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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

“É muita humilhação no transporte coletivo”

O jornal A Verdade dá seguimento à rodada de entrevistas com as candidatas e candidatos da Unidade Popular (UP) às prefeituras de importantes capitais brasileiras. Nesta edição, conversamos com Indira Xavier (39 anos), candidata em Belo Horizonte (MG); Ludmila Outtes (36 anos), candidata em Recife (PE); Santiago Belizário (31 anos), de Teresina (PI); e Reinaldo Pantaleão (73 anos), em Goiânia (GO).

Rafael Freire | Redação


Jornal A Verdade (JAV): O Brasil paga, de juros e amortizações da dívida pública, quase R$ 2 trilhões anualmente. Isso representa 43% de todo o Orçamento nacional. Enquanto isso, o Governo Federal investe o percentual de apenas 3% em Educação e 3,7% em Saúde. O que a UP pensa sobre isso?

Ludmila Outtes – É um verdadeiro crime praticado contra a população, sequestrar quase metade do orçamento público federal para enriquecer os banqueiros e empresários, que já são muito ricos. Enquanto isso, deixa a população sem os direitos essenciais, como saúde e educação. Como enfermeira da rede pública, eu vivencio como a população sofre por conta do sucateamento da saúde pública, a tentativa constante de privatização do nosso Sistema Único de Saúde. E tudo isso faz parte de um grande: sucateia o que é público para depois justificar o discurso de privatização.

Os tubarões dos planos de saúde lucram diversas formas: privatização, terceirização, entrega das unidades de saúde para as chamadas “organizações sociais” e ainda lucram como credores da famigerada dívida pública, com parte do orçamento sendo destinada a eles.

A Unidade Popular tem feito a denúncia contra todas essas arbitrariedades, inclusive para que se inverta essa lógica do que é feito com o dinheiro público para que, de fato, o recurso seja investido em saúde, educação, moradia, demais áreas sociais e garantia de emprego e renda para todos.

Indira Xavier – A Unidade Popular é uma das poucas organizações do país que defende a suspensão imediata do pagamento dos juros da dívida pública, seguida de uma auditoria. Como disse Ludmila, essa dívida impede que o nosso dinheiro seja investido, de fato, nas áreas sociais. Foi feito um pacto de que deveria ser investido, no mínimo, 10% do orçamento em educação e, anos depois, continuamos com 3%.

Então, a UP defende, nestas eleições municipais, que as prefeituras suspendam também o pagamento das suas dívidas públicas, procedam a suas auditorias e que este recurso seja revertido para o povo.

Na educação, o que vemos é a ampliação das parcerias público-privadas, que fazem com que empresas privadas administrem esta área essencial. Aqui em Belo Horizonte, por exemplo, quase metade das vagas da educação infantil está nas mãos das empresas privadas, que nem laudo de funcionamento tem para as escolas. Ou seja, colocam em risco a vida das nossas crianças.

Santiago Belizário – Como a companheira Indira falou, é preciso tirar o orçamento das mãos dos super ricos, que são também, os mesmos que mandam e desmandam nas nossas cidades há décadas. Aqui em Teresina, por exemplo, mais da metade das escolas da rede municipal não possuem quadra esportiva; 47% sem acessibilidade e apenas 23% possuem laboratório de informático e 28%, biblioteca. E o mais grave: ainda temos escolas na rede sem água potável e energia elétrica! Inadmissível!

Em Teresina a situação da população mais vulnerável é essa: 8% das pessoas são analfabetas e a população em situação de rua aumentou mais de 300% após a pandemia. Nesse período, não se construiu uma única unidade de habitação popular nem casa-abrigo, não se ampliou o restaurante popular. São mais de 35 mil famílias que não têm moradia, vivendo de favor ou de aluguel, enquanto, só no Centro, existem mais de dois mil imóveis abandonados.

Reinaldo Pantaleão – Esse aspecto nacional da dívida pública vai se refletir nos municípios. É por isso que não existe respeito ao piso salarial dos professores, que falta a devida infraestrutura nas escolas, etc. Aqui em Goiânia, prometeram a construção de 20 Cmeis [Centros Municipais de Educação Infantil] e, até hoje, isso não saiu do papel. E aqui chegou-se ao absurdo de fecharem creches e de entregarem as crianças para instituições ligadas à Igreja, que recebem até R$ 180 mil por mês e não cumprem a legislação.

Para piorar, a Prefeitura de Goiânia deixou de receber, no ano passado, mais de R$ 23 milhões por não apresentar os projetos necessários ao Governo Federal. Foi por falta de técnicos capazes para elaborar os projetos? Não. O problema não é de gestão, é de decisão política.

JAV: O transporte coletivo é um dos maiores problemas vividos pelo povo brasileiro atualmente. Ao mesmo tempo, os empresários do setor e as gestões municipais movimentam milhões de reais, cobrando passagens caríssimas dos passageiros. O que pode ser feito sobre isso?

