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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

27 anos de “Sobrevivendo no Inferno”: Cultura popular contrariando as estatísticas

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Lançado há 27 anos, no dia 20 de dezembro de 1997, o álbum “Sobrevivendo no Inferno” dos Racionais MCs se tornou um marco por trazer um retrato ainda atual de um país marcado pela crise, pelo racismo e pela miséria

Gabriela Torres | Redação PR


Uma das produções musicais mais influentes da cultura brasileira, o álbum Sobrevivendo no Inferno (1997) completa hoje 27 anos de seu lançamento. Em um país marcado pelo aumento constante da violência policial e do racismo, o disco segue fortemente atual para entendermos a complexa realidade social brasileira.

O grupo de rap Racionais MC’s, que assina o álbum, surgiu em São Paulo no ano de 1988, composto por quatro jovens negros: Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue. Seu segundo disco de estúdio carrega as marcas da Zona Sul de São Paulo, onde parte dos membros do grupo nasceu e cresceu, um território duramente atingido pela desigualdade social e marginalizado.

Sobreviver ao holocausto urbano

Sobrevivendo no Inferno é uma resposta à política de extermínio, ou holocausto urbano, promovida pelo Estado brasileiro através de sua polícia que, durante os anos 90, conquistou o posto de mais violenta do mundo como herança da ditadura militar fascista. Essa cicatriz deixada nas periferias pelos generais golpistas continuou se traduzindo em prisões arbitrárias, repressão, sequestros e assassinatos nas favelas. Essa marginalização da população negra e periférica, especialmente no contexto de São Paulo, é uma das principais denúncias sociais do disco:

“60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais

Já sofreram violência policial

A cada 4 pessoas mortas pela polícia, 3 são negras

Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros

A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo

Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente…” (Introdução da faixa “Capítulo 4, Versículo 3”)

A denúncia do legado escravista e do caráter estrutural do racismo moderno passa por todas as faixas do disco, como em “Mágico de Oz”, música que relata o impacto da farsa da “guerra às drogas” nas periferias, ou “Fórmula Mágica da Paz”, que dimensiona de forma sensível e dura a subjetividade da juventude diante do genocídio.

O inferno carcerário

Detento na Penitenciária do Carandiru segura a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foto: Jamil Ismail
Detento na Penitenciária do Carandiru segura a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foto: Jamil Ismail

“Diário de um Detento”, faixa mais conhecida do disco, se consagrou como um hino nas favelas brasileiras, e escancara uma das expressões mais cruéis do racismo no sistema capitalista: a política de encarceramento em massa. A letra desenvolve uma narrativa ambientada na Casa de Detenção Carandiru, palco da maior tragédia televisionada no sistema prisional, onde mais de 111 mortos foram ceifados por uma operação da ROTA em 3 de outubro de 1992. Ainda hoje, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, e a poesia dos Racionais MC’s nos traz a dualidade de tortura e desumanização em massa da população negra:

“Cada detento uma mãe, uma crença

Cada crime uma sentença

Cada sentença um motivo, uma história de lágrima

Sangue, vidas inglórias, abandono, miséria, ódio

Sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo

Misture bem essa química

Pronto, eis um novo detento (…)” (Trecho da letra de “Diário de um Detento”)

Mensagem segue atual

O álbum apresenta, em todo seu projeto, uma identidade religiosa: tanto na estética visual, com a capa estampando uma cruz e o famoso versículo 3 do Salmo 23 (“Refrigera a minha alma e guia-me no caminho da justiça”); quanto nas músicas, com a construção das letras, o louvor, a pregação, o interlúdio de funeral, o testemunho. A oração inicial (“Jorge da Capadócia”), cantada sobre um sample do “Ike’s Rap II” (1971) de Isaac Hayes, simboliza o fechamento espiritual de um corpo que deve enfrentar uma guerra: a guerra não-declarada nas cidades brasileiras, dominadas pelos ricos que exterminam a grande maioria negras e impõem a pobreza para os sobreviventes.

Nas palavras do poeta e professor de História Criolo, Sobrevivendo no Inferno é um “relato não frio, histórico e real da mentalidade que massacra e exclui no Brasil”. Enquanto a realidade econômica e política que produziu os Racionais MC’s for presente, a obra desses quatro jovens negros terá atualidade e relevância para os maiores interessados em parar essa guerra e fazer uma revolução no país.

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