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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Independência do Brasil: lutas e mitos

Revoltas como a Inconfidência Mineira, Conjuração Baiana e Revolução Pernambucana são exemplos de lutas contra a opressão econômica e política, revelando as contradições de classe.

Natanael Sarmento | Direção Nacional da UP


HISTÓRIA – As classes dominantes do Brasil, desde a origem, são atreladas aos impérios exploradores (Portugal, Inglaterra e depois EUA). O sentimento “nativista” de pertencimento e patriotismo dessa elite é a retórica ideológica de ocultação dos interesses econômicos desses exploradores da nação e alienadores do país. Por trinta moedas, entregam as riquezas naturais e minerais da nação e exploram a maioria do povo brasileiro. O passado entreguista colonial morto é um espectro que atormenta os vivos do presente. Essa histórica intercessão de interesses da burguesia nacional e estrangeira gera as contradições e define o caráter da revolução dos dias atuais, para expressar interesses da maioria do povo brasileiro: revolução popular, proletária, socialista, anticapitalista e anti-imperialista.

A base econômica da colonização portuguesa é a exploração de riquezas minerais, a degradação ambiental, a produção agrária em grandes propriedades territoriais com a força do trabalho escravo, comércio voltado para exportação, sob o sinete da Metrópole. Nos conflitos primários de indígenas e usurpadores de suas terras, negros escravizados e camponeses pobres contra grandes proprietários, colecionamos exemplos de lutas épicas: Confederação dos Tamoios, Quilombo dos Palmares e Canudos, porém, ao cabo, todos foram sufocados e trucidados pelas classes dominantes.

O espaço da “política” reduzia-se a conflitos de interesses dos abastados. Nem sempre resolvidos pacificamente. Senhores da Colônia e da Metrópole lusitana possuíam interesses comuns, mas também conflitantes. Os de lá, em importar com preço mais baixo e sobretaxar os impostos para custear a Corte Metropolitana. Os de cá, exportadores, buscavam preços mais elevados e menos impostos. O status de “Reino Unido de Portugal” não muda a essência da exploração e trocas desiguais do sistema colonial. Com a crise geral do sistema, eclodem diversas revoltas no Brasil, antes e depois da Independência de 07 de setembro de 1822. São exemplos: Inconfidência Mineira, Conjuração Baiana, Revolução Pernambucana, Sabinada, Cabanada, Revolução Praieira, Quebra-Quilos, Confederação do Equador… Do período anterior à Independência, em 1822, destacamos três “revoltas emancipacionistas”.

Inconfidência Mineira (1789)

A conspiração mineira expressou as contradições das classes abastadas do Brasil com as cobranças régias de Portugal. Conspiração planejada pelas elites ricas e cultas. A composição social dos revoltosos e os objetivos da luta definem esse caráter elitista.

A crise geral colonial reduzia a margem de lucro dos exploradores locais. Os encargos da tributação, impostos pelo Reino, prejudicavam produtores e comerciantes locais, limados nos impostos. Ventos revolucionários da Europa (França) e das ex-colônias inglesas na América moveram os extorquidos pelo sistema tributário colonial a seguir o exemplo. A independência dizia mais de interesse de não pagamento de imposto à Coroa que do subjetivo e mitificado “sentimento patriótico” dos inconfidentes mineiros: revolta pelo pagamento do imposto do quinto do ouro extraído nas suas minas à Casa Real.

Delatada por Silvério dos Reis, a rebelião foi abortada. Os conspiradores, presos e exilados. Na sentença dos implicados, sopesou mais a origem social do réu que as ações na trama separatista. Ricos são presos, mas todos escaparam da forca. Júlio Chiavenatto chama de “luta dos poetas e ricos” com razão:  Cláudio Manoel da Nóbrega, poeta, formado em Coimbra de família nobre, dono de minas; Alvarenga Peixoto, latifundiário e minerador; Tomás Antônio Gonzaga, formado em Coimbra e depois ouvidor de Vila Rica; padre Toledo e Melo, grande minerador e vigário da Paróquia de São João Del Rei. O desafortunado em todos os sentidos da conspirata foi o alferes – patente militar abaixo de oficial – Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. É enforcado em praça pública. Os pedaços do seu corpo, espalhados nas ruas de Vila Rica. Mitificado pela historiografia oficial, é o “Mártir da Independência”.

Conjuração Baiana (1798)

Movimento revolucionário pioneiro como projeto de mudança da sociedade colonial: abolição da escravidão e fim dos privilégios de classe e castas. Intelectuais como Cipriano Barata, Aguilar Pantoja e outros conheciam as ideias revolucionárias da França. Estabeleceram ligações com outros setores sociais, com grande adesão dos alfaiates ao projeto revolucionário.  Nas ruas, reafirmam o caráter popular no compromisso de abolição da escravidão. No programa divulgado, combatiam os abusos de Lisboa, defendiam a abertura dos portos e o livre comércio, combatiam o reacionarismo dos padres – “mistificadores contrários à liberdade popular”, e conclamavam: “Brancos, pardos, pretos, sem distinção, baseado na capacidade, [de todos os cativos que ficariam libertos, sem que houvesse escravo algum]”.

