Amplas mobilizações e greves gerais da classe trabalhadora e da juventude, realizadas nos últimos anos, enfraquecerem governo do presidente da França Emmanuel Macron, representante dos banqueiros, e impuseram dura derrota à direita e à extrema direita nas eleições parlamentares de julho. Bloco de esquerda Nova Frente Popular (NFP) elege maioria dos deputados, mas o antidemocrático Macron se nega a dar posse a um primeiro-ministro que não seja indicado pela burguesia. Assim como na França, população da Inglaterra rejeitou a continuidade do governo de direita. Em vários países do mundo, a classe trabalhadora cresce sua organização e vai à luta.
Luiz Falcão | Membro do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário (PCR)
A tristeza da mídia burguesa com a derrota da extrema direita na França
Com grande entusiasmo, os meios de comunicação da burguesia anunciaram uma possível vitória da extrema direita nas eleições da França. A premonição, diziam, era baseada nas empresas de pesquisas. No arrebatamento em que se encontravam, mal informaram que em outro país imperialista, o Reino Unido, tão ou mais poderoso do que a França, houve eleição para o parlamento e os conservadores, partido da ilustre senhora das privatizações, Margaret Thatcher (1925-2013) – o diabo a tem, com certeza – levaram a maior surra eleitoral dos últimos 100 anos.
A alegria dos ricos é sempre falsa e ilusória e a mídia burguesa teve que se render a verdade e publicar novas manchetes em seus jornais:
Valor econômico: “Em reviravolta, esquerda barra extrema direita na França.”
Folha de São Paulo: “Esquerda e Macron barram direita radical na França.”
Estado de São Paulo: “Esquerda surpreende e derrota extrema direita na França, com apoio do centro.”
“Apontado como favorito, grupo de Le Pen será a 3º força no Congresso, temor ao avanço da ultradireita dá lugar ao medo da esquerda radical.”
Algumas observações.
O chamado “centro”, Emmanuel Macron e sua aliança direitista Juntos foram derrotados, mas não para os donos da Folha de S. Paulo e do Estado de São Paulo, vejamos os números: a Nova Frente Popular (NFP) elegeu 190 parlamentares; a aliança direitista de Macron, 160 deputados e a ultradireita de Le Pen, 143.
O “Grupo de Le Pen” era o favorito? De quem? Ah, temor da ultradireita e medo da esquerda radical. Ora, a manchete não diz que a esquerda venceu com o “apoio do centro”? Estão com medo do “centro”? Por que não assumem logo que defendem a ultradireita, o fascismo?
Antes da derrota não anunciada, TVs, rádios e programas no YouTube convocaram doutores e filósofos para explicar o que mudaria na França e no mundo com a vitória da extrema direita e como esses “resultados” vão impactar as eleições de 2026 no Brasil. Não, a Mãe Dináh não foi ouvida, pois, infelizmente, ela faleceu em 3 de maio de 2014. Aliás, após os disparos no comício do magnata Donald Trump na Pensilvânia, EUA, a mídia burguesa repete esse mesmo modo de operação. Chega, porém, de notícias com o viés ideológico do jornalismo burguês!
Por que a extrema direita foi derrotada
Para os analistas burgueses, as eleições são o único lugar onde deve acontecer as disputas políticas entre os partidos. Advertem, no entanto, que devem ser realizadas sem radicalismo, pois o “povo” (leia, nesse caso, a classe dominante) prefere sempre a moderação. Logo, as alianças ou acordos eleitorais definem uma eleição. Ainda segundo o pensamento burguês, o dinheiro interfere muito pouco no resultado eleitoral, embora mais de 2/3 dos deputados e senadores são ricos ou financiados pela classe rica.
Para os comunistas, “A história de toda a sociedade até hoje (com ou sem eleição) é a história de lutas de classes. … opressores e oprimidos estiveram em constante antagonismo e travaram uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, outras aberta …” A luta de classes é, assim, o motor da história¹.
Nas eleições da França houve um importante enfrentamento político que terminou com a derrota dos lacaios mais subservientes aos monopólios capitalistas e aos banqueiros: o bloco Reunião Nacional (RN) de Marine Le Pen e a coligação Juntos de Emmanuel Macron. Contudo, o resultado dessa eleição só pode ser compreendido se levarmos em conta os combates travados nas ruas entre a classe trabalhadora e a burguesia.
Com efeito, para garantir mais lucros para a classe capitalista, pagar juros da dívida pública aos bancos privados e não cobrar impostos dos bilionários, o Governo Macron, com apoio da extrema direita, realizou a reforma da previdência e aumentou a idade para o trabalhador se aposentar. De acordo com o ministro do Trabalho da França, Olivier Dussorpt, o aumento da idade faria o Estado economizar 18 bilhões de euros. Não disse, porém, que esse dinheiro custaria mais anos de trabalho aos pobres e aumentaria a riqueza dos banqueiros.
A classe operária francesa foi à luta. Dezenas de greves gerais e manifestações foram organizadas contra a reforma e milhões de trabalhadores ocuparam às ruas exigindo aumento de salários e a suspensão da reforma.
