Realizadas de 1921 a 1937, as Espartaquíadas foram eventos de massas promovidos pela Internacional Vermelha dos Esportes, uma organização do movimento comunista. Criadas como uma alternativa popular ao evento do COI, elas deixaram um legado de internacionalismo proletário e estímulo às práticas esportivas entre os trabalhadores
Guilherme Arruda | São Paulo (SP)
As Olimpíadas são mesmo neutras, apolíticas e contra a violência, como dizem seus organizadores? As expulsões de moradores das favelas do Rio de Janeiro na preparação para os Jogos Olímpicos de 2016 e a recusa do Comitê Olímpico Internacional (COI) em punir Israel por matar mais de 400 atletas da Palestina, na edição de 2024, sugerem que não.
Para protestar contra as hipocrisias do COI e da burguesia internacional, que não garantem uma competição justa para todos os povos, os trabalhadores já chegaram a promover seus próprios jogos olímpicos: eram as Espartaquíadas, que aconteceram de 1921 a 1937 com a participação de milhares de atletas.
Essas olimpíadas eram organizadas pela Internacional Vermelha dos Esportes, ou Sportintern, uma organização que reunia federações nacionais de associações esportivas operárias de todo o mundo. A Sportintern foi criada no 3º Congresso da Internacional Comunista (1921), por sugestão do dirigente bolchevique Nikolai Podvoisky, para promover a cultura dos esportes e da saúde entre os trabalhadores e a amizade entre os povos.
Esporte e solidariedade operária
Depois da Revolução de Outubro de 1917, 13 potências invadiram a Rússia para tentar impedir a criação do primeiro Estado dos trabalhadores na história. Porém, depois que os bolcheviques triunfaram sobre os capitalistas e latifundiários, os imperialistas mudaram de tática: passaram a boicotar a recém-criada União Soviética e impedir sua participação em todo tipo de evento internacional – não apenas os diplomáticos, como também os de esportes e cultura.
Além dos atletas soviéticos, os governos burgueses vencedores da Primeira Guerra Mundial resolveram impedir os esportistas das nações derrotadas de competir nos Jogos Olímpicos de 1920. Rejeitando essas exclusões, em 1921, o movimento operário respondeu com a organização das primeiras Espartaquíadas em Praga, na Tchecoslováquia. O nome do evento homenageou Espártaco, gladiador que liderou uma revolta contra a escravidão na Roma Antiga.
Dezenas de federações esportivas de trabalhadores enviaram delegações para a Espartaquíada, incluindo as sediadas na Rússia Soviética e nos países dos “dois lados” da Primeira Guerra. Em vez de atletas profissionais, participaram dessa competição operários e camponeses comuns que amavam e se dedicavam aos esportes.
Em contraste com o ambiente de rivalidade entre nações estimulado pela burguesia para criar o clima para mais guerras imperialistas, as Espartaquíadas celebravam a solidariedade internacionalista proletária e a emulação socialista para alcançar resultados esportivos cada vez mais impressionantes. Em vez das bandeiras e hinos nacionais, levantava-se a bandeira vermelha e cantava-se “A Internacional” na abertura de cada modalidade.
A partir de 1923, a URSS passou a organizar Espartaquíadas nacionais para envolver os trabalhadores na cultura dos esportes e da ginástica que era parte da construção do “novo homem socialista”. Novas Espartaquíadas internacionais ainda ocorreriam em Moscou, em 1928, e em Berlim, em 1931. Edições voltadas para o esporte de inverno também foram organizadas na cidade de Oslo, capital da Noruega, em 1928 e 1936.
As nações coloniais e semicoloniais marcaram presença nesses eventos. Entre as 14 nacionalidades que enviaram delegações à Espartaquíada de 1928, haviam países da África, como a Argélia (então uma colônia da França), e da América Latina, como o Uruguai. Em todo o mundo, as federações afiliadas à Sportintern chegaram a contar com 2 milhões de membros, segundo o historiador André Gounot, que estudou a história dos eventos esportivos operários.
As Espartaquíadas contra o fascismo
Em 1936, o Comitê Olímpico Internacional tomou a vergonhosa decisão de realizar as Olimpíadas daquele ano em Berlim, na Alemanha nazista. Para protestar contra a conciliação do COI com o fascismo, a Internacional Vermelha dos Esportes decidiu promover uma nova Espartaquíada, dessa vez nos mesmos dias que as Olimpíadas “oficiais” da burguesia.
Sob o nome de Olimpíadas Populares, esses jogos teriam sede em Barcelona, na Espanha. Governada pela Frente Popular, que reunia o Partido Comunista e o Partido Socialista daquele país, a República Espanhola era uma aliada da União Soviética na luta antifascista.
Porém, no dia 17 de julho de 1936, o general Francisco Franco promoveu uma tentativa de golpe militar que deu início à Guerra Civil Espanhola. O conflito armado, que opôs o campo republicano apoiado pela URSS e o campo fascista apoiado pela Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini, inviabilizou a realização das Olimpíadas Populares em 1936.
O revés não parou o movimento operário dos esportes. No ano seguinte, uma nova olimpíada popular – que acabaria sendo a última – foi realizada em Antuérpia, na Bélgica. Essa edição contou com uma novidade: como parte da luta pela unidade operária contra o fascismo, expressa na vitoriosa política da Frente Popular, a Olimpíada dos Trabalhadores de 1937 contou com a participação não apenas de membros das federações esportivas comunistas, mas também daquelas ligadas aos partidos social-democratas.
Exemplos vivos da convicção anti-imperialista do movimento operário, atletas da Palestina, na época uma colônia britânica, também competiram na edição de 1937. O historiador André Gounot conta que esta edição das olimpíadas operárias teve 27 mil participantes e se concluiu com uma marcha de 200 mil esportistas e operários de 15 países pela cidade-sede do evento.
O Legado das olimpíadas operárias
Após a Segunda Guerra Mundial, não houve novas Espartaquíadas. Uma edição marcada para 1943 na cidade de Helsinque, na Finlândia, já havia sido cancelada pelo conflito.
Com as revoluções das décadas de 1940 e 1950, o campo socialista também cresceu a ponto de não poder mais ser boicotado pelo Comitê Olímpico Internacional. Os Estados operários mostraram sua força ganhando centenas de medalhas nas Olimpíadas seguintes.
Apesar de sua curta existência, as Espartaquíadas deixaram dois importantes legados históricos para os trabalhadores. O primeiro deles foi o de valorização e prática de esportes pelos operários e camponeses – que segue sendo imprescindível para os comunistas revolucionários para a garantia de seu bem-estar e preparo físico.
Além disso, as Espartaquíadas também desnudaram o caráter político dos eventos desportivos ao promoverem o boicote das Olimpíadas de 1936, sediadas pelo nazismo. Na atual edição, em que vemos o Estado de Israel competir livremente enquanto comete um genocídio contra o povo palestino, essa denúncia dos comunistas da época mostra sua enorme atualidade.