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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Ocupação Ranúsia Alves, em Recife, mobiliza cerca de 500 famílias sem-teto

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Na madrugada do dia 18 de março, cerca de 500 famílias sem-teto, organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), ocuparam um terreno no bairro do Engenho do Meio, pertencente à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que fica ao lado de um dos anexos da instituição. Lá, porém, não brotava conhecimento, só mato, muito mato, há mais de 30 anos.

Rafael Freire | Redação


LUTA POPULAR – “Procure acompanhar o pessoal do MLB, que tem um projeto de sucesso e que não deixa ninguém pra trás”. Assim Dona Maria finaliza nossa conversa na Ocupação Ranúsia Alves, em Recife, capital de Pernambuco. Maria Ferreira da Silva, 78 anos, é uma das moradoras mais experientes da recente ocupação, realizada no dia 18 de março. “Sou agradecida pela vida. Aqui todo mundo gosta de mim. Esta é a segunda vez que eu participo de uma ocupação, a primeira com o MLB, e estou gostando demais, tudo organizado. Tenho fé que, finalmente, vou conquistar minha casa!”, conta Dona Maria, muito animada.

Não é para menos tamanha animação. Após uma vida inteira de muito sofrimento, Dona Maria lembra da infância extremamente difícil que passou entre Pernambuco e Paraíba. “Eu era a maiorzinha e tinha que ajudar minha mãe a cuidar dos meus irmãos e ajudar meu pai na roça e quando ele viajava pra vender queijo. Nossa cama era de vara e minha mãe dormia no chão. Quando eu via que ela estava muito cansada, eu dava pra ela meu lugar na cama, que era uma só para todos os filhos. A gente cresceu sem educação, sem cultura. A comida, comprava uma vez por semana na feira”. Dona Maria entrou numa sala de aula pela primeira vez aos 15 anos, mas só aprendeu a escrever o nome e a ler algumas palavras, pois logo se mudou de vez para Recife para “trabalhar em casa de família”.

Agora, com seu barraco ainda em construção, passa o dia na Ocupação e, à noite, volta para dormir na casinha alugada na Favela do Detran, bairro da Iputinga. Ela é um retrato da luta pela sobrevivência travada diariamente por milhões de brasileiros que têm negado o direito à moradia digna.

NA LUTA. Camila com seu esposo e duas filhas. Fotos: Rafael Freire/JAV

Famílias organizadas para lutar

Na madrugada do dia 18 de março, cerca de 500 famílias sem-teto, organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), ocuparam um terreno no bairro do Engenho do Meio, pertencente à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que fica ao lado de um dos anexos da instituição. Lá, porém, não brotava conhecimento, só mato, muito mato, há mais de 30 anos. As famílias passaram os primeiros dias trabalhando duro, em regime de mutirão, para limpar o terreno, traçar os lotes e organizar os primeiros barracos, incluindo a cozinha coletiva.

Aliás, todo dia à noite ocorre a assembleia para dividir as tarefas para o dia seguinte, como ir à Ceasa em busca de doações de alimentos e preparar o almoço de quem participa da quotização.

Como é de costume nas ocupações organizadas pelo MLB, é feita uma sensibilização junto aos moradores das redondezas para explicar as motivações do Movimento e pedir apoio. Em frente à Ocupação Ranúsia, por exemplo, funciona um Espaço Cultural popular, que deu apoio para garantir água potável e ainda, no feriado da Páscoa, abraçou as crianças do MLB com atividades lúdicas.

Postura bem diferente adotou a Reitoria da UFPE. No dia 26 de março, a Ocupação recebeu a visita de um oficial de justiça para comunicar ao MLB sobre o pedido de reintegração de posse do terreno, por parte da administração da Universidade.

Sem diálogo prévio e sem nenhum interesse em dialogar dali para frente, a Reitoria recebeu de volta a visita. No dia 04 de abril, durante audiência entre as partes na Justiça Federal, uma parte das famílias realizou um ato em repúdio às ameaças de despejo e cobrou a abertura de negociações com a UFPE. Não houve avanços, mas agora o reitor Alfredo Macedo Gomes pôde entender melhor a força das famílias organizadas, e que não seria tão simples assim acionar aparato policial para executar o despejo.