Em 2023, a greve geral dos operários da limpeza urbana deixou seis milhões de toneladas de lixo acumulada nas principais avenidas de Paris. Nem Macron nem Le Pen saíram de suas mansões para limpar o lixo nos arredores da Torre Eiffel. Durante a greve, o jornal francês Libéracion entrevistou o gari Karin que, ao contrário dos cientistas políticos e institutos de pesquisa, previu o que ocorreria um ano depois: “Faz tempo que Macron não escuta as ruas, mas se aceitarmos a derrota, não vamos conseguir nada.” (AFP,14/03/2023)
Além dos garis, trabalhadores dos serviços públicos, das empresas aéreas, das usinas nucleares, térmicas e hidrelétricas e das empresas privadas aderiram as greves que sacudiram a França entre 19 de fevereiro a 8 de junho de 2023. No dia 31 de janeiro de 2023, 2,8 milhões de trabalhadores ocuparam Paris. No dia 7 de fevereiro, mais 1,3 milhão e no dia 1 de fevereiro, 2,5 milhões. A polícia reprimiu com violência as manifestações, milhares de trabalhadores foram presos, mas o movimento grevista parou a França e a reforma não foi aprovada, mas imposta por decreto pelo Governo.
No Reino Unido, em fevereiro de 2023, 500 mil trabalhadores da Saúde, convocados pelo sindicato dos enfermeiros, o Royal College of Nursing (RCN), e com o apoio dos médicos, paramédicos, dentistas e motoristas de ambulâncias, fizeram a maior greve dos últimos 100 anos por aumento dos salários e contra um governo que pretendia privatizar a saúde. Também na Inglaterra, ferroviários, trabalhadores da educação e dos correios cruzaram os braços.
Em 2024, os ferroviários da Rede Expressa Regional da França voltaram a organizar uma greve geral, exigindo o pagamento do trabalho extra que vão realizar durante os jogos olímpicos de Paris.
Portanto, as derrotas da extrema direita na França e no Reino Unido provam, mais uma vez, que as greves e as manifestações de ruas exercem uma influência muito maior nas eleições do que a tão venerada internet. Há que se destacar ainda, a importância da militância nas ruas convencendo os eleitores a votarem contra a extrema direita, como reconheceu um dos líderes da vitoriosa Nova Frente Popular Jean-Luc Mélénchon: “O porta a porta alcançou um resultado que parecia impossível.”
“Marchemos, marchemos”
A bem da verdade, em todo o mundo, vivenciamos um importante avanço das lutas de classes. Além da França e do Reino Unido, Alemanha, Bélgica, Grécia e Itália registraram crescimento do número de greves, como afirmou Marcel Fratzscher, do instituto econômico DIW, da Alemanha, “Temos hoje, com certeza, mais greves do que há dez anos”.
Nos Estados Unidos, em setembro de 2023, operários de 37 fábricas das três maiores montadoras do país promoveram greve geral por quase dois meses reivindicando 40% de aumento e fim das demissões. Em novembro, milhares de trabalhadores da Amazon realizaram greve pelo fim das jornadas abusivas e pelo direito de ter sindicato. Este ano, estudantes universitários ocuparam dezenas de universidades contra o genocídio do povo palestino pelo governo fascista de Israel.
No Brasil, após nove anos, trabalhadores e trabalhadoras das universidades e institutos federais realizaram uma greve geral que durou 113 dias e arrancou do Governo Federal, 51% de reajuste nos auxílios de alimentação, creche e saúde; reposição de 14,5% a 34,5% das perdas salariais em 2025 e 2026 e recomposição parcial do orçamento das instituições de ensino.
Que democracia é essa?
No entanto, os dois partidos que perderam a eleição, a direita de Macron e a Extrema Direita de Le Pen, querem escolher quem deve assumir o governo na França. Emmanuel Macron, por exemplo, de maneira autoritária e em total desrespeito às urnas, manteve o atual primeiro ministro no cargo, alegando a proximidade dos Jogos Olímpicos. Pela lei, o presidente da República deveria escolher o primeiro ministro do bloco que obteve a maioria dos votos. Mas, na democracia do banqueiro Macron, quem ganha eleição não leva. No dia 10 de julho, o presidente derrotado escreveu uma carta afirmando que nenhum partido venceu a eleição e defendeu uma “ampla coalização” para garantir os interesses do capital financeiro.
Já a mídia da burguesia, triste e frustrada com a vitória da NFP, apregoa que o programa aprovado pelos franceses nas urnas tornará a França ingovernável. Vejamos, então, as propostas da Frente que apavoram a burguesia de lá e de cá: aumento do salário mínimo, congelamento dos preços dos alimentos e bens de primeira necessidade, diminuição da idade de aposentadoria para 60 anos, melhoria dos salários dos professores, respeito aos imigrantes, taxação dos superlucros, suspensão das privatizações e retirada imediata de Israel das terras palestinas.
Foi por coisas como essas que o grande guia do proletariado internacional, V. I. Lênin, falecido em 21 de janeiro de 1924, escreveu: “A ação das massas – uma grande greve, por exemplo – é sempre mais importante que a ação parlamentar, e não só durante a revolução ou numa situação revolucionária.” (V.I. Lênin. Esquerdismo, doença infantil do comunismo)
Moral da história: a classe operária é insubmissa ao poder do capital: ontem, hoje e sempre! Portanto: “Formai vossos batalhões! Marchemos, marchemos!” (A Marselhesa)
¹ Manifesto do Partido Comunista. Karl Marx e Friedrich Engels. Edições Manoel Lisboa
Matéria publicada na edição nº 295 do Jornal A Verdade