UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

A Cabanagem e os movimentos revolucionários na Amazônia

Leia também

Em aula pública realizada no início de janeiro, a Unidade Popular e o Movimento Correnteza apresentaram no Centro Histórico de Belém a história da Cabanagem, insurreição popular acontecida no Pará durante o século XIX

Kleverson Cordeiro e Belle Leite | Belém (PA)


No dia 07 de janeiro, a Unidade Popular (UP) realizou uma aula pública no Centro Histórico de Belém (PA), palco da insurreição popular conhecida como Cabanagem, uma revolução na Amazônia que se erguia em busca do poder popular. A atividade contou com a colaboração de Alan Dias, doutorando em História Social da Amazônia pela UFPA, e Kleverson Cordeiro, estudante de História e militante do Movimento Correnteza, que apresentaram os principais pontos e eventos em torno da Cabanagem, com início na Praça do Relógio.

Antecedente da Revolução

Após a adesão da independência do Brasil por parte da elite local, em agosto de 1822, os populares e militares de baixa patente se organizaram para reivindicar melhores condições de vida para a população local.

Em 17 de outubro, os ditos “revoltosos” retornavam aos quartéis e, para encerrar a revolta, o governo contou com o apoio de John Pascoe Grenfell, que agiu de forma truculenta. Cinco líderes das tropas foram presos e executados sem julgamento, incluindo o cônego Batista Campos. Ele foi levado ao largo do Palácio, onde foi ameaçado de execução com um canhão, acusado de ser o mentor da revolta. Contudo, foi salvo por uma petição pública da Junta de Governo e pelo bispo local, que alertou que tal execução poderia inspirar revoltas entre as “classes inferiores”.

A repressão ao levante não se encerrou com as cinco execuções. Mais de cem soldados foram presos, juntamente com cerca de 300 civis suspeitos de envolvimento. Em seguida, no dia 19 de outubro, 256 prisioneiros foram transferidos para os porões do Brigue Palhaço, um pequeno navio de guerra. Poucas horas depois, quase todos estavam mortos. Relatos indicam que os presos estavam agitados, e os soldados a mando dos superiores do Brigue teriam lançado cal no porão com a suposta intenção de conter a confusão. No dia seguinte, o porão do navio foi aberto, revelando apenas quatro sobreviventes, dos quais somente João Tapuia resistiu até o dia seguinte. Ao todo, 252 homens morreram por sufocamento e asfixia.

Revolução popular na Amazônia

A Cabanagem foi um dos movimentos de maior mobilização popular do período regencial, um marco da insatisfação das classes populares do Pará contra a exploração decorrente da colonização portuguesa no Norte do Brasil, iniciada no século 17. Essa relação colonial, com raízes profundas, ainda se manifesta na Amazônia nos dias atuais.

Durante a colonização, indígenas, negros, mestiços e brancos pobres foram excluídos, refletindo a lógica capitalista integrada ao modelo colonial. Esses grupos, relegados à marginalidade histórica, foram utilizados como mão de obra explorada. Ao resistirem à condição que lhes era imposta, tornaram-se protagonistas de sua própria história, criando diversas formas de resistência coletiva.

Em seu livro “Cabanagem: A Revolução Popular da Amazônia”, Pasquale Di Paolo escreve que o movimento cabano explodiu na madrugada de 7 de janeiro de 1835, quando um grupo liderado por Antônio Vinagre tomou o quartel da tropa de linha, localizado no Largo dos Quartéis (atualmente a Praça da Bandeira). No local, estavam estacionados um corpo de caçadores e outro de artilharia, e a maioria dos soldados ali presentes aderiu ao levante. O vice-cônsul britânico no Pará, John Hesketh, relatou ao ministro britânico no Rio de Janeiro, Henry Stephen Fox, que a revolta começou por volta das três da madrugada. Segundo ele, os soldados que ocupavam o quartel atacado por Antônio Vinagre dispararam contra seus próprios oficiais, enquanto os “descontentes do rio Acará”, recém-libertados da prisão, uniram-se ao movimento. Hesketh também descreveu o assassinato do presidente da província do Pará Bernardo Lobo de Souza, do governador militar Joaquim José da Silva Santiago e do capitão James Inglis da corveta Defensora, além da libertação de todos os presos e da violência generalizada que marcou a tomada da cidade.

Bernardo Lobo de Souza havia conseguido chegar ao Palácio do Governo, onde foi confrontado por um grupo de cabanos liderado por João Miguel Aranha. Enquanto subia as escadarias do edifício, foi morto com um tiro disparado pelo indígena Domingos Onça. Os corpos de Lobo Souza e de Joaquim José da Silva foram levados para o Ver-o-Peso, onde permaneceram expostos por horas, como alvo da fúria popular.

