Serley Leal | Fortaleza (CE)
A América Latina já foi palco de incontáveis lutas, guerras e massacres. Do México à Patagônia, do Atlantico ao Pacífico, dos pampas ao Cerrado, dos Andes ao Sertão. Nenhuma dessas regiões deixou de presenciar batalhas heroicas dos povos do nosso continente por liberdade, paz e igualdade social. Entre essas lutas, a primeira Greve Geral equatoriana e o criminoso massacre de 15 de novembro de 1922 ocupa lugar de destaque pela bravura e resistência dos trabalhadores.
Capitalismo e exploração no Equador
Em 1895, após décadas de luta armada, triunfa a Revolução Liberal comandada por Eloy Alfaro, fiel representante da nascente burguesia equatoriana. Até 1912, quando Alfaro é assassinado, há uma intensa disputa entre os liberais de direita e progressistas, que não resultam em transformações na estrutura arcaica e superexploradora do país.
Em 1920, o Equador era uma semicolônia agroexportadora com 70% de seu comércio exterior resultante da venda do Cacau. Em 1916, uma grave crise, no contexto da primeira guerra mundial, o preço do cacau (58,8kg) caiu de 16,7 dólares em 1916 para 5,78 dólares em 1921. A consequência foi uma brutal desvalorização do sucre (moeda equatoriana) para atender às demandas dos agroexportadores. Esta medida provocou aumento da inflação, do desemprego e da fome no país. A crise também se propagou para os setores industriais incipientes e para o funcionalismo público. Todas as categorias sentiram o achatamento salarial, a piora das condições de trabalho e a ampliação das horas trabalhadas.
O governo de José Luis Tamayo (1920-1924) para proteger os interesses das oligarquias, adota uma política econômica que beneficia os grandes barões do cacau, assim como subsidia as grandes indústrias, contém os investimentos públicos, arrocha os salários e cresce a repressão às lutas dos trabalhadores. Tamayo era advogado do Banco Comercial e Agrícola desde 1904, de propriedade de Francisco Urbina Jado, o principal beneficiado com a morte de Alfaro em 1912, pois seu banco se tornou um dos principais credores do governo equatoriano.
Tal situação intensificou a insatisfação dos trabalhadores, particularmente no centro político e industrial mais desenvolvido do Equador: Guayaquil, cidade que tinha crescido sua população em mais de 50%. Em busca de trabalho, houve uma grande migração para as zonas periféricas da cidade e crescimento de habitações precárias e pobreza extrema.
As organizações sindicais e as lutas dos trabalhadores
Em 1896, a Sociedade de Carpinteiros de Guayaquil realiza a primeira greve e conquista que a vitória da jornada de trabalho de 9h diária. Em 1898, a União de Padeiros também realiza greve por aumento dos salários. Em 1908 é criada a Sociedade Cosmopolita de Cacaueiros Tomas Brione para o enfrentamento com os proprietários das Casas de Exportação. Entre 1906 -1908, os ferroviários realizam uma jornada de lutas por melhores condições de trabalho. De 1913 a 1916, o Primeiro de Maio é marcado por intensa campanha pela jornada de 8h. Tais lutas são acompanhadas pelo desenvolvimento organizativo dos trabalhadores.
Em 1909, ocorre o primeiro Congresso Obreiro Equatoriano convocado pela Sociedade Artística e Industrial de Pichincha; em 1920 se reúne o maior congresso com o lema ‘luta independente e classista do proletariado’ e aprova a criação da Confederação Obreira Equatoriana (COE). Nesse processo, destaca-se a participação das mulheres sempre presentes nas heroicas batalhas populares, com as organizações Rosa Luxemburgo e o Centro Feminista ‘La Aurora’ tem importante atuação nessas conquistas.
As plenárias, reuniões e congressos, principalmente a partir de 1916 aprofundam os debates no movimento operário entre os grupos liberais, de conciliação com os capitalistas, os anarco-sindicalistas e os socialistas influenciados pelas ideias marxistas.
