Veja por que professores e servidores das universidades públicas estão em greve

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O reajuste salarial é uma demanda central da greve atual, visto que há anos os servidores federais encontram-se com um salário defasado. Entretanto, não se trata de um aumento, mas sim da recomposição do poder de compra dos salários frente à inflação e ao custo de vida. As pautas defendidas pelas Entidades do Setor da Educação vão muito além do aspecto salarial, abarcando uma verdadeira luta em defesa da educação pública.

João Montenegro | Recife 


TRABALHADORES – Servidores das universidades públicas em todo o país estão em greve, lutando por reajuste salarial, reestruturação dos planos de carreiras, recomposição orçamentária entre outras pautas. As reivindicações são lideradas por três entidades: a FASUBRA, que representa os trabalhadores técnicos administrativos em educação, em greve desde 11/03; o SINASEFE, sindicato nacional dos servidores (docentes e técnicos) da Rede Federal de Educação Básica, Técnica e Tecnológica (Institutos Federais e Colégio Pedro II), em greve desde 03/04; e o ANDES-SN, sindicato que representa os docentes de ensino superior, básico, técnico e tecnológico, que deflagrarão greve em 15/04.

O reajuste salarial é uma demanda central, visto que há anos os servidores federais encontram-se com um salário defasado. Entretanto, não se trata de um aumento, mas sim da recomposição do poder de compra dos salários frente à inflação e ao custo de vida. Além disso, as pautas defendidas pelas Entidades do Setor da Educação vão muito além do aspecto salarial, abarcando os seguintes pontos:

– Reestruturação das carreiras dos docentes e técnicos administrativos;

– Recomposição salarial e definição de data-base;

– Restauração do orçamento das Instituições Federais de Ensino;

– Ampliação dos programas de assistência estudantil;

– Revogação do novo ensino médio;

– Melhoria das condições de trabalho;

– Fim de assédios moral e sexual nas Instituições Federais de Ensino;

– Criação de condições efetivas para a integração entre ensino, pesquisa e extensão;

– Revogação da Portaria MEC 983/2020;

– Recomposição da força de trabalho por meio de concursos públicos;

– Oposição à PEC 32/2020 e qualquer outra contrarreforma administrativa seguindo suas diretrizes;

– Autonomia e democracia universitária;

– Fim da contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas.

Tentativas de negociação frustradas com o governo

Não é de hoje que os servidores federais tentam dialogar com o governo Lula. Ao longo de 2023 e do início deste ano, a ANDES-SN protocolou mais de 16 pedidos para dialogar sobre pautas específicas da educação com o Ministério da Educação (MEC), que não apresentou propostas para as reivindicações. O SINASEFE, por sua vez, demorou mais de 140 dias para ter os encontros da mesa de negociação marcados com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). 

Após a deflagração das greves e forte pressão por parte das entidades da educação, o MEC finalmente decidiu abrir as mesas de negociações. Na rodada da Mesa Nacional de Negociação Permanente com a ANDES-SN, ocorrida na última quarta-feira (10), o governo apresentou uma proposta que mantém o congelamento salarial para 2024 e vincula os possíveis reajustes dos próximos dois anos à aceitação de um acordo repleto de restrições aos direitos dos trabalhadores.

Durante a reunião, o secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão e Inovação, José Lopez Feijóo, propôs uma minuta que visava coibir movimentos grevistas, estabelecendo que interrupções nos serviços públicos levariam à suspensão das negociações em andamento, um grave ataque ao direito de greve. No entanto, protestos sindicais forçaram o governo a recuar e retirar essa cláusula do documento final, enviado às entidades no mesmo dia.

Mobilizações em defesa da educação não são de hoje

As mobilizações em defesa da educação pública têm crescido nos últimos anos em todo o país. Durante o governo Temer, houve uma grande onda de ocupações em universidades públicas, institutos federais e escolas, além de uma greve geral com forte adesão dos setores educacionais. Essas mobilizações foram uma resposta ao Teto de Gastos, que congelava os investimentos públicos em áreas como educação e saúde, e às contrarreformas trabalhistas e da previdência.

No governo Bolsonaro, apesar da pandemia de covid-19, foram registrados grandes atos de rua contra a intervenção do governo nas universidades e institutos federais, cortes no orçamento da educação e pela retomada dos concursos públicos e recomposição orçamentária.

Esvaziamento do orçamento da educação continua sob governo Lula

As mobilizações grevistas atuais visam combater o desmonte neoliberal da educação promovido nos últimos anos e que continua no governo atual. Embora durante a campanha tenha prometido retomar os investimentos nas áreas, o governo Lula apresentou uma previsão orçamentária para 2024 menor do que no ano anterior, dando continuidade ao esvaziamento dos investimentos em ciência e tecnologia. Além disso, o orçamento federal para ensino superior e tecnologia diminuiu em R$ 117 bilhões nos últimos 10 anos, representando hoje aproximadamente metade do que foi investido em 2014.

Na quarta-feira (10), o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou a possibilidade de fornecer um reajuste salarial aos servidores públicos, citando restrições orçamentárias. A limitação orçamentária, entretanto, não resulta da falta de dinheiro, mas da implementação do Arcabouço Fiscal, política neoliberal proposta pela equipe econômica de Haddad e que atravanca intencionalmente o investimento público. Apesar disso, a Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (9) a liberação de um valor extra de R$ 15,7 bilhões, que pode ser utilizado livremente pelo governo Lula, sem a necessidade de aprovação do Congresso. Esse valor é suficiente para atender às demandas dos servidores públicos em greve, a questão é se há vontade política para tanto.