Câmara dos Vereadores do Município do Cabo de Santo realizou, no dia 30 de agosto, uma audiência pública para debater um plano de concessão do Parque Metropolitano Armando de Holanda Cavalcanti (PMAHC). Fruto de articulações entre a Secretaria de Projetos Estratégicos do Estado de Pernambuco e a Unesco, o projeto visa degradar em torno de 118 hectares dos 270 hectares totais de território do parque.
Pedro Noah | Cabo de Santo Agostinho – PE
SOCIEDADE – No dia 30 de agosto, a Câmara dos Vereadores do Município do Cabo de Santo Agostinho – quinta cidade mais populosa da Região Metropolitana do Recife –, realizou uma audiência pública para debater um plano de concessão do Parque Metropolitano Armando de Holanda Cavalcanti (PMAHC), iniciativa lançada em 4 de julho de 2023. Fruto de articulações entre a Secretaria de Projetos Estratégicos do Estado de Pernambuco e a Unesco, o projeto visa degradar em torno de 118 hectares dos 270 hectares totais de território do parque.
Agora, junto ao Governo Estadual de Raquel Lyra, o objetivo da empresa pública é entregar o perímetro da área do PMAHC para que o setor privado possa lucrar com a exploração territorial, cultural e ambiental. O leilão para a venda do trecho será realizado em março de 2024, dando à concessionária vencedora o direito de administrar o espaço habitado por milhares de famílias e operar na mão de obra local. Ademais, também deverá se comprometer em pagar R$ 45,9 milhões nos três primeiros anos.
História
Por volta de 1630, o Porto de Suape era a principal rota pela qual os invasores portugueses levavam para Portugal o açúcar brasileiro. Pela via, também eram renovados os estoques de armamentos e munições da capitania. Para efetivar esse processo de saque, verdadeiras fortalezas militares foram construídas na atual área do PMAHC. Disso, há indícios de que a base do Forte Castelo do Mar tenha sido iniciada pelos portugueses e só finalizada após a invasão holandesa. Isso fez com que a região costeira do Cabo de Santo Agostinho se transformasse na segunda maior fortificação de Pernambuco, sendo Recife a primeira.
Nesse trecho, o município também conta com outras construções mais antigas de sua história: as edificações de Nazaré. O conjunto constitui-se pela Vila de Nazaré, a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, o Farol Novo, o Cemitério da Vila de Nazaré e resquícios do Convento Carmelita, da Capela Velha e da Casa do Faroleiro. Foram esses monumentos conjuntos que, mais tarde, deram origem ao parque.
Além disso, é nesse mesmo promontório o único local do Brasil onde se observa a formação de rochas graníticas do período Cretáceo, o granito do Cabo, fruto de magmatismo gerado durante a cisão do supercontinente Gondwana, evento geológico que levou à separação dos continentes sul-americano e africano, por volta de 102 milhões de anos.
No ano de 1978, o PMAHC é criado pelo Governo do Estado de Pernambuco devido à pressão de organizações sociais e comunidades tradicionais residentes quanto aos danos ambientais e socioculturais que o surgimento do Complexo Industrial e Portuário de Suape (CIPS) poderia trazer para os patrimônios do Cabo de Santo Agostinho.
Por seus eixos na geografia, a região é vista como grande potencial para lucro e inversão financeira. Ao Norte do parque, encontram-se as praias de Gaibu e Calhetas; ao Leste, a praia de Nazaré; ao Sul, as praias de Paraíso e Suape. Todas oferecem atrativos turísticos. Esse grandioso patrimônio cabense passou a contar, ainda no final da década de 1970, com o controle da estatal portuária à frente da administração do Porto de Suape, que também tutela as áreas à Oeste.
Assim, em 1975, o Plano Diretor Integrado da Região Metropolitana do Recife (PDI/RMR), da Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife (Fidem), considerou salutar a preservação da Vila Nazaré. Três anos depois, os fragmentos históricos e arquitetônicos passaram a ser considerados patrimônios do Cabo de Santo Agostinho e então inseridos no Plano de Preservação de Sítios Históricos (PPSH/RMR).
No mesmo ano, através da Lei Estadual nº 7.763, de 1978, é criada a Empresa Suape. No ano seguinte, 1979, o Decreto nº 5.765/79 entrega a gestão do Parque à estatal portuária. A área do PMAHC só foi considerada Zona de Proteção Cultural em 1983 pelo Decreto Estadual nº 8.447.