De acordo com o professor José Alves de Souza Junior, essa hostilidade dirigida aos cadáveres das autoridades refletia o profundo ressentimento acumulado pelas camadas populares paraenses, vítimas de séculos de opressão e exploração durante a colonização portuguesa. Mesmo após a independência, as condições de exploração persistiram, alimentando um ódio reprimido e internalizado pelas populações marginalizadas.

Durante os cinco anos de revolta, cerca de 35% da população do Estado do Grão Pará foi dizimada.

Conflitos internos

A ampla adesão do povo ao movimento cabano pode ser compreendida pelas profundas desigualdades sociais existentes na província do Pará. Para indígenas, tapuios, negros libertos e brancos pobres, a questão da terra desempenhou um papel central na decisão de participar. Esse grupo social, que formava um tipo de campesinato na Amazônia, foi sistematicamente privado da propriedade da terra, sendo forçado a trabalhar em condições extremamente difíceis nas terras de grandes proprietários ou a atuar como meeiros. Alguns líderes importantes da Cabanagem, como os irmãos Vinagre e Eduardo Angelim, eram meeiros nas terras de Félix Clemente Malcher, na região do Acará.

Os negros escravizados que se juntaram ao movimento viam na Cabanagem uma oportunidade de alcançar a liberdade que a independência não havia garantido. Já os mestiços e os brancos pobres, descontentes com o recrutamento militar forçado e as difíceis condições de sobrevivência, abandonaram os regimentos de milícias em grande número e reforçavam as fileiras cabanas. Além disso, as disputas políticas entre as elites locais contribuíram para a divisão no poder, levando parte dessa elite a apoiar o movimento.

No entanto, os interesses dessa parcela da elite eram distintos e muitas vezes opostos aos das camadas populares, explícitos em atitudes contrarrevolucionárias tomadas por Félix Malcher, o que explica os frequentes conflitos entre os dois grupos ao longo do movimento.

Organização de classe

A Cabanagem foi um importante movimento revolucionário, no qual seus dirigentes chegaram ao poder e governaram a província do Grão Pará entre 1835 e 1840. Entretanto, as divergências de interesses contribuíram para sua derrubada precoce.

Algumas das lideranças cabanas não foram capazes de defender os anseios do povo e se aliaram às elites locais que, inclusive, eram muito próximas a Portugal e temiam o rompimento desse vínculo com a recente independência do Brasil, em 1822.

Aprendemos com o líder da Grande Revolução de Outubro, Vladimir Lênin, que a revolução pode não vir de forma planificada, mas explodir a partir de movimentos espontâneos, como aconteceu durante a Cabanagem. Todavia, a existência de uma organização revolucionária capaz de dirigir e garantir que esses levantes se tornem um grande movimento classista organizado pelos trabalhadores e os povos é o elemento crucial para a construção e manutenção do poder popular.

Hoje, ao avaliar os acontecimentos daquele período e refletir sobre os erros e acertos dos cabanos, percebemos que uma organização popular, de caráter estritamente revolucionário, seria a única capaz não só de construir uma revolução vitoriosa e duradoura, como de colocar no centro do poder os mais pobres e explorados.

Sentimento revolucionário cabano

É nossa tarefa, enquanto militantes comunistas, que vivem cotidianamente as lutas do povo e, em especial, as lutas do povo da Amazônia, retomar o sentimento revolucionário cabano, o sentimento de indignação diante da opressão que nos é imposta e apontaram a única saída para mudar essa realidade: a construção de uma revolução socialista, que coloque os povos explorados no poder.

As políticas de conciliação implementadas pelos governantes naquele período – e ainda hoje – precisam ser rechaçadas e expostas como um mal que atrasa a vida do povo e dá migalhas aos pobres enquanto empanturra os ricos.

O povo na Amazônia está no centro da crise climática, causada pela ganância dos capitalistas que exploram os recursos naturais como se fossem infinitos.

Portanto, é urgente entender o quanto a crise do capitalismo se aprofunda e destrói nosso planeta. Nossa tarefa de construir a revolução é imediata e a única salvação para o mundo, a classe do proletariado e os povos. Recuperemos a herança dos bravos cabanos e alcemos a bandeira do socialismo para alcançar a nova sociedade na qual seremos verdadeiramente livres e felizes.

Matéria publicada na edição impressa nº 305 do jornal A Verdade

More articles

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos