Prefeitura de São Caetano do Sul tentou proibir a manifestação. Mesmo assim, movimentos sociais, família e amigos de Geovanna mantiveram o ato para denunciar o constante assassinato da juventude negra
Movimento Olga Benário | Santo André (SP)
Unidade Popular | São Caetano do Sul (SP)
Na manhã do último sábado (18/5), no município de São Caetano do Sul (SP), familiares e amigos de Geovanna Viana, jovem negra de 19 anos atropelada em alta velocidade por um veículo de luxo, organizaram uma manifestação na avenida Presidente Kennedy, onde ocorreu a tragédia, para homenagear a jovem e denunciar sua morte e a impunidade do assassino.
Geovanna foi morta enquanto estava indo comprar um refrigerante acompanhada de mais três pessoas, que presenciaram seu atropelamento por um Mitsubishi Lancer branco. Segundo testemunhas e perícia inicial, seu dono o dirigia bêbado a uma velocidade de cerca de 150 km/h em uma avenida com limite de 50 km/h. Identificado como culpado, ele é um homem branco de 35 anos que exerce a profissão de engenheiro. Seu teste de bafômetro, realizado pela polícia somente cinco horas depois do ocorrido, constatou 0,09 mg de álcool por litro de sangue, média que se enquadra em uma infração severa.
A polícia registrou o caso como homicídio culposo, denominação dada quando o culpado tira a vida da vítima sem a intenção de fazê-lo. No entanto, essa acusação foi questionada pelos manifestantes.
Segundo Julyver Modesto, mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança, no site da CTB Digital, quando “a pessoa, premeditadamente, ingere bebida alcoólica, para, sob seu efeito, praticar um crime, entende-se presente o dolo, pois o que se avalia é a liberdade de ação no momento em que se decidiu por aquela conduta.”
A Avenida Presidente Kennedy é um dos pontos mais movimentados de São Caetano do Sul, sendo bastante frequentada por famílias. Contudo, também é muito conhecida a prática de “rachas” na via.
A falta de comprometimento do Estado em culpabilizar devidamente um homem bêbado dirigindo a uma velocidade três vezes maior que a permitida indignou os familiares e amigos da vítima, que prestaram depoimentos ao jornal A Verdade na manifestação do dia 18/5.
Relatos de indignação
Pamella Lopes, integrante do mesmo grupo de dança que Geovanna e sua amiga próxima, nos relatou: “Sinto um misto de luto com raiva, pois no noticiário está escrito ‘homicídio culposo’, o que não faz sentido, afinal ele [o culpado] assumiu a responsabilidade assim que se embebedou e começou a dirigir em alta velocidade. É um absurdo pensar que a nossa vida vale isso. Sentiremos muitas saudades em ter ela nos ensaios. Era uma vida nova e foi completamente interrompida. Ela já tinha uma festa surpresa que estávamos preparando para os seus 20 anos. Tinha acabado de começar a namorar. Estava iniciando seu TCC do técnico.”
Já Bruna Biondi, vereadora do PSOL no município, afirmou: “Agora que esse assassinato aconteceu, o nosso comprometimento é na luta por justiça e por memória. Memória para que Geovanna e seu caso não caiam no esquecimento. Justiça para que o caso não caia na impunidade e, então, a família possa ter ao menos o conforto em saber que o responsável foi devidamente punido, além de servir para que a prefeitura de São Caetano do Sul pare de ser negligente com os casos rodoviários no município, que têm um recorte claro de classe, pois as vítimas injustiçadas são, justamente, a classe trabalhadora periférica e negra. Portanto, a luta continuará por justiça para Geovanna.”
Por sua vez, Rogério Padial, grafiteiro responsável pelo mural em homenagem a Geovanna feito no ato do dia 18, ofereceu o seguinte depoimento ao jornal A Verdade: “Quando recebi a notícia, eu fiquei bem mexido pelo fato ter ocorrido perto da minha casa, pois poderia ter acontecido com alguém que eu amo, então tomei a decisão de que iria fazer um grafite independente dos apoios, porque acho que não poderia ter passado em branco. Afinal, Geovanna era uma menina preta e periférica que saiu do Jardim Ângela, um lugar considerado violento, para ser assassinada na ‘cidade de primeiro mundo’, no ‘IDH padrão.’” O braço armado deste Estado, em uma tentativa clara de desresponsabilização, alegou que o culpado não tinha intenção em assassinar ninguém.
Os prantos de uma família que tem seus sentimentos estilhaçados por uma perda tamanha deveriam ser acolhidos pelo poder público. Contudo, a prefeitura do município se omitiu de dar qualquer declaração sobre o caso e ainda planejava boicotar a realização da manifestação alegando ser proibida a ocupação da avenida. Mas os movimentos sociais, família e amigos de Geovanna mantiveram o evento cultural no dia 18 de maio para arrecadar fundos, denunciar o constante assassinato da juventude e defender o direito dos pedestres de circularem em vias públicas sem correrem risco.
Juvenal dos Santos, tio de Geovanna, em relato ao jornal A Verdade, declarou: “Queremos denunciar esse caso para que ele não seja mais uma estatística. Hoje foi a Geovanna, amanhã pode ser outra Geovanna e depois outra. O sentimento da gente é de descaso por parte do poder público. Em momento algum tivemos apoio de alguém. Essa tragédia veio muito de repente e não ter o apoio de ninguém é duro.”
Porque os negros morrem mais?
Segundo o Atlas da Violência, a cada dez pessoas assassinadas no Brasil, oito são negras. Esse dado e o caso de Geovanna não devem ser vistos como desconexos. O que garante a perpetuação dessa gravíssima segregação é a impunidade garantida pela Justiça brasileira, que dá o aval para que a burguesia mate pessoas negras livremente.
Nesse sentido, o Estado e seus poderes se revelam enquanto agentes dessa classe dominante, agindo a seu favor e perpetuando a exploração da classe trabalhadora, marcada sempre pela violência. O recente “Caso Porsche” é outra evidência dessa realidade, no qual um empresário dirigindo seu carro de luxo a 150 km/h assassinou um motorista de aplicativo e, mesmo assim, a Justiça negou seu pedido de prisão.
Só a luta popular poderá garantir justiça por Geovanna. A mobilização deve ter como objetivo não apenas a pressão para que se declare doloso o homicídio realizado pelo culpado, mas também um horizonte de lutas anticapitalistas para por um fim ao genocídio do povo negro.