As greves de 1922
Os ferroviários iniciaram o processo de luta no dia 18 outubro de 1922, paralisando a empresa norte-americana Quito e Guayaquil Raiway Co. Diversas vias férreas aderem o movimento paredista que obtém várias vitórias e anima diversos outros setores. Em 8 de novembro, os eletricitários protagonizam uma grande paralisação e as reclamações e lutas se generalizam. Como um rastilho de pólvora, diversas fábricas, empresas e setor público se reúnem para mobilizarem uma ação conjunta, pois perceberam que unidos teriam mais chances de vitórias, especialmente os setores com menor experiência em luta e dificuldades com seus sindicatos.
Liderada pela Federação Regional dos Trabalhadores Equatorianos é fundada a Grande Assembleia dos Trabalhadores, organizando ferreiros, mecânicos, padeiros, trabalhadores do saneamento e distribuição de água, bombeiros, motoristas e trabalhadores dos bondes elétricos, etc. Em 13 de novembro, os portuários cruzam os braços por melhores condições de trabalho, aumento de salário e contra o governo oligárquico. Neste mesmo dia, a Assembleia emite o comunicado: “Companheiros, estamos vinculados por um grande imperativo: a fome. Não toleraremos que um déspota capitalista queira pisotear nossos direitos. Eles vivem em meio à abundância e a orgia devido a nossos braços, nossa energia e, as vezes, a nossa vida…Por decisão da Assembleia Geral decretamos hoje, a partir das três da tarde, uma Greve Geral contra todos os abusos de que somos vítimas”.
O massacre de 15 de novembro
Depois do comunicado, antes do final da tarde, todas as principais atividades em Guayaquil estavam paralisadas. Um comitê de greve é criado para inspecionar as ruas, fábricas e garantir ampla adesão. Nas manhãs dos dias 14 e 15 de novembro mais de 30 mil pessoas lotam às ruas do centro da cidade, apavorando os capitalistas e oligarcas nacionais e estrangeiros.
O governo e os patrões se unem para ameaçar os trabalhadores e diversos capatazes e pelegos tentam impedir o crescimento do movimento. O exército e as forças policiais são convocados pelo governo e um clima de tensão se instala na cidade. As lideranças não recuam mesmo com toda pressão. O governo prepara-se para o enfrentamento mesmo sem nenhuma ameaça armada. As provocações crescem e o governo reacionário afirma não irá negociar com os operários. Os trabalhadores se mantêm firmes e decidem caminhar em direção às portas do Palácio do Governo. O presidente Tamayo convoca o chefe militar da zona e ordena: “Espero que amanhã, as 6h, volte a tranquilidade a Guayaquil, custe o que custar, pelo qual você está autorizado a utilizar todos os meios necessários”.
Ao chegarem às ruas próximas, quatro mil militares abrem fogo contra os manifestantes, causando terror e assassinando 1.500 homens, mulheres e crianças. Alguns trabalhadores se reagrupam, montam barricadas, utilizam todas as formas possíveis de defesas à disposição. Segundo Benjamin Carrió foi o maior massacre proporcionalmente à população de uma cidade. As ruas ficaram cobertas de sangue e os cemitérios não tinham espaço para enterrar os mortos. Centenas de trabalhadores foram perfurados por baionetas e jogados no Rio Guayas para que não flutuassem. Por esse motivo, todos os anos, o povo de Guayaquil joga flores e cruzes no rio para lembrar dos combativos trabalhadores assassinados. Apesar do massacre, a greve seguiu adiante por mais uma semana, deixando a burguesia assustada com a coragem dos trabalhadores.
A luta nas ruas dos trabalhadores foi heroica e criadora e uma demonstração de resistência e mostrou que mesmo com todo terror do estado e dos capitalistas, os trabalhadores seguirão com sua missão histórica. Aos heróis de 15 de novembro nenhum minuto de silêncio, uma vida inteira de lutas!
Fonte: 100 años de la masacre del 15 de noviembre de 1922. Documento de la Unión General de Trabajadores del Ecuador. Escritor por Leopoldo Matews.
Serley Leal militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR)
Matéria publicada na edição nº 285 do Jornal A Verdade