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sexta-feira, 3 de maio de 2024

“Vamos continuar lutando para impedir a privatização da Sabesp”

No dia 06 de dezembro de 2023, o Projeto de Lei para privatizar a Sabesp, empresa pública de saneamento e distribuição de água de São Paulo, do governo estadual, foi colocado em votação na Assembleia Legislativa do Estado (Alesp). A votação foi realizada em total desrespeito ao regimento da Alesp e à democracia. Os movimentos sociais foram à Assembleia cobrar a realização de um plebiscito popular sobre a privatização. Mas, em vez de dialogar com os representantes dos movimentos, o governador Tarcísio de Freitas ordenou a Polícia a usar da violência contra as lideranças populares que manifestavam seu direito de expressão e manifestação. Além de dezenas de feridos, foram presos Vivian Mendes, presidente da Unidade Popular de São Paulo; Ricardo Senese, metroviário e dirigente do Movimento Luta de Classes; Lucas Carvente, professor; e Hendryll Luiz, estudante universitário. A batalha da Alesp e a luta pela libertação desses companheiros mobilizou milhares de pessoas e repercutiu em vários países. A seguir, as entrevistas concedidas por Vivian, Senese, Lucas e Hendryll ao jornal A Verdade. Cadu Machado (SP)


A Verdade – Por que lutar contra a privatização da Sabesp e da água em São Paulo?

Ricardo Senese Quando privatizaram as linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), o número de falhas aumentou muito. Em um curto período, foram registradas 116 falhas, como descarrilamentos, incêndios e uma série de problemas que trouxeram danos graves à população. Privatizando a água não vai ser diferente. Nós tememos pela qualidade da água e pelo acesso a ela.

A água é do nosso povo, então o primeiro prejuízo é o acesso do povo àquele serviço privatizado, mas além disso, as condições de trabalho na empresa vão piorar muito. Vai aumentar a jornada de trabalho e diminuir os salários e direitos trabalhistas.

Os consórcios capitalistas estão há muitos anos querendo essas privatizações. E o meio que eles encontraram foi se aliar ao fascismo, então isso também acaba fortalecendo o fascismo no nosso país. É um conjunto de prejuízos que as privatizações trazem à população.

Vivian, você pode nos contar como foi e como está sendo esse processo de luta contra a privatização da Sabesp?

Foram três dias de batalha na Alesp, em que a gente foi vendo uma escalada de violência contra as pessoas que eram contra a privatização da empresa pública.

Desde o primeiro dia os movimentos sociais e os representantes sindicais que estavam na galeria da Assembleia Legislativa foram impedidos de entrar com água. Tinha uma provocação muito grande dos deputados da extrema direita contra nós, hostilizando e xingando os manifestantes. 

No terceiro dia o Projeto de Lei seria votado. Nós produzimos cartazes e a polícia veio censurar, dizendo que a gente não podia levantar. O clima ali já estava muito pesado. Em certo momento, o presidente da Assembleia Legislativa convocou o Batalhão de Ações Especiais de Polícia, o BAEP, para desocupar a galeria, que era onde estávamos e é um lugar destinado ao povo. Em seguida, eles começaram com a pancadaria. Mais de duzentas pessoas foram violentamente agredidas na galeria, muito gás foi jogado na gente. Muitos ficaram feridos e tiveram que ir pro hospital com a cabeça sangrando.

 

Hendryll, fale um pouco sobre o momento da sua prisão dentro da Alesp.

Eu me lembro que quando um policial bateu com a ponta do cassetete na cabeça de uma companheira e cortou a cabeça dela, ela caiu no chão. Aí eu tentei ajudá-la a se levantar e eles começaram a me bater. Quando ela conseguiu se levantar, eles me puxaram e, sem eu ter reagido, sem ter nem mesmo resistido à prisão, montaram nas minhas costas e me bateram, jogaram um spray de pimenta na minha cara e me arrastaram pela Alesp. 

Nesse momento, eu já não conseguia ver e mal conseguia respirar. Até tentei conversar com os policiais, dizendo que a gente não era bandido, que falta água na minha quebrada, que estávamos ali lutando por um direito, mas eles continuaram me arrastando.

Eles estavam tentando me levar para o banheiro, que é o único local que não tem câmera filmando. Só não conseguiram porque duas companheiras continuaram do meu lado durante todo o tempo e se colocaram à frente, pedindo para serem testemunhas da prisão. Isso evitou que coisas piores acontecessem comigo.

