No dia 21 de maio, foi aprovado, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), um Projeto de Lei que prevê a implantação de escolas cívico-militares. Os estudantes que lutavam contra esse projeto fascista na “casa do povo” encontraram policiais militares que os reprimiram com spray de pimenta, cassetetes e prenderam, no total, oito deles. Eu sou uma dessas pessoas que foram presas. Neste relato, trago aquilo que vivi e senti nesse processo de repressão por parte da PM do governador Tarcísio de Freitas.
Sofia Biagioni | São Paulo (SP)
Durante a mobilização, eu e uma companheira saímos de perto dos outros estudantes para ir buscar marmitas. Enquanto estávamos esperando, ouvimos uma grande confusão vindo do plenário da Alesp. Ao nos aproximarmos, vi que tinham jogado spray de pimenta nos demais estudantes. No meio disso, fui abordada por um policial que pediu para eu o acompanhar.
Esse policial me levou para um canto dentro do plenário onde não havia câmeras e começou a me acusar de ter jogado spray de pimenta nos estudantes. Um completo absurdo! Afinal, parte desses estudantes eram meus camaradas de organização. Em nenhum momento foi apresentada uma prova que corroborasse essa narrativa, que, inclusive, foi rapidamente abandonada por outra: a que me colocava junto com os outros sete estudantes “invadindo” o plenário.
A realidade é que a Polícia Militar, sob a orientação do governador Tarcísio de Freitas, tinha como objetivo reprimir o movimento estudantil e, ao me verem com a camiseta da UJR, não hesitaram em me prender.
Meu primeiro pensamento foi de me manter firme. A luta que eu estava fazendo na Alesp era justa. Eu não tinha cometido nenhum crime e, acima de tudo, sabia que a formação no fogo da luta popular que a UJR me deu garantiria a minha firmeza o tempo inteiro. Sabia também que a minha primeira tarefa naquela situação era avisar aos meus companheiros. Afinal, a pressão popular, a mobilização, em frente à delegacia e ao fórum, são as melhores ferramentas para barrar esse tipo de repressão fascista.
Na delegacia, os companheiros não tardaram a chegar e começaram a denunciar o absurdo que estava acontecendo. A camaradagem e a disposição dos meus companheiros foram fundamentais para me dar forças. Durante o interrogatório, a delegada não apresentou as acusações que os policiais fizeram sobre mim. O verdadeiro interesse ali era arrancar informações úteis a quem persegue os movimentos sociais. Perguntas como: “O que é a UJR?” ou “Há quanto tempo tínhamos mobilizado?”. O motivo é evidente: utilizar tudo o que conseguissem para perseguir aqueles que lutam contra o fascismo. Além disso, todas essas perguntas já vinham com uma afirmação, como, por exemplo: “Vocês já tinham planejado fazer essa invasão e agressão aos policiais”. O que estava sendo feito era um interrogatório nos mesmos moldes da ditadura militar. A tática era me pressionar para fazer com que eu abandonasse a disciplina revolucionária e abrisse todas as informações da minha organização.
Na cela, comecei a sentir na pele aquilo que várias outras vítimas do sistema capitalista, da polícia racista, do Estado burguês, sentem. A prisão tenta constantemente quebrar a sua moral. Te coloca como subumano desde o primeiro momento. Fui colocada em uma cela escura, com chão, paredes e teto de concreto todas pichadas. Em alguns casos, as pichações eram feitas das próprias fezes daqueles que escreviam o seu nome, um pedido a Deus e, principalmente, frases de desespero. O cobertor que estava na minha cela fedia. E a minha era a única cela que tinha um. A “privada” era um buraco sujo no chão, e a luz do corredor nunca desligava, fazendo com que a noção de tempo fosse completamente perdida entre a noite, a madrugada e a manhã daqueles dias. Além disso, no Fórum Criminal da Barra Funda, a revista para acessar o local é completamente constrangedora. Um momento em que o detido fica completamente pelado e deve agachar três vezes para garantir que ele não está levando nada para dentro da cadeia. Ela serve, mais uma vez, para humilhar. Ela é feita no meio do salão que dá acesso às celas. Ou seja, dezenas ou até centenas de pessoas podem te ver em um dos momentos mais frágeis da sua vida.
A inexistência de qualquer coisa para fazer, além de ouvir os próprios pensamentos ansiosos e amedrontados faz parte da disputa de consciência para que o preso passe a se ver como menos do que um ser humano, sem direito ao mínimo de dignidade e respeito. Para o capitalismo, aqueles que o sistema julga como prejudiciais para a reprodução do capital, devem ser punidos até que seja extirpada da consciência deles qualquer resquício de dignidade.
Camaradas, não devemos subestimar o fascismo. Em um período de menos de seis meses, apenas em São Paulo, tivemos seis prisões de militantes da Unidade Popular, de forma claramente política. Isso é uma prova de que a burguesia vê em nós um inimigo, uma ameaça, e irá fazer de tudo para nos reprimir. Não podemos enxergar a minha prisão como a última. Todos aqueles que lutam contra esse sistema de miséria poderão estar sujeitos a isso. Neste sentido, devemos nos fortalecer ideologicamente, nos formar melhor como militantes e, principalmente, devemos estar preparados para acampar na frente de DP, de Fórum e de CDP quantas vezes forem necessárias. Também devemos nos guiar pelo exemplo dos nossos heróis, como Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra, Manoel Aleixo, Amaro Luiz e Amaro Félix, militantes do Partido Comunista Revolucionário que se mantiveram firmes frente às torturas brutais na ditadura militar e que foram assassinados.
Olhando para a minha militância, sei que seria muito mais difícil manter a firmeza que eu mantive se eu não tivesse participado das atividades propostas pelo meu coletivo. Elas me convencem, cada dia mais, da necessidade da Revolução, da disciplina revolucionária e da moral comunista. Ainda mais fundamental foi quando os companheiros foram até a minha cela, ainda no 27° DP, e me disseram que o Partido, o Partido de Manoel Lisboa de Moura, estava ao meu lado e estava se mobilizando para estar acampando onde for necessário até a minha soltura. Daquele momento em diante, a única coisa que eu conseguia sentir era um imenso orgulho de construir a Revolução, uma imensa honra por dar continuidade à luta que companheiros heroicos iniciaram e, acima de tudo, sentir a força inquebrável do povo me mantendo de pé.
Publicado na edição nº 294 do Jornal A Verdade