Indira – As nossas cidades hoje vivem um verdadeiro caos na mobilidade urbana. Belo Horizonte tem o segundo pior trânsito do país. E o que vimos, nos últimos anos, foram sucessivas gestões comprometidas apenas em manter os interesses e privilégios da máfia dos transportes, que domina a cidade. Esta máfia impediu que houvesse a expansão do metrô público da empresa federal CBTU. Metrô que, uma vez sucateado e colocado para ser privatizado, mesmo diante de uma luta ferrenha da categoria metroviária contra essa privatização, foi vendido a preço de banana justamente para essa máfia do transporte coletivo.

O BNDES estimou o patrimônio da CBTU em mais de R$ 750 milhões, mas a empresa foi leiloada praticamente pelo preço de um vagão, R$ 25 milhões. Hoje, existe uma promessa de expansão do metrô, mas isso só é possível porque Governo Federal, o Governo Estadual e a Prefeitura estão injetando recursos públicos, recursos do povo.

Então, o que a Unidade Popular defende é que tenhamos um transporte público, gratuito e de qualidade. Nesse momento da luta eleitoral, a UP está trabalhando com um abaixo-assinado para alterar a lei e criar uma empresa municipal de transporte coletivo.

Nos últimos três anos, a Prefeitura investiu mais de R$ 500 milhões dos recursos públicos nas empresas privadas. A passagem em BH custa R$ 5,25 e o serviço é de péssima qualidade, uma frota com mais de dez anos, ônibus que quebram todos os dias. Então, nós pagamos duas vezes: através dos subsídios públicos e pela tarifa na catraca.

Santiago – Em Teresina, o transporte não tem nada de público. É tudo privatizado, através de concessões que duram anos, apesar dos problemas que enfrentamos. Aqui, nós que usamos ônibus diariamente, sabemos que vamos esperar uma hora na parada, paradas, que inclusive não nos protegem do sol e da chuva. Ainda corremos o risco de o veículo quebrar no percurso.

Pagamos uma passagem cara e nem sabemos se vamos poder usar. Quem necessita do transporte à noite, fica sem o serviço. Simplesmente não há ônibus. Muitos trabalhadores gastam, em média, mais de 12% do seu salário para se deslocar ao trabalho porque não têm outra opção.

Ludmila – Como os companheiros colocaram, esse tema do transpor é muito importante para os trabalhadores. A gente perde boa parte do nosso dia dentro do transporte coletivo. São horas no aperto, na humilhação. Em Recife, não é diferente. Inclusive, porque o metrô, da CBTU, só possui três linhas para toda a Região Metropolitana, e não é chega a boa parte das pessoas que precisam. É mais uma unidade desta empresa pública federal que está na mira das privatizações, como aconteceu em Belo Horizonte. Inclusive, o metrô parou de funcionar aos domingos, por tempo indeterminado, para fazer manutenção.

Pantaleão – Não existe, em lugar nenhum do mundo, transporte sem dinheiro público. A questão é que o dinheiro público deveria estar a serviço da população, e não do lucro dos empresários. Em Goiânia, por exemplo, existe uma empresa chamada de HP, que opera também na África do Sul com ônibus modernos, mas que aqui os passageiros são transformados em sardinha dentro de uma lata. Nossa cidade, apesar de ter sido planejada, agora está descaracterizada, com um trânsito caótico. Há 20 anos, fala-se na ampliação das linhas do BRT, mas a licitação nunca sai devido a irregularidades no processo por parte das empresas. Então está na hora de efetivamente transformar o transporte coletivo em transporte público, com empresas estatais à frente para garantir a gratuidade e a qualidade dos serviços.

Candidatos da UP: “Só uma transformação profunda pode resolver os problemas do povo”

JAV: Santiago, recentemente, até a Fundação Municipal de Saúde teve a energia do prédio cortada por falta de pagamento. Qual a situação da saúde para a população teresinense? 

Isso. Chegaram também até a retirar equipamentos alugados de dentro de hospitais por falta de pagamento. Houve ainda atrasos nos pagamentos dos trabalhadores da área. Sem falar na superlotação das unidades, pois só hoje só funciona um hospital municipal de urgência e emergência. As filas são gigantescas nas Unidades de Pronto Atendimento. Algumas pessoas chegam a esperar quase um ano por uma consulta com um médico especialista. E, recentemente, tivemos casos de pessoas que morreram esperando por uma cirurgia.

Esses dias, tive que levar minha mãe a um hospital, mas ele tinha sido fechado pelo Conselho Regional de Medicina porque não tinha condições de funcionamento. Após a reabertura, minha mãe passou mal novamente e, quando chegamos lá, ela tomou um soro, mas não tinha esparadrapo no hospital. Então a falta de insumos e de infraestrutura é grave e atinge toda a rede.

Enquanto isso, a Prefeitura está sendo acusada de má gestão dos recursos, pois retirou milhões da saúde e da educação para outros setores.

JAV: Pantaleão, você é um militante experiente, com décadas dedicadas à luta pelo socialismo no Brasil. É muito comum, neste período eleitoral, os candidatos dos partidos burgueses falarem em experiência de gestão pública. O que você poderia nos dizer sobre isso?