 

Lucas, existem imagens de você sendo agredido por muitos policiais. Como foram os momentos seguintes à sua prisão?

A Polícia Militar da Alesp estava mandando a gente sair para um lado do Plenário e o Baep empurrando a gente pro outro lado, onde a porta estava fechada. Eles nos encurralaram com os escudos e jogaram muito spray de pimenta. Nesse momento, eu fui preso. As fotos mostram seis policiais me cercando, me puxando e depois o policial me algemando e se ajoelhando sobre a minha costela e falando que iria me matar. Eu fiquei com falta de ar e o pensamento que me segurou foi que ali tinham muitas câmeras, que eu estava na Alesp, então ele não ia me matar ali.

Depois disso, me levaram para um anexo onde havia duas chapas de madeira que impediam as câmeras de filmar. Só tinha a Vivian lá e eles me bateram muito. Fiquei com a costela roxa, a cara marcada, mas tentei me manter firme. 

O momento que mais senti medo nesse processo foi quando levaram a gente da Alesp pro DP. Eu fui na viatura sozinho, sem advogado, sem nada. A viatura pegou a Avenida José Diniz e foi passando pelas estações de metrô. Eu sabia que tinha uma delegacia em Moema e eu conseguia ver as estações. Passou a estação Moema, passou a estação Eucalipto e então eu pensei “Vixe, tem DP em Moema. Por que estão indo tão longe?”. Mas chegamos no DP e depois disso me mantive firme de novo.

 

Além da brutalidade, quais outras ilegalidades vocês passaram?

Vivian – Tem várias ilegalidades em todo o processo, né? A própria aprovação do PL foi totalmente ilegal. Não cumpriu o regimento da Alesp, foi autoritária, sem ouvir a voz popular para vender um patrimônio lucrativo do nosso povo.

As nossas prisões foram absolutamente arbitrárias, fruto de muita violência, como ficou filmado e evidenciado. A atuação da delegada escancarou que nós éramos presos políticos. Foi uma delegada escolhida a dedo, uma delegada dessas bolsonaristas de porta de quartel, com vários processos de assédio e de investigações enviesadas.

Essa delegada disse que nós estávamos presos sob flagrante, mas não disse as acusações, disse que ia investigar qual era o motivo flagrante. Na verdade, ela passou horas conversando com os deputados de extrema direita.

Depois, na audiência de custódia, no Fórum da Barra Funda, a juíza julgou que deveria soltar a mim e a Senese sob fiança e manter os outros dois camaradas presos. Na audiência de custódia só deve ficar presa uma pessoa que possa ameaçar o processo de investigação ou alguém que possa apresentar algum risco à sociedade. Nossos dois companheiros têm endereço, residência fixa, trabalho, universidade, vínculos que, obviamente, não os enquadram nessas condições.

 

Hendryll, como foi receber a notícia de que vocês seriam libertos, sair do CDP e encontrar o acampamento?

Desde que a gente foi preso, a gente tinha muita incerteza sobre tudo, mas tinha uma coisa que a gente tinha certeza, que os nossos camaradas estavam fazendo alguma coisa. 

Sabíamos que os nossos soldados não se rendem e isso aliviava eu e o Lucas. A gente lembrava de uma música do Don L que diz: “Pânico de nada / Eles sangram como eu sangro”. Isso trouxe uma energia que fortaleceu muito a gente. 

Quando teve o alvará, os companheiros de fora souberam e soltaram fogos. Na nossa cela começou a discussão sobre o porquê daqueles fogos. Uns falavam que era da comunidade mais próxima, outros negavam. Aí teve um que disse: “Ué, quem tá aí na frente? É o pessoal dos garotos! Saiu o alvará de vocês!”. Logo em seguida os homens começaram a abraçar a gente. Aí foi a hora que chegou o carcereiro e gritou: “Hendryll e Lucas, se arruma porque vocês vão sair, cantou o alvará!”. Teve uma salva de palmas gigante. Eu lembro de um preso botando a mão pra fora e dizendo: “Não esquece da gente quando estiverem com o microfone na mão”. Reconheceram a luta que a gente travou e sabiam que a gente deveria estar em liberdade, lutando. Foi um momento muito lindo! A gente saiu com a camisa de preso, aquela camisa pesada, e uma companheira chegou e me deu a camisa da UJR. Eu não consigo explicar como me senti naquele momento. O que a gente enfrentou dentro da prisão e o que os camaradas construíram do lado de fora foi gigantesco!

Matéria publicada na edição nº 285 do Jornal A Verdade

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