De forma sigilosa, o atual diretor do IBGE, Márcio Pochmann, criou uma fundação para captar recursos privados e contratar trabalhadores sem realizar concurso público, que está sendo chamada de “IBGE Paralelo”. Servidores prometem mobilização contra medida privatista e precarizadora
Raul Bittencourt* | Rio de Janeiro (RJ)
No último dia 26 de setembro, foi realizado um ato público de servidores efetivos e temporários do IBGE na porta de sua sede, no Centro do Rio de Janeiro, convocado pelo sindicato Associação dos Servidores do IBGE. Centenas de trabalhadores protestavam contra medidas impostas pelo atual presidente do órgão, Marcio Pochmann, que determinou o retorno ao trabalho presencial e planeja mudar diversas áreas técnicas para um prédio no Horto, Zona Sul da cidade, a fim de reduzir custos de locação. Mas o mais grave, feito sob total sigilo, foi a criação da Fundação IBGE+.
O “IBGE Paralelo” de Pochmann, como está sendo chamado, permite a captação de financiamentos para pesquisas com recursos público e privado, a venda de serviços para grupos privados, a contratação de trabalhadores via CLT e a criação de novas despesas, inclusive pagamentos a conselheiros, sem passar pelo orçamento federal. A criação da fundação se enquadra na Lei Federal n.º 8.958, de 20 de dezembro de 1994, que regulamenta as relações entre as instituições de ciência e tecnológica e as fundações de apoio.
A iniciativa é tida como mais um passo em uma escalada autoritária do atual presidente, que, nos últimos meses, vinha se recusado a debater com os servidores e seu sindicato, só recuando e aceitando reunir-se com a entidade após a repercussão externa da criação da fundação. Portais de extrema-direita têm, inclusive, se aproveitado para disseminar críticas com viés reacionário, sendo repelidos pelos trabalhadores, que seguem coesos, combatendo ataques da gestão e derrotando as tentativas de manipulação dos movimentos fascistas.
Por trás da criação da fundação apelidada de IBGE Paralelo, estariam as constantes dificuldades orçamentárias, fruto da política econômica que prioriza os interesses de agentes do mercado, em vez dos serviços públicos. Assim, o Governo Lula busca garantir o superávit fiscal para remunerar o esquema da dívida pública, conforme determina o Arcabouço Fiscal, proposto pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, que deu continuidade ao Teto de Gastos do ex-presidente golpista Michel Temer.
Os seguidos contingenciamentos têm prejudicado o funcionamento do IBGE. Em 2020, a redução foi de 32% no orçamento do Censo Demográfico, o que forçou seu adiamento. Em 2021, o orçamento foi reduzido novamente, para R$ 53 milhões, inviabilizando a realização da pesquisa, tendo estes cortes constantes impactado duramente as atividades do instituto durante o Governo Bolsonaro. Já no Governo Lula, em abril de 2024, o corte foi de R$ 9 milhões, o que representa cerca de 25% do valor bloqueado do Ministério do Planejamento, ao qual o IBGE está subordinado.
Política econômica
A preocupação com os constantes cortes orçamentários tem levado direções de outras instituições federais a buscar mudanças em seus regimes jurídicos para reduzir os impactos dos constantes contingenciamentos orçamentários e do Arcabouço Fiscal, além de perdas salariais decorrentes do congelamento após o golpe de 2016 e a posse de Temer. O Inmetro propõe a converter-se em Agência Reguladora; a Fiocruz busca uma mudança de status; o Inpi debate formas de utilizar a sua arrecadação, entre outros.
Tais propostas são paliativos que não atacam o problema central, o liberalismo econômico, que, por décadas, guia o orçamento federal e impõe o arrocho nas contas públicas, levado ao extremo pelo governo do fascista Bolsonaro. A política de Bolsonaro e Paulo Guedes impôs penúria aos serviços e servidores públicos, a qual, apesar das promessas eleitorais, não foi revertida por Lula, que segue submisso aos desmandos do mercado. Sem romper com o arcabouço fiscal, restam poucas alternativas para o serviço público.
Por isso, a única saída para os servidores públicos federais são as manifestações, paralisações e greves, como já demonstraram os servidores da educação federal, que, além das conquistas salariais, pautaram a recomposição do orçamento das universidades e impuseram uma derrota à política fiscal do atual governo.
Matéria publicada na edição nº 300 do jornal A Verdade