Em 2024, a Região Metropolitana de Campinas teve um recorde no número de casos de feminicídios. Mesmo assim, a Justiça e a burguesia campineira pretendem despejar a Ocupação Maria Lúcia Petit Vive, que atende mulheres vítimas de violência de gênero.
Cristiane Mendes, Fernanda Nogueira e Paty Kawaguchi* | Campinas (SP)
MULHERES – Nos próximos dias, poderá ser executada uma ordem de despejo contra a Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive, localizada em Campinas (SP). Mantida pelo Movimento de Mulheres Olga Benario, a ocupação promove um importante trabalho de acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade e vítimas de violência na cidade, e seu despejo poderá deixar essas pessoas desassistidas.
Após realizar uma série de patrulhas em equipamentos públicos que atendem mulheres vítimas de violência, o Movimento de Mulheres Olga Benario constatou que eles se encontram sucateados, sobrecarregados e insuficientes para atender à demanda da população feminina da cidade. Da luta para mudar essa situação, surgiu a Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive!, organizada pelo movimento em abril de 2023, cujo trabalho de acolhimento jurídico e psicológico de mulheres já é considerado de extrema importância para a cidade e serve como apoio aos equipamentos existentes.
Ação do poder público é insuficiente
No último período, a violência contra a mulher tem crescido no município. O aumento nos casos de violência contra a mulher pode ser mensurado pelo número de medidas protetivas expedidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em Campinas, esse número aumentou 31% no primeiro semestre de 2024 em relação ao mesmo período do ano anterior. Em relação aos casos de estupros notificados, ao final do mês de novembro de 2024, os números já haviam superado os registros de 2023.
Dos 351 casos registrados até novembro de 2024, 72% envolvem estupro de vulnerável – quando o crime de abuso sexual acontece com crianças e adolescentes menores de 14 anos. Essa dura realidade de violência já tem reflexos em 2025. No primeiro mês do ano, dois casos de feminicídio já foram registrados, um em Campinas e outro em Hortolândia, apontando como está em risco a vida das mulheres da região.
Mesmo sendo um dos principais centros urbanos do país – de acordo com o IBGE, 596 mil mulheres vivem na cidade, chegando a 52,3% da população campineira –, Campinas conta com um número insuficiente de equipamentos preparados para fazer atendimentos públicos especializados às mulheres vítimas de violência. Hoje, existem o Serviço de Atenção e Resgate à Mulher (Sara-M), o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceamo), o Programa Guarda Amigo da Mulher (Gama), a Sala Lilás da Guarda Municipal e o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM). Já as denúncias são feitas nas Delegacias da Mulher (DDM) de Campinas, das quais há apenas duas unidades e só uma com funcionamento 24h.
Vale ressaltar que, para receber o atendimento em qualquer um dos órgãos públicos, é necessário o registro de Boletim de Ocorrência, no qual o agressor também é notificado. Além disso, a grande maioria destes locais está na região central da cidade, longe de onde ocorre a maioria dos casos de violência contra as mulheres. O alto valor da passagem aumenta a dificuldade de acesso aos serviços, principalmente para as mulheres da periferia.
Mulheres lutam pelo socialismo
Para o Movimento de Mulheres Olga Benario, a violência e a exploração que as mulheres sofrem hoje em dia são fomentadas pelo sistema em que vivemos. O capitalismo afeta profundamente a vida das mulheres, pois nele é necessário o trabalho não pago e a submissão das mulheres para a sustentação dos interesses dos ricos. Atualmente, isso se reflete na perpetuação das desigualdades salariais, objetificação de seus corpos e diversos tipos de violência.
Embora as mulheres representem mais de 50% da força de trabalho, elas recebem sistematicamente menos do que os homens. Isso não é simplesmente uma questão de discriminação individual, mas um mecanismo estrutural, pois a força de trabalho feminina é a mais explorada e precarizada, sujeita a jornadas extenuantes e condições de trabalho instáveis, intensificadas pelo acúmulo de funções cotidianas do lar.
