Há exatos 52 anos, na região do Rio Araguaia, localizado hoje na fronteira entre Pará – Tocantins, iniciou-se a Guerrilha do Araguaia. Com o avanço das lutas populares contra a extrema-direita dentro dos movimento populares, é preciso ressaltar que quase seis décadas atrás foi proibido falar sobre a exploração e a miséria que o povo sofre.
Josue Nascimento | Parnamirim (RN)
HISTÓRIA – Com o avanço das lutas populares contra a extrema-direita no movimento estudantil, nos sindicatos e no período eleitoral, com candidaturas que pautam os direitos do povo e o socialismo, é preciso ressaltar que 60 anos atrás foi proibido falar sobre reajuste salarial, melhores condições de trabalho, melhores estruturas escolares e universitárias, etc.
Trazendo esse panorama, a luta por memória é extremamente importante, pois o que vemos hoje das impunidades para os ricos desse país e a penalidade para os trabalhadores é o retrato da não justiça de transição, que deveria julgar os crimes feitos durante o período da ditadura no nosso país. O que vemos a Polícia Militar fazer nas favelas e comunidades, é o mesmo que faziam contra quem lutava por melhores condições de vida para o povo. Um desses episódios de luta contra a repressão aconteceu numa região desse país que ainda vive a precarização do Estado brasileiro até hoje, sendo emblemática pela Guerrilha do Araguaia contra a ditadura.
Sobre a Guerrilha do Araguaia
Há exatos 52 anos, na região do Rio Araguaia, localizado hoje na fronteira entre Pará – Tocantins, iniciou-se a Guerrilha do Araguaia. Com o acirramento da luta de classes e a repressão da ditadura, aniquilando qualquer tipo de intervenção institucional, greve e guerrilhas urbanas, houve a discussão sobre a possibilidade da luta armada no campo contra a ditadura. Dada as condições materiais analisadas pelo antigo PCdoB, acreditava-se que era possível adotar a tática de guerra popular prolongada, uma tática usada pela Revolução Chinesa de 1949 e a Revolução Cubana de 1959. Com recrutamento de 69 pessoas, dividida em 3 destacamentos (A, B e C), os primeiros combatentes chegaram à região ainda em 1966, para analisar a área proposta pelo partido e preparar as condições para receber os guerrilheiros, que aos poucos iam chegando. Assim, a contagem do início da guerrilha foi de fato em 12 de abril de 1972 com o primeiro confronto. Cerca de 35 militares atacaram o destacamento A. Dois dias depois, o destacamento C.
À época, o governo Médici juntamente ao Ministro da Fazenda Delfim Netto, acentuava suas políticas neoliberais fantasiadas de avanço econômico, como o projeto de interiorização do país com a construção da Transamazônica. Mas essas políticas somente enchiam os bolsos da burguesia e do capital estrangeiro, em especial os Estados Unidos.
Para a grande burguesia, aquela região Norte/Centro Oeste do país era basicamente um grande pote de ouro esperando ser roubado. Assim houve um avanço na mineração e na consequente exploração dos camponeses que ali nasceram, viveram e que, após o golpe de 64, foram torturados e mortos pela ditadura fascista. Com a preparação da Guerrilha, era orientado os guerrilheiros prestarem serviços à população para se aproximar, fazer trabalho voluntário para ter apoio para luta e recrutar os trabalhadores para a luta armada. No livro escrito por um dos guerrilheiros sobreviventes, Glênio Sá, potiguar assassinado num suposto acidente de carro após a redemocratização em 1990, “Araguaia, relato de um guerrilheiro” está debruçada como era a convivência e os treinamentos militares.
