Apesar de o Brasil ser uma das maiores economias do mundo, milhões de brasileiros ainda sofrem com a fome. Os lucros dos supermercados são enviados para o exterior, enquanto o Estado apoia essas empresas, promovendo a exploração dos trabalhadores.
João Coelho | Coordenação Nacional do MLB
LUTA POPULAR – Dados divulgados pelo IBGE, em abril de 2024, indicam a melhoria de alguns indicadores sociais do país nos últimos dois anos. No entanto, a fome, um dos maiores dramas que um ser humano pode viver, persiste entre os brasileiros: são 64,2 milhões de pessoas (27,6% da população) sem ter comida no prato todos os dias; e mais, 37% das crianças com até quatro anos no país estão nessa situação.
Para entender por que os trabalhadores vivem com fome em um país que está entre as dez maiores economias do mundo e é um dos maiores produtores de alimentos, é preciso identificar quem controla esses alimentos. Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), cerca de 90% da comida consumida no Brasil passa por dentro dos supermercados, um setor com faturamento bruto de mais de R$1 trilhão só em 2023.
Como se vê, o varejo alimentício é um setor gigantesco da economia, que concentra muita riqueza e poder. Como todos os demais setores econômicos importantes no capitalismo, ele é dominado por grandes monopólios: no Brasil, o grupo Carrefour, um monopólio francês, domina quase 30% desse mercado e está se expandindo, com faturamento de R$ 115,4 bilhões, em 2023.
Desde sua chegada ao Brasil, em 1975, o Grupo Carrefour tem aumentado seu controle sobre a venda de alimentos, comprando diversas pequenas e médias redes de mercados nacionais. Após a compra, em 2022, do Grupo Big, um de seus maiores concorrentes, o Carrefour passou a ter mais de mil lojas no país, presença em todos os estados e no Distrito Federal, além de redes de postos e drogarias, uma rede imobiliária e um banco próprio, sendo uma das 20 maiores empresas listadas na bolsa de valores do país.
Qual a consequência, para os trabalhadores brasileiros, de terem seus alimentos controlados por um grande monopólio multinacional? A primeira é que os preços dos alimentos são definidos por organismos financeiros internacionais, que existem para defender os interesses de lucro das empresas imperialistas. O resultado é que toneladas de alimentos se estragam nas prateleiras e são jogados fora, pois quem tem fome não tem dinheiro para comprá-los.
A segunda é que essas grandes empresas vendedoras de alimentos pagam valores baixíssimos aos fornecedores, promovendo a miséria e a fome no campo e a concentração de terras; na produção do suco de laranja, por exemplo, alimento que o Brasil é o maior produtor mundial, o supermercado fica com 50% do preço pago pelo cliente, enquanto o trabalhador que produz a laranja recebe menos de 5%. Assim, os pequenos produtores rurais vão à falência por receberem menos que o mínimo necessário para sobreviver e as grandes empresas do agronegócio vendem a preço baixo para os supermercados através da exploração do trabalhador.
A terceira consequência é que esses grandes monopólios, em função da grande riqueza que concentram, passam a influenciar a política do país, defendendo os interesses do grande capital internacional em detrimento do povo brasileiro. Exemplo foi a destruição das estruturas públicas de combate a fome: no início da década de 1990, o Brasil contava com uma série de órgãos e empresas públicas, como a Companhia de Financiamento da Produção (CFP), a Companhia Brasileira de Abastecimento (Cobal) e a Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem), que subsidiavam a produção da agricultura familiar e possuíam quase mil unidades de distribuição de alimentos, garantindo um maior controle dos preços e o acesso da população a itens básicos para a alimentação.
Após uma intensa pressão dos empresários do varejo alimentício, o então presidente da República e inimigo jurado do povo brasileiro, Fernando Collor de Mello, juntou esses três órgãos na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), demitiu metade dos funcionários, fechou os armazéns e mercados populares, cortou o orçamento destinado ao subsídio dos alimentos e abriu espaço para que os grandes supermercados assumissem o controle total sobre a comida no país.
Outro exemplo foi o intenso apoio das grandes redes de supermercados à aprovação da reforma trabalhista, que permitiu a contratação de trabalhadores com jornada intermitente e sem pagamento de horas-extras aos domingos e feriados. Para se ter ideia da participação do setor nesse crime contra os trabalhadores, cerca de 500 empresários de supermercados foram recebidos pelo presidente Michel Temer (MDB) logo após a aprovação da reforma, a quem o golpista saudou com as seguintes palavras: “Ao cumprimentar os supermercadistas, quero cumprimentar também a oportunidade que estamos dando, ao povo brasileiro, de frequentar, com tranquilidade, os supermercados aos domingos e feriados”. Mas quem, em sã consciência, pode entrar tranquilo em um supermercado, em qualquer dia da semana, sabendo que não terá dinheiro para comprar comida suficiente para alimentar sua família?
Para onde vai o dinheiro?
Apesar de o alimento ser produzido no Brasil pelos trabalhadores brasileiros, o lucro das grandes redes de supermercado não fica no país. O Grupo Carrefour teve um lucro de R$ 151 milhões no segundo trimestre de 2024, só no Brasil, lucro este que foi divido entre seus acionistas, dos quais o maior é a matriz do grupo na França, com 67% das ações. No entanto, por trás da matriz francesa, existem outros grandes grupos financeiros, a maioria sediados em paraísos fiscais nos EUA, Suíça e Holanda, para onde o lucro dessa e de outras grandes empresas é enviado sem nem mesmo pagar os devidos impostos. Ou seja, graças à ação de empresas como o Carrefour, que lucra com a fome em nosso país e envia a riqueza dos brasileiros para grandes bilionários no exterior, o Brasil continua a ser um país colonizado e seu povo segue na miséria.
Qualquer trabalhador honesto, ao ver um outro ser humano com fome, reparte sua comida para alimentar quem mais precisa. Porém, no capitalismo, o Estado ajuda os grandes ricos a controlarem os alimentos em benefício próprio. Prova disso é que, entre 2002 e 2019, o Carrefour, junto com o Grupo Pão de Açúcar, recebeu R$ 8,4 bilhões do BNDES para financiar sua expansão, sem nenhuma contrapartida social concreta.
O Estado nada faz contra esses monopólios que concentram a riqueza, sonegam milhões em impostos, descumprem direitos trabalhistas e não pagam indenizações (mesmo quando perdem os processos na justiça), promovem a fome em nosso país e, não bastasse, violentam nosso povo, como fizeram com João Alberto, homem negro de 40 anos, assassinado por dois seguranças que o espancaram e asfixiaram até a morte no estacionamento de uma loja do Carrefour em Porto Alegre no dia 19 de novembro de 2020.
O mesmo Estado, no entanto, não hesita em defender a propriedade privada dos ricos quando uma trabalhadora, desesperada pela fome, sem ter com que alimentar seus filhos, furta um alimento em uma rede de supermercados bilionária. De fato, 20% das mulheres que foram condenadas ou aguardam julgamento no Brasil foram acusadas de furto, a imensa maioria de itens de necessidade básica.
Por isso, a luta dos milhões de trabalhadores que passam fome e veem seus filhos sem poder se alimentar é justa. O Brasil só será um país independente quando expulsar de nosso país as grandes empresas imperialistas, que lucram com a miséria do povo e enviam a riqueza para o estrangeiro. Somente com a classe trabalhadora no poder será possível construir uma pátria sem fome!