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domingo, 22 de dezembro de 2024

Francisco Vieira de Araújo: “Reciclar é cuidar do futuro”

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O jornal A Verdade entrevistou Francisco Vieira de Araújo, mais conhecido como Júnior da Reciclagem. Há seis anos ele montou uma cooperativa de reciclagem no Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife, e vem desenvolvendo um trabalho junto a sua comunidade de conscientização e cuidado com o meio ambiente. 

Clóvis Maia | Redação Pernambuco


A Verdade – Júnior, como foi que começou esse teu trabalho com a reciclagem e como você despertou o interesse e consciência sobre a questão ambiental e o trabalho com a reciclagem?

Júnior – Eu sou marceneiro de formação e sempre gostei de aproveitar o resto das madeiras, fazendo tudo o que sobrava na marcenaria, reaproveitando as madeiras que sobravam, criando novas peças. E aí eu lembro que minha mãe tinha fundado uma cooperativa, lá em Dois Unidos [bairro popular do Recife], junto com algumas pessoas.  Pelo exemplo dela eu vi que poderia trabalhar também com a reciclagem, trabalhar com aquilo que é taxado de lixo, mas que pode ter muito proveito se a gente souber reutilizar. Eu via o trabalho dela e foi por meio do seu exemplo que eu me inspirei em começar. 

Antes de trabalhar com ela eu não fazia ideia da importância daquele trabalho. Eu não gostava, não entendia mesmo dessa urgência de cuidar do meio ambiente, zelar pela natureza, eu fui vendo o trabalho dela e quando vi me apaixonei.  Eu joguei o serviço pra lá, comprei uma bicicleta, e fui “puxar” papelão. No início tinha até amigo que não entendia, me chamava de doido, diziam que eu não estava bem do juízo por trocar a profissão de marceneiro pra ficar no meio da rua, tipo, nove da noite pegando papelão.

Mas eu costumo dizer que fui mordido pelo bichinho da reciclagem. Tinha jeito mais não. 

Foto: JAV/PE

Se você fosse falar para uma pessoa leiga no assunto, um adulto que nunca teve contato com o tema da reciclagem ou uma criança, o que seria mais interessante  nessa relação meio ambiente, reciclagem e sociedade para compartilhar? 

Eu acho que é a esperança. A forma mesmo como os materiais podem ser transformados. Muitas vezes as pessoas não dão importância a isso. Eu costumo dizer que a reciclagem é o mundo das coisas.  Porque, assim, as ferramentas que eu tenho hoje aqui, por exemplo, vieram tudo da reciclagem. As ferramentas que as pessoas jogam no lixo. E muita coisa que eu tiro até de dentro de canal passando no meio da rua, coisa boa que dá para se reaproveitar. A gente tira do lixo, reaproveita, e, ao mesmo tempo, limpa o lugar. As pessoas descartam muitas coisas por falta de consciência e informação. 

Você encontra muita coisa que teria serventia descartado? 

Eu tô fazendo aquela coleta ali para dentro do canal e tiro, por exemplo, alguma coisa que dá pra limpar e usar no mesmo dia. Um fogão bonzinho, por exemplo. A gente pega, ajeita e já dá pra uma pessoa que tá precisando. Até roupa boa a gente encontra. Roupa de marca. A gente faz todo esse apanhado de coleta de roupa, a triagem e depois doa essa roupa para o pessoal dos abrigos, por exemplo. 

Como se dá essa relação meio ambiente, comunidade e o trabalho que vocês vem desenvolvendo aqui na cooperativa? 

A relação meio ambiente e reciclagem está totalmente ligada. Eu acho que não tem nem como separar essas duas coisas, sabe? Aqui a gente começou a trabalhar com a reciclagem e logo apareceu essa discussão sobre o meio ambiente. As pessoas começaram a se interessar. Por sermos de uma comunidade que convive perto do mangue, as demandas relacionadas a proteção ambiental, o convívio em harmonia com a natureza acaba aparecendo quase que de forma natural.

Eu mesmo fui criado aqui, pegando caranguejo, quando eu me dei conta de lá para cá aquela área ali já tinha sido ocupada, as pessoas já estavam morando por aqui, até porque as pessoas não tem onde morar, né? A culpa não é do povo por não ter acesso a uma moradia. Então eu pensei: já que o povo tá morando aqui, vamos trabalhar pra que todo mundo aprenda a cuidar da natureza e não destrua esse lugar. Tem dado certo. 

Quais foram as primeiras ações que vocês fizeram?

Eu tinha essa preocupação. Das pessoas que passaram a morar aqui fizessem como os outros fazem em outros cantos. Aí juntamos o povo para dizer que não pode se acabar com as coisas aqui, que tem que saber tratar do Mangue, dos animais. A gente começou a fazer oficina para se trabalhar a questão da terra, o cuidado para quando fosse se construir alguma obra, enfrentamos a resistência e o olhar preconceituoso da vizinhança, tivemos que dar um enfrentamento a questão da violência e do convívio entra às pessoas. Aqui antigamente era um ponto de desova de corpos. Hoje a gente cuida disso aqui tudo. Planta muda de ipê, jenipapo, a gente fez todo um trabalho de reflorestamento onde antes se jogava lixo. Isso tudo sem ajuda do poder público. Só com a nossa mobilização. Os moradores se ajudando e fazendo junto. 

E como era essa dificuldade entre vocês, ocupando aqui esse espaço e os antigos moradores? 