Cabo de guerra
Nem mesmo a beleza cênica formada pelo azul do oceano Atlântico e o verde dos remanescentes de Mata Atlântica que ainda restam na paisagem esconde os conflitos socioterritoriais existentes. Pelo contrário. Através deles, o Parque Armando de Holanda tornou-se um dos principais palcos da luta de classes no município do Cabo de Santo Agostinho.
Ora, se as decisões políticas para as transformações de um ambiente são frutos de interesses conflituosos, logo esses planejamentos se mostrarão inconciliáveis. E assim tem sido: com o desenvolvimento e a expansão econômica nas praias dos entornos, sobretudo nas de Suape e Gaibu, o número de ocupações no Parque disparou e continua a multiplicar-se diariamente. Ou seja, as necessidades materiais do povo por moradia e serviços têm trazido modificações paisagísticas.
Daí surge a questão. Enquanto a região é o único meio de sobrevivência habitacional e financeira para muitas famílias, a estatal com posse oficial da área, o Complexo de Suape, junto aos órgãos de preservação dos patrimônios edificados, trabalha para desfazer os barracos, retirar as moradias recentes e impedir que reformas sejam realizadas. Foi então que o Plano Diretor Suape passou a legislar em causa própria: todo este processo de “fiscalização” é realizado por agentes terceirizados da empresa, que circulam armados e motorizados, e recebem treinamentos para abordar e intimidar a população.
Até mesmo lideranças comunitárias são ameaçadas e perseguidas. Além de atuar na proibição de atividades de pescas e de manutenção de lavouras, principais fontes de renda das famílias locais. De tal modo, a guarda portuária é quem define quem pode ter acesso e transitar pelas imediações.
No ano de 2016, foram cercados 130 hectares do PMAHC, dos quais delimitou-se 6 km para a criação de uma área nomeada “Polígono de Proteção Rigorosa do Parque”. A ação foi justificada pela estatal como tentativa de evitar novas ocupações e a degradação do meio ambiente, assim como dos bens histórico-culturais. Entretanto, cabe a pergunta: O que Suape tem a dizer quanto a destruição de ecossistemas nativos inteiros, especialmente do manguezal, através de práticas de dragagens, aterros e lançamentos de efluentes por parte de seus empreendimentos industriais? Ou do uso de material explosivo para remover arrecifes tendo em vista facilitar o tráfego de embarcações, dizimando a fauna marinha e até mesmo animais protegidos por leis ambientais? O questionamento vale também para as atividades poluentes do Porto Organizado, órgão responsável pela guarda.
Em 2018, o relatório “Complexos Industriais e Violações de Direitos: o Caso de Suape” expôs instalações ilegais da empresa e também irregularidades em licenciamento para a expansão de estaleiros e de atividades petroquímicas. Acontece que as licenças para obras de ampliação e modernização do CIPS, nos anos 2000, assim como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e os Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), foram criadas em escritórios de advocacia, indo contra os estatutos da OAB.
Fica evidente que não se trata de mecanismos para conservação ambiental ou preservação do patrimônio cultural, mas sim de oligarquias interessadas somente em valorização fundiária, impossibilitando a ocupação e sobrevivência do povo cabense naquele espaço. É uma verdadeira disputa pelo controle de terras.
Existe uma articulação política entre os poderes do município e do estado para desiludir os residentes populares e barrar o fluxo imigratório a fim de transformar a área em uma fonte de exploração comercial e hoteleira. O único patrimônio verdadeiramente defendido é o capital financeiro.
Durante seu processo de tombamento pelo Governo do Estado de Pernambuco, por intermédio da Fundação de Arte e Cultura (Fundarpe), o Cabo de Santo Agostinho recebeu, um parecer, o Exame Técnico 166/1982. O documento reconhecia os valores históricos, as características naturais e o panorama de ocupações na região. Eis a ironia. Ele também trazia alertas para os impactos que a ampliação do Porto de Suape estava gerando, desde a década de 1970, para as edificações culturais e o ambiente natural da região em que o Parque se insere.
O que não consta no relatório técnico é a participação popular ou mesmo de lideranças comunitárias. Nada há sobre a percepção do povo quanto às edificações, uso econômico, de lazer ou de habitação do espaço. Exclusão que se repete desde a gênese e consultoria deste projeto exposto recentemente na câmara da cidade. Ou seja, estamos vendo mais uma vez o meio ambiente e a vida humana serem ameaçados por conta da ganância e a sede do lucro. É preciso ficar de olho nesse “projeto”, especialmente por ele representar mais um passo no caminho do desastre ambiental que podemos ver em nosso estado.