Importante destacar ainda que, além deste ato, as centenas de famílias também participaram de algumas manifestações políticas no Centro de Recife em solidariedade ao povo palestino; pela prisão de Bolsonaro e dos generais fascistas; em repúdio aos 60 anos do golpe militar de 1964. Uma clara demonstração do avanço em suas consciências.

Avanços também nas conquistas

Na verdade, para quem luta, os avanços vêm de todos os lados. No dia 11 de abril, o Governo Federal anunciou oficialmente as novas etapas do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, especialmente na modalidade “Entidades”, em que o Ministério das Cidades celebra convênios com os movimentos sociais para a construção de moradias populares. O MLB foi um dos movimentos contemplados nacionalmente, com mais de 900 unidades habitacionais em seis empreendimentos, em estados diversos, incluindo Pernambuco.

Na solenidade, em Brasília, Poliana Souza, da Coordenação Nacional do MLB, falou em nome do conjunto dos movimentos: “Este programa, ao colocar os movimentos em seu devido lugar de protagonistas do processo, valoriza a organização popular, que não visa ao lucro, como o grande capital, mas sim à construção de moradia de maior qualidade para as famílias trabalhadoras do nosso país. Isso ajuda a combater a desigualdade social, a propriedade privada, os monopólios, a especulação imobiliária. Seguimos rumo à Reforma Urbana!”.

Dona Maria que está construindo a Ocupação Ranúsia Alves e falou com o Jornal A Verdade.

Na noite do mesmo dia, uma grande assembleia do MLB, envolvendo todas as famílias cadastradas em Recife, foi realizada na Ocupação para repassar os últimos informes. O clima geral foi de muita combatividade e alegria pelos avanços obtidos pelo MLB nacionalmente. Para a cidade, está prevista a construção de 128 unidades habitacionais em um terreno doado pela Prefeitura na comunidade Bola na Rede, Zona Norte da Capital. Como o número não atende todas as famílias cadastradas pelo MLB na cidade, as famílias seguem mobilizadas, organizando cada vez mais a Ocupação Ranúsia. Segundo o Plano Local de Habitação de Interesse Social, existe um déficit de mais de 70 mil moradias na Capital pernambucana.

Também foi anunciada a suspensão temporária do processo de despejo da Ocupação Ranúsia Alves e a abertura de negociações diretamente com o Governo Federal. Mais uma vitória da pressão e da luta!

Após a assembleia, Camila Santana, 31 anos, moradora da Ocupação Ranúsia, avalia: “Tem que lutar para ter a moradia. Eu pagava 400 reais de aluguel, mas só recebo 600 do Bolsa Família. Ou paga aluguel ou come”. Ela, que sobrevive catando material reciclável, também relata um pouco sobre sua vida: “Já morei muito em barreira, no Jordão (bairro de Recife, divisa com o Município de Jaboatão). Em 2022, teve uma enchente grande que derrubou a casa que eu morava antes e que eu tinha acabado de me mudar. A família que morava lá no momento, morreu. Por pouco, não perdi minha vida”. E completa, com lágrimas nos olhos: “Meu sonho é dar um quarto digno para meus filhos, já que é um direito de todo brasileiro. Então vou continuar lutando”.

Quem foi Ranúsia

Ranúsia Alves Rodrigues nasceu em Garanhuns, Agreste de Pernambuco, no dia 18 de junho de 1945. Era estudante de Enfermagem na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). No meio estudantil, envolveu-se com o Diretório Acadêmico e se aproximou do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Foi presa pela primeira vez no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em Ibiúna (SP), em outubro de 1968. No ano seguinte, foi expulsa da Faculdade de Enfermagem por aplicação do Decreto-Lei nº 477/69. Passou, então, a viver na clandestinidade.

A partir de outubro de 1972, começou a atuar no Rio de Janeiro. Foi morta a tiros, no dia 27 de outubro de 1973, junto com outros militantes do PCBR, no episódio que ficou conhecido como “Chacina de Jacarepaguá”, em operação comandada por agentes do DOI-Codi do I Exército. Os quatro militantes mortos foram enterrados sem identificação, como indigentes. Os restos mortais de Ranúsia não foram localizados e identificados até hoje.

Matéria publicada na edição nº 290 do Jornal A Verdade.

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