É exatamente aí onde mora o perigo. Os candidatos da burguesia, que fazem a defesa do sistema capitalista, normalmente usam suas experiências em empresas ou governos para defender os interesses das elites. Eles se apresentam, mais uma vez, como os guardiões da gestão pública. Mas que gestão? Estamos falando do Estado burguês, que serve para manter a exploração da classe trabalhadora.

Como acabei de dizer, Goiânia foi uma cidade planejada, mas está descaracterizada pela mão do capital, das empreiteiras, das imobiliárias. As áreas verdes, arborizadas, foram massacradas e substituídas pela selva de pedra dos enormes prédios, cada vez com mais andares. Falar numa cidade ecologicamente correta desse jeito é conversa pra boi dormir, é enganação.

A UP propõe a implantação dos conselhos populares para termos uma relação direta com a população, por uma cidade feita pelo povo para o povo. Assim, será nossa gestão, olhando primeiro para os bairros pobres, que sofrem sem nenhuma infraestrutura. Chega de uma cidade feita só para os ricos. A classe trabalhadora é quem deve governar.

E a UP não é um partido só de eleição, é bom que se diga. Estamos prestes a completar cinco anos que conquistamos o registro eleitoral, mas nosso partido já nasceu lutando, recolhendo mais de um milhão de assinaturas para se legalizar por completo. E nossa militância está nas lutas todos os dias, chamando as massas exploradas para se organizarem com muita consciência de classe. Só uma transformação profunda pode resolver os problemas do povo, construindo o poder popular e o socialismo.

JAV: Indira, a mineração desenfreada em Minas Gerais já é um problema histórico. Qual a situação hoje na Região Metropolitana de Belo Horizonte e como as famílias mais pobres são afetadas em relação ao direito à moradia digna, que inclui o direito a um lar, com acesso à água, ao transporte coletivo, etc.?

Todo o território mineiro é rico em minérios preciosos e que hoje são usados, principalmente, na indústria de componentes eletrônicos, fundamental para o capitalismo moderno. Só que o processo de extração deixa marcas profundas, assim como no passado. As marcas são as crateras, mas também a pobreza do povo.

No caso de Belo Horizonte, a mineração na Serra do Curral pode acabar com o abastecimento de água da capital. A mineração já afeta bastante os mananciais hídricos da Região Metropolitana de BH. Ressaltando que se trata de uma exploração ilegal por parte de empresas muito poderosas. Exemplo, essas empresas preferem pagar uma multa diária de R$ 50 mil do que parar com a mineração nesta área. Cada caminhão de minério retirado da Serra do Curral equivale a R$ 30 mil, e eles retiram cerca de dez por hora.

As famílias pobres, além de sofrerem com a falta de água, também são expulsas de seus territórios para dar lugar a mais mineração ilegal. Expulsas também pelo megaprojeto do Governo Estadual, com a conivência de várias prefeituras da Região Metropolitana, de construção do chamado “rodoanel”, que, na verdade, é o “rodominério”. Uma rodovia que vai cortar 11 cidades com a única finalidade de escoar as riquezas de Minas para os portos e, de lá, para outros países. Esta rodovia, inclusive, vai passar ao lado do Vale das Ocupações, onde o Movimento de Luta nos Bairros (MLB) desenvolve um trabalho há muitos anos. Lá, várias famílias serão obrigadas a se mudarem.

JAV: Na condição de presidente do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco, você circula por toda a rede pública, desde a atenção básica até as especialidades dos hospitais. O que você tem visto em relação à forma como os gestores públicos tratam os pacientes e os profissionais de saúde?

Existe muita maquiagem nas propagandas dos municípios. O quadro que se pinta é sempre de uma saúde de qualidade, que tem evoluído, etc. A Prefeitura de Recife, por exemplo, faz muita propaganda em relação à expansão da rede de atenção básica para atingir 100% da população. Mas não se coloca o que está por trás disso. Sentimos um grande aumento do assédio moral contra os trabalhadores, cobranças excessivas da gestão sem oferecer o mínimo de condições de trabalho. E, ao mesmo tempo que vemos novas unidades serem abertos, vemos a falta de material nas unidades já existentes, desde sabonete e papel toalha a medicamentos de controle de hipertensão e diabetes, materiais para curativo. Enfim, o básico para um posto de saúde.

Faltam também mais profissionais. Pacientes que levam até dois anos para conseguir uma consulta com um especialista. Isso acaba reforçando na população que a saúde pública é ruim e que a saída é pagar um plano de saúde. Mas isso é pagar três vezes, pois pagamos o SUS com nossos impostos; o Ministério da Saúde destina subsídios para a rede privada; e ainda paga novamente o plano de saúde. São planos caríssimos, mas que, na prática, nem atendem ao conjunto da população nem prestam um serviço de qualidade, pois as empresas privadas só operam com base no lucro e fazem de tudo para pagar pouco aos profissionais e para negar os mais variados procedimentos médicos aos usuários.

Matéria publicada na edição nº 298 da jornal A Verdade

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