentes e APGs locais para discutir as demandas específicas de cada instituto, de forma inédita. A APG recebeu as demandas, debateu e aprovou o conjunto de pautas em uma segunda assembleia, no dia 16 de outubro, para serem levadas para a PRPG (Pró-Reitoria de Pós-Graduação). A segunda assembleia aprovou a continuidade da paralisação por mais uma semana. A PRPG, que anteriormente tinha ignorado três e-mails da APG, mostrou-se disposta ao diálogo e se comprometeu a encaminhar a maioria das demandas. Alguns dos principais avanços são a sinalização de apoio às cotas trans e PCD nos programas de pós, apoio ao reajuste de bolsas PED (Programa Estágio Docente), fim da limitação de vezes que um estudante pode participar do PED, criação de uma normativa para as bancas de heteroidentificação para cotas étnico-raciais, apoio às salas de amamentação e fraldários nas unidades, apoio à abertura do restaurante universitário e de uma biblioteca nos finais de semana.

Ao longo da última semana, a graduação conquistou vitórias históricas após as mesas de negociação com a reitoria. Assim, após o término da greve da graduação, a terceira assembleia da pós-graduação deliberou por encerrar a paralisação, mas seguir na mobilização. Houve o compromisso da PRPG com pautas importantes, mas é preciso acompanhar e cobrar. Como os estudantes apontaram na assembleia, também é necessário fazer reuniões periódicas para analisar novas demandas que possam surgir.

Com certeza as reuniões locais foram uma grande conquista da paralisação da pós; estudantes de várias unidades sinalizaram que querem construir uma APG local para melhorar a representação e o diálogo local. A APG Central apoiará as novas APGs e as APGs que já existem, além de estabelecer um contato maior com representantes discentes e incentivar a participação de estudantes nos Grupos de Trabalho da APG (GT Cotas na pós, GT Mulheres, GT Saúde Mental, GT Enquadramento funcional, GT Sede da APG).

Ainda há muito trabalho a ser feito e muito o que conquistar dentro da especificidade da pós-graduação, que é estudo e trabalho, mas a universidade trata como se o pós-graduando não fosse nem estudante (por haver pouca política de permanência) nem trabalhador (por não haver direitos).

*Coordenadora geral da APG Unicamp