“O trabalho para levantar a nova casa era empolgante. Tínhamos que preparar forquilhas, cumieira, caibros e cortar as melhores folhas de babaçu. Com elas, preparávamos a cobertura da casa que não dava vazamento, mesmo nos invernos mais rigorosos. O nosso treinamento militar se intensificava cada vez mais, mas feito às escondidas dos moradores da região. Nas nossas aulas teóricas aprendíamos tudo sobre guerra regular e irregular, a relação entre os dois tipos de guerrilhas, algumas experiências internacionais e nacionais, as contradições da tática antiguerrilha, a moral dos combatentes.”
A propagação da luta armada
Uma das táticas usadas pelos guerrilheiros para sistematizar a propaganda contra a ditadura era fazer panfletagens nos pequenos centros. Essa panfletagem consistia em falar sobre as barbaridades que os ricos cometiam. No panfleto continha as razões pela qual existia a pobreza, miséria e sofrimento, enquanto existiam pessoas podres de ricas, além de citar a iniciação da luta armada. A ULPD (União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo), criada pela Comissão Militar da guerrilha, colocava em 27 pontos sobre os quais eram os objetivos da luta armada contra a ditadura naquele local.
Em contrapartida, o local de atuação da guerrilha dificultava a comunicação com a direção do partido em outras regiões. Por diversas vezes o contato foi cortado pela repressão do exército e/ou dificuldades geográficas, beneficiando a ofensiva contra a guerrilha. Durante o período de trégua existente entre a segunda e terceira campanha do exército para acabar com a luta, o contato dos guerrilheiros com os trabalhadores foi exitoso, fazendo com que esse período fosse o de maior número de recrutamentos.
“A massa fornecia comida e mesmo redes, calçados, roupas etc. E informação. Contávamos com o apoio de mais de 90% da população. A fraca presença do inimigo na área e a nossa política correta no trabalho de massa proporcionaram esses exitos.” Relato de Ângelo Arroyo, dirigente da Guerrilha do Araguaia e um dos poucos sobreviventes; assassinado em 1976 no Massacre da Lapa.
Nesse curto período, foram estabelecidos 13 núcleos da ULDP com os moradores, ampliando contato até mesmo fora da região da guerrilha. Existiam livros de literatura, rádio e pequenas assembleias. Esse trabalho de base facilitou com que os trabalhadores aderissem à guerrilha como combatentes. “Em dezembro de 1972, entrou um; em abril de 1973, um; de junho em diante entraram mais cinco no A; dois no B; e dois no C. Uma boa parte da massa realizou tarefas ligadas à atividade guerrilheira.“ Relatório Sobre a Luta no Araguaia; Ângelo Arroyo.
Descoberta da guerrilha
Na guerrilha, uma das discrepâncias materiais entre os guerrilheiros e o exército era o armamento. Os guerrilheiros do destacamento B tinham no total um mosquetão; 5 rifles quarenta e quatro; 6 espingardas vinte; 1 vinte dois canos; 1 dezesseis; 2 carabinas vinte e dois; 1 metralhadora de bala trinta e oito; 17 revólveres Taurus trinta e oito; 1 bereta e 1 submetralhadora Royal. Fora os facões, facas e materiais de sobrevivência. Mesmo assim, moralmente, os guerrilheiros eram muito maiores que a ditadura que até então estava há quase 10 anos no poder.
A descoberta da guerrilha foi iniciada com grande repressão do exército na região, feito por 3 campanhas de cerco e aniquilamento. A primeira ocorre no dia 12 de abril, a segunda campanha em setembro de 1972, e a terceira, que serviu para limpeza do local e caça aos últimos guerrilheiros, aconteceu em meados de 1973 até começo de 1974, quando a guerrilha basicamente já havia sido dizimada, e os poucos sobreviventes estavam encarcerados sofrendo torturas.
