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domingo, 22 de dezembro de 2024

Mulheres enfrentam condições desumanas em penitenciárias

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O Brasil possui uma população carcerária feminina de 40 mil pessoas (terceira maior do mundo). Para as mulheres encarceradas, as violências cotidianas são ainda mais chocantes e vão desde a falta de absorventes até o desamparo familiar, passando pela escassez de água e alimentação adequada, fazendo da vida dessas mulheres um verdadeiro tormento.

Daniel M. e Lucas Marcelino | São Paulo (SP)


MULHER – As condições das pessoas encarceradas no Brasil demonstram o profundo desprezo que o Estado tem por esta parcela da população. Para as mulheres encarceradas, as violências cotidianas são ainda mais chocantes e vão desde a falta de absorventes até o desamparo familiar, passando pela escassez de água e alimentação adequada, fazendo da vida dessas mulheres um verdadeiro tormento.

O Brasil possui uma população carcerária feminina de 40 mil pessoas (terceira maior do mundo). Fica atrás apenas dos Estados Unidos e da China, segundo levantamento da World Female Imprisonment List, de 2022. Cerca de 45% dessas detentas estão presas preventivamente, quer dizer, ainda aguardam a sentença da Justiça de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional.

Este número demonstra o real objetivo do sistema prisional num Estado burguês: o encarceramento em massa das parcelas mais empobrecidas da classe trabalhadora, em especial da população preta.

Para obter um retrato mais próximo das prisões femininas, A Verdade foi até a Penitenciária Feminina Sant’Ana, ao lado do antigo Carandiru, na Capital paulista, e entrevistou familiares de detentas que aguardavam na fila de visitas. Os relatos ilustram diversas violações de direitos básicos e confirmam o cenário degradante dentro dessas cadeias.

Detenções injustas

A filha de uma das detentas contou que a mãe foi presa em casa, junto com o pai, dois irmãos e colegas dos irmãos. A residência da família abrigava um carro roubado, porém, segundo a jovem, a mãe não tinha envolvimento com o crime. Os homens foram condenados em 2018, enquanto a mulher pôde responder em liberdade até o começo deste ano, quando a juíza do caso ordenou a prisão.

Este enredo demonstra algo comum entre muitas mulheres que cumprem pena no país: a detenção por motivos de relacionamentos.

Não é raro que parceiros, filhos, irmãos cometam crimes, como tráfico de drogas, roubos de carro, entre outros, e mães e esposas sejam consideradas cúmplices por viverem sob o mesmo teto. Portanto, não se pode analisar as motivações que levam à prisão de mulheres ignorando a condição de dependência econômica imposta a elas pelo machismo na sociedade capitalista.

Quando se trata de tráfico de drogas, o contexto se agrava. Este crime, inclusive, corresponde a 39% das penas de mulheres no Brasil. Muitas dessas mulheres são colocadas na linha de frente do tráfico, servindo de aviãozinho ou guardando drogas para sustentar a família ou o vício.

“A liderança é masculina, mas essa liderança normalmente tem uma companheira que acaba tomando conta quando este homem está preso ou quando ele é promovido. Então, as mulheres assumem essas funções dentro de uma estrutura mais patriarcal e acabam sendo mais encarceradas”, explica Ana Elisa Bechara, professora e vice-diretora da Faculdade de Direito (FD) da USP, ao Jornal da USP.

No relato de outra filha a caminho de visitar a mãe, mais uma prisão em que não houve relação direta com o crime.

O tio da jovem não percebeu que o motor do portão emperrou, deixando-o aberto ao sair para trabalhar. Os cachorros da família fugiram e acabaram tirando a vida de uma idosa. A mãe, presa há sete meses, aguarda julgamento por júri popular, porém a expectativa é que demore pelo menos dois anos até que isso aconteça.

Segundo a entrevistada, a estrutura familiar, que era sustentada pela figura materna, desmoronou. Ela e a irmã, menores de idade quando o incidente ocorreu, tiveram de ficar sob os cuidados do irmão mais velho. Este teve de trancar a faculdade para cuidar delas.

Outros parentes tiveram que se mobilizar para lidar com os custos financeiros e a mudança de casa devido hostilidade da vizinhança incentivada pelos “programas policiais” na TV.

Em um país em que 50,8% dos lares têm liderança feminina – segundo dados do Dieese de 2023 –, este é um exemplo de como o encarceramento de uma mãe abala toda a família.