A princípio pensavam que a gente vinha para invadir. E que algumas pessoas que vinham morar aqui eram do mal. Mas aí vai à gente e começa a trabalhar, por exemplo, em como se deve tratar o mangue no tempo de caranguejo, por exemplo, ou no período de defesa do caranguejo, onde a gente pegava, ia na guarda ambiental, trazia eles pra cá ou fazia uns panfletos para explicar isso para os moradores, que vivem disso, mas que muitas vezes não entendiam da verdadeira necessidade de se conviver nesse equilíbrio. Aí isso ajudou a conscientizar, unir. Diminuir os preconceitos. E também fortalecer pra ir atrás das outras pautas e demandas da gente aqui. 

Depois de organizar essa questão da cooperativa e melhorar o convívio entre moradores e o meio ambiente, quais as pautas hoje de vocês? O que a comunidade mais precisa hoje? Qual a pauta de reivindicações de vocês? 

A maior urgência aqui hoje é a drenagem aqui nas ruas. E também, pode parecer besteira, mas até agora não foi estabelecida. Ou seja, a gente não tem nem endereço organizado direitinho. É por isso que estamos organizando, contando com o apoio da Unidade Popular, pra gente ter cada vez mais a nossa independência. 

A gente, a comunidade mesmo, conseguiu se reunir, compramos os  canos, puxamos a água lá do cano mestre da rua para aqui, para a comunidade e agora a gente tá cobrando que a prefeitura venha terminar o serviço. Boa parte a gente mesmo já fez. Mas ficam jogando: “é coisa da Compesa, é coisa da prefeitura”. Mas a prefeitura abriu mão daqui. A prefeitura não quer nem organizar nosso CEP. Nem isso a gente poder que eles não querem deixar. Toda vez que a gente vai na prefeitura somos ignorados. Por isso que o próximo passo nosso é criar aqui uma associação de moradores ou um conselho de moradores pra gente se representar. Isso deveria ser coisa da prefeitura: drenagem da rua, pavimentação. Mas o prefeito só nos ignora. Ninguém quer ajudar os moradores da Rua da Linha. Por isso a gente mesmo decidiu se ajudar. 

Custava nada ajudar. Só na primeira parte da rua tem 58 casas. São 58 famílias só nessa primeira rua. Aí tem o segundo percurso lá que fica por trás da gente e tem mais cerca de 15 famílias. 15 lares aqui por esse pedaço que é o que tem mais necessidade. E como a gente sabe disso? Porque fomos nós mesmo que fizemos esse levantamento, esses dados. E como foi que eu fiz isso? Pelo trabalho com a reciclagem. Todas essas famílias ajudam, contribuem e participam das nossas ações com a coleta seletiva, separaram seus lixos de forma consciente e tudo. 

Com essa questão do meio ambiente a gente acabou ajudando a criar um bairro inteiro que se preocupa com o seu lar. Aqui na Rua da Linha, temos uma comunidade que interage e trabalha junto esse tema. 

Como é o trabalho aqui de vocês com os materiais? Explica um pouco pra gente. 

Aqui a gente trabalha com todos os tipos de materiais recicláveis. A gente coleta vidro, embalagem tetra pack, papel, papelão. Traz tudo pra cá, faz a triagem e dar um destino. Hoje a gente trabalha com tonelada de material reciclado, dois mil, três mil quilos de material reciclado. Leva pra compostagem lá no lixão, lá vira gás metano e é aí que a gente começa a ver o impacto que a gente tem. Imagina você saber que conseguiu tirar tanta coisa que iria pro lixo e atrapalhar a vida da gente num futuro, né? 

Qual os mecanismos que vocês usam para fazer funcionar essa rede e reciclagem? 

A gente organizou uma rede de apoiadores no bairro. Primeiro a gente começou a distribuir esses sacos de ração, pra armazenarem o material reciclado. Esses sacos chegam aqui, a gente retira o material  e leva ele para ser higienizado, assim ele volta para a casa da pessoa. Aí criamos um grupo no WhatsApp e a cada quinzena, quando voltamos para recolher nas casas, fazemos um sorteio com os participantes, depois nós criamos uma espécie de pontuação para cada tipo de material a ser reciclado, e isso ajudou a estimular também as pessoas. Funciona assim: cada morador que ajuda a cooperativa vai ganhando pontos, de acordo com a quantidade e material para reciclagem, e depois, pelo WhatsApp mesmo. A pessoa troca seus pontos por algum item que a gente disponibiliza: faqueiro, jogo de pratos, brinquedos… A gente mantém o contato com os moradores e eles nos ajudam. 

Qual a mensagem que você deixa para os leitores do nosso jornal sobre a questão da reciclagem?

A mensagem que eu deixo para todos os leitores do jornal é: reciclem. Tudo que você puder. Reciclar é cada vez mais uma necessidade. Não tem pra onde a gente ir. A gente tá vendo aí essas questões do clima, temos pesquisas mostrando que os próximos anos a situação ficará ainda pior, nós já temos verdadeiras ilhas de lixo nos oceanos, mas esse lixo volta. Volta e ataca a nossa costa, a nossa fauna, nossa flora. O que é que vai sobrar pra gente se a gente não cuidar do nosso mundo? Por isso que eu repito essa frase e digo isso pra todo mundo sempre: reciclem. Reciclar é cuidar do futuro.

Foto: JAV/PE
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