A primeira campanha foi iniciada com base na delação de um dos desertores da Guerrilha preso no Ceará. Um dos primeiros destacamentos a ser atacado pelo exército foi o A, que continha 22 guerrilheiros. Para tentar avisar aos destacamentos B e C, foi encarregado um militante de cada destacamento para centralizar as informações, mas dada a falta de comunicação, acabou sendo visto por “bate-paus” (pessoas compradas pelo exército que prestavam serviços se passando por moradores comuns) e preso pelos agentes da ditadura. A primeira ofensiva do Exército deixou explícita que ainda não tinha terminado a preparação dos três destacamentos para a luta.
A segunda campanha iniciou-se em setembro de 1972. A ditadura, já sabendo e temendo o crescimento da guerrilha, empregou cerca de 8 mil a 10 mil tropas. Materialmente, havia pouca tropa especializada do exército, porém fizeram algumas armadilhas, utilizaram helicópteros e aviões. Soltaram bombas na mata, próximo de um acampamento do Destacamento B, recrutaram bate-paus locais e pagavam 25 cruzeiros por dia aos moradores que quisessem servir de guias nas matas. Até então, a guerrilha havia perdido 18 combatentes.
A terceira campanha foi introduzida no dia 7 de outubro de 1973. As tropas do exército já haviam milimetrado quais seriam os pontos de ataque. Transamazônica, São Domingos, Metade, Brejo-Grande, São Geraldo, Palestina e Santa Cruz. Nesse período, houve intensificação da repressão entre a população, registros de agressão física, psicológica, assassinatos e expulsão de pequenos agricultores. A comissão militar havia chegado à constatação que o exército não estava em grande ofensiva, mas, ao contrário, nos combates e ataques, a guerrilha sofreu na terceira campanha a perda de 8 combatentes. No final das contas haviam sobrado na guerrilha somente 20, dentre esses, muitos presos e outros exilados.
A luta por Memória, Verdade, Justiça e Reparação
O atual governo federal, colocou na ordem do dia da campanha presidencial, que os familiares dos mortos e desaparecidos políticos seriam ouvidos, e facilitaria a abertura da Comissão da Verdade. Criada em 2011 pela luta dos familiares assassinados pela ditadura de 1964, promulgada pela então Presidente Dilma Rousseff para se debruçar e aprofundar cada vez mais uma Justiça de Transição no país, que pouco condenou e julgou os algozes da ditadura fascista. Porém, poucos avanços tivemos em relação. Por exemplo, em 31 de março de 2024, nos preâmbulos do aniversário do golpe, a decisão do gabinete presidencial ao Ministério dos Direitos Humanos foi de afirmação que golpe era coisa do passado e que não precisava ficar remoendo. Para completar, no dia do falecimento de um dos signatários do AI-5, Delfim Netto, a nota presidencial foi de “grande pesar” e afirmando que somente teria divergências no campo das ideias.
A luta para quem perdeu seus familiares é muito cara, não só os de ontem, mas os de hoje. O Brasil até hoje não cumpriu o papel de condenar os algozes da ditadura, e, ao contrário, isso reflete nos milhares de jovens hoje sendo presos, torturados e humilhados nos cárceres a fora. Hoje, existem quase 900 mil pessoas encarceradas, 200 mil presas previamente e sem julgamento. A cada 4 pessoas presas, 1 não teve julgamento.
Para isso, precisamos cerrar as fileiras sobre a pauta da memória daqueles que lutaram por uma sociedade mais justa, pois os que mataram hoje Giovanne Gabriel, são os que assassinaram Helenira “Preta” Resende, Manoel Lisboa, Alexandre Vanucchi Leme, Emmanuel Bezerra e diversos outros. Cerrar as fileiras exigindo que o governo federal reative a Comissão da Verdade é um dos caminhos. É nosso papel em cada espaço que ocupamos lembrar dos que deram a vida para que houvesse um mínimo de democracia.
Referências:
Guerrilha do Araguaia (A esquerda em armas) – Romualdo Pessoa Campos Filho
Araguaia (Relato de um guerrilheiro) – Glênio Sá
Relatório sobre a Guerrilha do Araguaia – Ângelo Arroyo