A realidade de violência no campo nos mostra que, sem políticas agrárias efetivas, a vida dos trabalhadores rurais estará sempre nas mãos dos grandes fazendeiros, dos latifundiários e de seus carrascos, que escravizam crianças, tomam os corpos das mulheres do campo como propriedade e exploram diariamente, com práticas semelhantes às usadas na escravidão, os que vivem da enxada enfrentando a injustiça como regra.
Wildally Souza – São Paulo
Sem ordem judicial e de forma truculenta, a Patrulha Rural da Polícia Militar do Mato Grosso prendeu, na segunda-feira (27), pelo menos 12 trabalhadores sem-terra, uma defensora pública e três agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre eles o Padre Luís Cláudio, da Prelazia de São Félix do Araguaia. De acordo com a CPT, a PM foi chamada por fazendeiros e latifundiários para despejar as famílias do acampamento União Recanto Cinco Estrelas, que ocupavam o entorno da fazenda – uma propriedade improdutiva há mais de 20 anos –, com o propósito de denunciar a concentração de terras nas mãos de latifundiários milionários no Brasil, a fome, a miséria, o desemprego, a ineficiência e falta de vontade dos poderes, tomado pela presença da bancada ruralista no Congresso, em implantar uma verdadeira reforma agrária no país.
As mais de 74 famílias de trabalhadores sem-terra que ocupavam a área que é propriedade da União, ou seja, do Estado Brasileiro e não do grileiro, dono da Fazenda Nossa Senhora da Abadia, como está circulando na mídia burguesa. Em denúncia, os trabalhadores afirmam que a PM invadiu o acampamento com brutalidade, agredindo e espancando homens, mulheres e crianças que estavam no local. Um homem de 47 anos que mora no entorno da fazenda denunciou que sua casa foi invadida e que os policiais quebraram seu braço enquanto o algemavam. A PM ainda impediu os trabalhadores de tirar seus pertences – carros, motos, barracas, celulares e outros objetos – de dentro da fazenda, sob a mira de armas.
Em nota, a Comissão Pastoral da Terra destacou:
“… a empresa de segurança ‘Tática Serviços’ e seus pseudos seguranças, na verdade, jagunços da Fazenda, que por ironia diz na placa ‘Nossa Senhora da Abadia’ (aquela que traz a Luz ao Mundo), a mando do grileiro Clayton, atentaram de forma coordenada contra a vida dessas famílias sem-terra empobrecidas, jogando um trator esteira contra dezenas de pessoas indefesas, que mesmo assim colocaram seus próprios corpos para defender seus familiares e fizeram a esteira recuar com incrível coragem. Demonstrando dessa forma, a velha e comum face violenta de vários fazendeiros do estado”.
Logo após o acontecimento, numa tentativa desonesta de justificar a violência e evidenciando o caráter criminoso de seus agentes, a PM-MT emitiu uma nota que dizia que “tentativas de invasão à propriedade rural serão tratadas com tolerância zero”. Ainda, o delegado Geraldo Gezoni Filho, ao ser contestado sobre a truculência contra os trabalhadores, declarou que “no estado do Mato Grosso, não se tolera invasões”.
Terra do povo e não de grileiro
A fazenda Nossa Senhora da Abadia ou Cinco Estrela possui cerca de 4,3 mil hectares, foi atribuída à União em 2020 pela justiça, em primeira instância, por não ter atividade econômica na área, ou seja, tida como terra improdutiva. Desse total de terras, dois mil hectares foram destinados à reforma agrária para as famílias sem-terra. Contudo, o grileiro mencionado na nota da CPT reivindica a antecipação de tutela de terras para o seu nome e entrou com mandado de segurança que, de acordo com a CPT e diante de apuração do Jornal A Verdade, encontra-se expirado desde 2021.
Mesmo com a alegação de posse de terras pelos grileiros e seus jagunços, as famílias que ocupam legitimamente o local entendem que as terras, por serem do povo, e já destinadas à reforma agrária, devem ser imediatamente assentadas.
O contexto de violência no campo nos mostra que, sem políticas agrárias efetivas, a vida dos trabalhadores rurais estará sempre nas mãos dos grandes fazendeiros, dos latifundiários e de seus carrascos, que escravizam crianças, tomam os corpos das mulheres do campo como propriedade e exploram diariamente com moldes semelhantes ao da época da escravidão os que vivem da enxada e da estrovenga no nosso país.