Crise de abastecimento, escassez de gêneros alimentícios, carestia, clima geral de insatisfação. A rebelião era publicamente propagada no intenso trabalho de agitação e propaganda, com distribuição de panfletos. Luís Gonzaga, Lucas Dantas, Manuel Faustino e João de Deus foram algumas das lideranças negras desta que foi a mais vertical das revoltas do período. Os quatro foram enforcados e esquartejados na Praça da Piedade, em Salvador.

As autoridades do Reino promoveram uma repressão seletiva, classista. Das centenas de presos, 34 condenados à morte, sendo que 23 deles eram pobres, mulatos e escravos libertos. Os abastados foram condenados à prisão e ao degredo e alguns tiveram penas comutadas, sem prisão.

Revolução Pernambucana (1817)

As teorias sobre liberdade, tolerância, república, limitação de poderes dos iluministas Rousseau, Voltaire e Montesquieu eram debatidos nas sociedades secretas de Pernambuco. Várias delas ligadas à Maçonaria. A Revolução Pernambucana de 1817 contou com expressiva participação de sacerdotes. 

As mesmas causas: crise econômica, queda de preço do açúcar, altos impostos. A Província Pernambuco respirava a produção e exportação do açúcar. Com a crise e a concorrência das Antilhas no mercado açucareiro, piorou o ruim. Nessas condições, sustentar os luxos da Corte de nobres parasitas do Regente D. João VI no Brasil causava mais indignação. El Rei e toda alta e média nobreza lusitana exilava-se no Brasil diante da invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão, em 1808. Nessa vergonhosa fuga, o rei e toda laia da nobreza parasita abandonaram à própria sorte o povo numa fuga desesperada, com tempo ainda para rapar o dinheiro, joias e bens de valor da Fazenda Real.

Senhores de engenho do açúcar, ricos comerciantes, padres formavam a base social da revolução. A massa empobrecida livre, negros escravizados e indígenas escorraçados não participam do “banquete da liberdade” da elite pernambucana. No plano teórico, acenam à abolição da escravidão, porém, conquistado o poder, os escravos permanecem sob o regime desumano da lei do tronco, das correntes, das senzalas.

A elite extorquida pelos tributos da Corte promove esse movimento de “emancipação política” de Portugal, implantando a primeira República no Brasil. Na autoimagem das elites, representam as forças da libertação e do progresso. 

Caetano Pinto Montenegro, o governador de Pernambuco, subestimou o movimento. Quando colocou a tropa militar em prontidão, a revolução já estava nas ruas. O levante começou no Quartel da Artilharia. O capitão José de Barros Lima e o tenente José Mariano Albuquerque Cavalcanti colocam a tropa na rua. Populares dos bairros de São José e Santo Antônio aderem à revolução. Presos, são soltos. Nova ordem, nova lei. O governador Caetano foge do Palácio do Campo das Princesas para o Forte do Brum. As tropas do Palácio se rendem. A notícia da queda do governo português se espalha rapidamente. Os comerciantes ricos fecham suas casas. Arrecadam bens de valor e fogem rumo à Bahia. O governador Caetano Pinto assinou no Forte do Brum o ultimato de rendição, em 09 de março, e embarca para o Rio de Janeiro, sede da Corte.

Os insurgentes elegeram a Assembleia e o Conselho de Estado, no modelo do Diretório da Revolução Francesa, com notáveis: padres e maçons.

Dos atos da governança dos 75 dias de “República” da Revolução Pernambucana, destacam-se: separação dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário); revogação de vários impostos; decretação da liberdade de imprensa e de culto.

A forte reação do Reino foi apoiada pelo Governo da Bahia. O governador Conde dos Arcos envia numerosa tropa terrestre para combater os insurgentes. El Rei contratou corsários reforçando a Armada naval saída do Rio de Janeiro, com mais de oito mil homens, que retomam a Província.

Isolados, os insurgentes são derrotados e presos. Os líderes são fuzilados ou enforcados, esquartejados: “Depois de mortos, serão cortadas as mãos, a cabeça e os restos dos cadáveres serão ligados à cauda de cavalo e levados até o cemitério”. As partes mutiladas espalhadas nas ruas, a pedagogia do Rei pela Graça de Deus.

A historiografia de 1817 considera o movimento emancipador e republicano, anticolonial. Na retaliação, Pernambuco tem território desmembrado e, assim, cria-se a Capitania de Alagoas.

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