Condições sub-humanas

O site da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) ressalta a beleza do prédio projetado pelo famoso arquiteto Ramos de Azevedo, ao mesmo tempo em que exalta seus 1.450 metros de muralha para impedir o contato das detentas com o mundo exterior. Mas isso não impede que a verdade venha à tona.

Todos os entrevistados reclamaram das péssimas condições de alimentação. “Que fique registrado, a comida é horrível. Eu já comi uma refeição com fezes de rato aí dentro. A comida melhor que tem é essa aqui que a gente tá levando. Feita com amor e carinho”, pontua um marido em visita. E continua: “É muita demora na fila e tratam a gente feito animais. Arregaçam nossa comida. Mesmo um bife, onde não tem como esconder nada dentro, eles cortam tudo”. Muitos entrevistados falam da falta de regras claras para entrar com alimentos na penitenciária.

Segundo perícia do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), no Estado de São Paulo são destinados apenas R$ 8 para as três refeições do dia – dado divulgado em outubro passado, em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

A precarização também afeta intensamente as condições de limpeza, acesso a materiais de higiene e a cuidados médicos. “A minha mãe tem depressão, tem ansiedade. Ela tava fazendo o tratamento aqui fora, porque ela tem depressão há muito tempo. Mas lá dentro ela não tem assistência nenhuma”, lamenta uma visitante. Ela se indigna com a forma distorcida com que a vida nas penitenciárias é divulgada pelos grandes meios de comunicação: “Tudo o que a gente vai questionar, eles falam que a Casa tem, a Casa ajuda, a Casa dá. É aquela coisa bonita que passa na TV, que o preso tem tudo, que é uma vida de regalias. Mas isso é tudo mentira”.

Se o Estado não garante alimentação digna e acesso a medicamentos, o que poderíamos esperar do atendimento às condições específicas das mulheres, como a higiene pessoal?

O companheiro de uma delas denunciou a burocracia para se conseguir um absorvente – de baixíssima qualidade –, que precisa ser solicitado à assistência social e, muitas vezes, só chega depois do ciclo menstrual. Outra denúncia foi sobre o acesso à água, que só chega após ao meio-dia e faz com que as mulheres precisem pagar – com maços de cigarros – por tambores para armazenar água de um dia para o outro. Essa realidade também foi destacada pela perícia da MNPCT, que ainda se deparou com a falta de realização de exames de pré-natal para detentas gestantes.

Grande parte das prisioneiras não recebe visitas. Esse abandono é uma das principais diferenças de gênero na população carcerária. Contraste sentido por uma das entrevistadas: “Eu senti essa diferença quando a gente visitava meu pai e o meu irmão. Você vê pela porta, é super cheio, é muita gente. E aqui não, isso aqui pra mim é vazio. E tem muita mulher lá dentro”.

Empresas e governo exploram detentas

A desumanização levada a cabo pelo sistema prisional evidencia as principais contradições geradas por uma sociedade em que o lucro está sempre acima da vida. Se não se preocupa em garantir necessidades básicas da população em geral, por que o Estado daria atenção para as pessoas privadas de liberdade?

E as mulheres trabalhadoras, que acumulam o sustento da maioria das famílias no Brasil e o trabalho de cuidado doméstico e materno – sem remuneração –, quando colocadas atrás das grades, veem-se em uma situação de extremo desamparo.

Para agravar a situação, em abril de 2023, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) regulamentaram decreto que incentiva a construção e administração de presídios por empresas privadas.

Na prática, como todo processo de privatização, trata-se de transferir dinheiro público para a conta de grandes empresários, que não vão se importar com as condições de vida de presidiárias e presidiários. E mais, terão todo interesse em ampliar as prisões e o número de pessoas encarceradas no Brasil.

Entretanto, como ensina a História, por maiores que sejam as injustiças, nada detém a mobilização popular organizada. Não vai ser diferente na luta para transformar a situação calamitosa dos presídios femininos apresentada pelos dados e relatos.

Os movimentos sociais devem ir às portas das penitenciárias conversar com as famílias e apresentar o socialismo como a saída para que ninguém mais precise cometer um crime para se alimentar, para não morrer de fome.

A luta pela vida das mulheres deve transcender as barras das celas e os muros dos presídios e formar alianças mais firmes que as algemas, na construção de uma sociedade em que ser livre seja a regra e a detenção seja imposta para aqueles que roubam o direito do povo de viver com dignidade.

Matéria publicada na edição nº 291 do Jornal A Verdade

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