A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) diplomou post mortem dois de seus estudantes perseguidos pela ditadura: Emmanuel Bezerra dos Santos e José Silton Pinheiro. A solenidade que contou com a presença de cerca de 500 pessoas.
Rafael Freire | Redação
No dia 06 de dezembro, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) foi tomada por emoção e espírito de luta. A instituição diplomou post mortem dois de seus estudantes perseguidos pela ditadura militar: Emmanuel Bezerra dos Santos e José Silton Pinheiro. O auditório da Reitoria ficou lotado, com cerca de 500 pessoas, para este momento histórico em homenagem aos dois jovens revolucionários assassinados sob tortura pelos fascistas. A militância do Partido Comunista Revolucionário (PCR), do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), do Movimento de Mulheres Olga Benario, da Unidade Popular (UP), da União da Juventude Rebelião (UJR) representou grande parte do público presente.
Ana Beatriz Sá, militante da UJR e estudante de Psicologia da UFRN, foi a primeira componente da mesa a discursar na solenidade. Ela falou em nome da União Estadual dos Estudantes do Rio Grande do Norte (UEE-RN), representando a continuidade da luta estudantil. “Quero, primeiramente, saudar o empenho dos professores e servidores desta universidade que se envolveram diretamente no processo de diplomação, como também a Comissão Estadual da Verdade, Memória e Justiça. Estamos aqui hoje para homenagear dois estudantes desta casa, como nós, que se organizaram nas suas entidades para lutar por seus direitos”, destacou Beatriz. E afirmou: “Precisamos estar cada vez mais organizados para enfrentar os fascistas do presente, que querem novamente dar um golpe de Estado e implantar uma ditadura no Brasil”.
Segundo a discursar, o professor César Sanson, do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, curso do qual Emmanuel foi aluno, pediu desculpas em nome da instituição. “A universidade não só não protegeu seus alunos, como ainda contribuiu para ser seu algoz. A pesquisa feita da Comissão da Verdade da UFRN apontou que, no subsolo da biblioteca, funcionava a ASI (Assessoria de Segurança e Informação) e que o então reitor, Onofre Lopes, entregava os relatórios à repressão”. Ele ainda relatou as torturas sofridas por Emmanuel e José Silton. Este último, ainda desaparecido político, que dá nome ao Diretório Central dos Estudantes da UFRN.
E o professor Sanson finalizou, bastante aclamado pelo auditório: “Nós só faremos a efetiva reparação a todos os perseguidos quando retirarmos do nosso Hospital Universitário o nome do ex-reitor Onofre, que entregou estudantes e interviu nos CAs e no DCE”.
Durante a solenidade, o reitor da UFRN José Daniel Diniz Melo entregou os diplomas de graduação aos representantes das famílias dos homenageados: Luísa Maria Nóbrega, ex-companheira de Emmanuel Bezerra à época de sua morte, recebeu o diploma de Ciências Sociais; e Antônio Gomes Pinheiro Filho, como ele se definiu, primo-irmão de José Silton, recebeu o diploma de Pedagogia.
Disse Antônio Gomes: “O que levou Silton ao curso de Pedagogia foi o contato com as causas sociais e com a pedagogia freireana” e, citando Honestino Guimarães, outro desaparecido político, que foi presidente da UNE: “Se nos prenderem, se nos matarem, nós voltaremos e seremos milhões”.
Após a solenidade oficial, militantes do PCR e de vários movimentos sociais realizaram um momento de homenagem a Emmanuel Bezerra no pátio da Reitoria, entoando A Internacional, puxando palavras de ordem e reforçando o juramento de lutar por memória, verdade e justiça para todas as pessoas perseguidas e mortas pela ditadura militar, bem como de triunfar na luta para derrubar o capitalismo e construir uma sociedade socialista.
Preparação
Durante todo o mês de novembro, a militância do PCR e dos movimentos sociais promoveu uma série de atividades preparatórias para a diplomação, com debates em escolas e na universidade, colagens, rodas de conversa nas Ocupações Palmares e Emmanuel Bezerra, organizadas pelo MLB, levando para além dos muros da universidade as histórias de vida e de luta dos dois militantes homenageados.
Como diz o poema de Emmanuel, Às Gerações Futuras, nossos soldados não se rendem e constroem, dia após dia, a luta revolucionária pela construção da sociedade socialista.
Emmanuel Bezerra dos Santos nasceu em 17 de junho de 1947 na praia de Caiçara, Município de São Bento do Norte (RN). Em 1961, transfere-se para Natal e passa a residir na Casa do Estudante e a estudar no Colégio Atheneu. Já na ditadura militar, como presidente da Casa do Estudante (secundarista e universitário), transforma-a em forte trincheira de luta do movimento estudantil. Em 1967, ingressa na Faculdade de Sociologia da Fundação José Augusto. Em seguida, incorpora-se ao Partido Comunista Revolucionário (PCR) e é eleito delegado ao 19º Congresso da UNE, em São Paulo. Com o AI-5, é preso em dezembro de 1968, cumprindo pena até outubro de 1969. Libertado, Emmanuel entra para a clandestinidade, já como dirigente nacional do PCR, atuando nos Estados de Pernambuco e Alagoas. Viaja ao Chile e à Argentina em missão do partido e é preso no início de setembro de 1973, quando regressava do exterior, sendo conduzido para o DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, onde foi torturado até a morte. Em 13 de março de 1992, seus restos mortais foram exumados e identificados. Trasladados para Natal em julho de 1992, os restos mortais seguiram em cortejo para São Bento do Norte em meio a grande comoção da comunidade local.
José Silton Pinheiro nasceu em 31 de maio de 1948 no sítio Pium de Cima, Município de São José de Mipibu (RN). Em 1964, começa sua militância no movimento estudantil, tendo sido presidente do Diretório Marista de Natal. Em 1970, ingressa na Faculdade de Pedagogia da UFRN. Neste mesmo ano, incorpora-se ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Em 1972, é obrigado a entrar na clandestinidade e desloca-se para Recife e, posteriormente, para o Rio de Janeiro. Foi morto, sob torturas, no dia 29 de dezembro de 1972, juntamente com os seus companheiros de partido: Fernando Augusto da Fonseca, Getúlio Oliveira Cabral e José Bartolomeu de Souza, no Rio de Janeiro. A repressão política montou a velha farsa de um tiroteio com os agentes da ditadura. Seu corpo foi encontrado totalmente carbonizado, num automóvel, para ocultar as marcas das torturas. No verso de sua Certidão de Óbito foi colocada a frase “Inimigo da pátria (terrorista)”. Seu corpo foi sepultado numa vala comum e, até hoje, seus restos mortais não foram identificados.
Matéria publicada na edição nº 304 do Jornal A Verdade