Espetáculo retrata a vida e as contradições de estudantes que se juntaram na luta contra a ditadura.
Marcus N’atharde e Louise Ferreira*
CULTURA – ‘Replay – Para não esquecer’, dirigida por Gabriel Nascimento da Cia Abismus esteve em cartaz em setembro de 2023 com entrada gratuita e recebeu doação de alimentos não perecíveis e produtos de higiene para as ocupações do MLB em Salvador.
A peça é uma adaptação que inverte a ordem das cenas do texto clássico “Lira dos Vinte Anos”, de Paulo César Coutinho. Escrita em 1978, retrata sem pudor os conflitos do período ditatorial que atravessam estudantes universitários que se juntaram a resistência dos revolucionários em 1966.
“Em 68 minha mãe resistia ao massacre cotidiano tocando no piano da sala. Enquanto isso nós, estudantes, resistíamos à polícia nas ruas com pedras nas mãos. O som das teclas e o som das pedras se sobrepõem em minha memória, como diferentes acordes de um mesmo concerto. Por isto, esta é uma peça para piano e pedras”, descreve o autor no programa de A Lira dos Vinte Anos, assumindo que sua primeira peça para adultos é fruto de uma história de vida. “Muita ficção em cima de pessoas verdadeiras”.
A peça apresenta os conflitos, ações e cisões do movimento revolucionário, como também aborda a psicologização e a vivência pessoal das personagens que, em meio ao enfrentamento da ditadura, lidam com questões comuns aos jovens de 20 anos. Os jovens lidam com tensões internas do partido, com o machismo, a homofobia, a perseguição nas universidades. Imersos nessas questões, recorrem ao teatro como forma de propaganda e agitação política.
Com uma direção contemporânea e atual, amparada nos moldes do moderno diretor teatral, a peça é uma verdadeira montanha russa de sentimentos, indignação, medo, tensão, paixão, desespero e humor, todos que transbordam no palco. O diretor Gabriel Nascimento opta por alterar a cronologia original dos eventos no texto, dando oportunidade para que cada cena se diferencie e explore novos horizontes, proporcionando uma montagem dinâmica, divertida e emocionante.
Para além disso, como militantes, temos nossa convicção diariamente posta a prova pelas mazelas do sistema capitalista e dos movimentos da burguesia. A propaganda da burguesia na mídia promove a ideia dos revolucionários como vilões, ou grupos “com motivações certas e meios errados”. Esse arquétipo do revolucionário vilão é reproduzido nos meios de cultura de massa, quadrinhos, livros e filmes. É preciso munir-se, produzir e divulgar trabalhos artísticos que valorizem nossas lutas, nossos companheiros e nosso sonho de uma sociedade justa para o povo. Não é de hoje que o teatro já foi utilizado como ferramenta de agitação, propaganda e conscientização, a exemplo de Manoel Lisboa de Moura. Enquanto militante revolucionário e universitário organizou o promoveu espaços culturais para a juventude em Maceió, apresentou e dirigiu peças de teatro, envolvendo trabalhadores portuários.
” É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, cita Mark Fisher no livro “O Realismo Capitalista”. Dadas essa condição, é preciso alcançar cada vez mais a classe trabalhadora com a cultura popular e revolucionária através da consciêntização de si e do outro que a arte instiga. Essa é uma forma de resistência e manifestação do povo oprimido.
*Marcus e Louise são estudantes de teatro e militantes da Unidade Popular