O feminicídio de Vitória Rosa de Oliveira, que aconteceu recentemente em Hortolândia, é um exemplo de como as mulheres são vítimas da escravidão doméstica. O assassino afirmou que cometeu o crime brutal, a pauladas, possivelmente na frente dos filhos, por Vitória “não ter feito a comida”. Ou seja, mulheres são submetidas à dupla e às vezes até tripla jornada de trabalho, acumulando as tarefas de cuidado e às vezes pagando até com a própria vida o preço de viver nessa sociedade que se sustenta com a nossa exploração.
A opressão das mulheres e sua relação com o sistema capitalista é um problema central para a compreensão das desigualdades estruturais da nossa sociedade. Assim, o capitalismo, cúmplice do patriarcado, promove a objetificação das mulheres, as reduz a mercadorias, desvaloriza seu intelecto, alimenta a cultura do estupro e segue perpetuando a violência em diversos espaços. Contudo, o Movimento de Mulheres Olga Benario defende que a emancipação das mulheres só é possível com sua organização e a atuação política.
Sobre esse ponto, o movimento destaca as palavras de Vladimir Lênin, que afirmou que “a experiência de todos os movimentos de libertação mostra que o sucesso da revolução depende da importância da participação das mulheres”. A construção de uma nova sociedade, a sociedade socialista, só triunfará com a participação ativa das mulheres trabalhadoras.
Reconhecendo os desafios específicos que as mulheres enfrentam quando se propõem a se organizar politicamente, o Movimento de Mulheres Olga Benario promove a garantia de creches em atividades, plenárias e reuniões, a divisão igualitária do trabalho doméstico em seus lares e a escuta respeitosa em todos os espaços coletivos. Além disso, também define dias e horários fixos para as atividades, facilitando o envolvimento das mulheres trabalhadoras.
A Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive! salva vidas e resiste
Com essa concepção, o Movimento de Mulheres Olga Benario já realizou ocupações em todo o país para denunciar a violência sofrida diariamente pelas mulheres e a falta de assistência pública para atendê-las. Em Campinas, o movimento denuncia que a política fascista do prefeito Dário Saadi é conivente com a violência contra as mulheres, e a partir da mobilização contra esse descaso surgiu a Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive.
Com seu trabalho, o Olga já atendeu mais de 100 mulheres da Região Metropolitana de Campinas. Poderiam ser ainda mais, mas as limitações estruturais do imóvel que sedia a ocupação – que estava abandonado há quase 10 anos – impedem um maior e melhor acolhimento de vítimas de violência e vulnerabilidade.
Na última semana, a ocupação tem passado por seu quarto processo de reintegração de posse, com previsão de despejo imediato, evidenciando que para a burguesia campineira e sua “justiça” o mais importante é proteger a propriedade privada do que proteger a vida das mulheres trabalhadoras, aquelas que mais sofrem no sistema capitalista.
Além de difundir um manifesto em defesa da Ocupação de Mulheres, que está nas redes digitais e conta com uma versão física percorrendo as ruas da cidade, as militantes, apoiadoras e técnicas da Casa lutam para que a Prefeitura ceda um imóvel para que os atendimentos gratuitos e humanizados às trabalhadoras e crianças da região possam continuar acontecendo.
Mesmo neste momento atribulado, Patricia, militante do Movimento de Mulheres Olga Benario e membro de sua coordenação em Campinas, afirma que “o despejo não intimida nossas militantes e muito menos nos desanima, nós já tínhamos nossa rede de voluntárias antes de ocuparmos e podemos continuar com os atendimentos e crescer nosso movimento em todos os bairros da Cidade e da Região”.
“Não vamos deixar de cobrar a cessão do imóvel pela prefeitura, mas nossa força reside na coletividade e juntas conseguimos superar todos os obstáculos! O que temos de mais precioso é cada uma das companheiras que cede seu tempo, tão disputado, para lutar pela vida das mulheres e pelo socialismo”, ela completa.
Com sua luta, as mulheres mostram que não aceitarão mais morrer para servir o sistema capitalista que as explora. A luta pela libertação das mulheres é a luta de todos os trabalhadores. Mesmo ameaçada de despejo, a Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive! seguirá resistindo até o último minuto, pois a luta das mulheres é uma luta justa pelo fim da violência e pela construção da sociedade socialista, que será livre da fome, do desemprego, da falta de moradia e de toda forma de opressão.
*Militantes do Movimento de Mulheres Olga Benario em Campinas (SP)