Manifestação realizada neste sábado, busca transformar a sede do antigo DOI-CODI no Rio de Janeiro em espaço de memória. O prédio, que hoje abriga um quartel da Polícia do Exército, serviu como centro de tortura e repressão a diversos presos políticos, como Rubens Paiva, cuja história foi retratada no filme Ainda Estou Aqui.
Igor Marques | Redação RJ
BRASIL – Neste sábado (11), foi realizada importante manifestação em defesa do tombamento do prédio do antigo DOI-CODI no Rio de Janeiro pelo IPHAN. O ato, convocado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e grupos que atuam na luta por Memória, Verdade, Justiça e Reparação, reivindicou a transformação do antigo centro de repressão em um centro de memória.
Localizado nas imediações da Praça Lamartine Babo, no bairro da Tijuca, o prédio do antigo DOI-CODI abriga hoje o 1º Batalhão de Polícia do Exército (PE), órgão que continua, ainda hoje, atuando na repressão da população carioca, participando de operações policiais nas favelas e periferias, por exemplo. A manifestação reivindicou, juntamente com o tombamento do prédio, a desativação do Batalhão da PE.
Durante o período da Ditadura Militar, o local serviu enquanto espaço de detenção e tortura de centenas de presos políticos. Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, o DOI-CODI do Rio de Janeiro foi palco de ao menos 53 assassinatos, dos quais destes 33 ainda permanecem desaparecidos.
“Ainda Estou Aqui”: ex-deputado Rubens Paiva foi morto no DOI-CODI do Rio de Janeiro
Entre os diversos opositores do regime fascista que foram presos, torturados e mortos nas instalações do DOI-CODI, estava o ex-deputado Rubens Paiva, cuja história de luta foi retratada recentemente no filme Ainda Estou Aqui. O filme, que mostra a violência da repressão e a luta da família de Rubens Paiva por Memória, Verdade e Justiça, retrata o quartel nas prisões de Eunice Paiva e de Eliana Paiva, esposa e filha do ex-deputado, respectivamente.
A Praça Lamartine Babo, onde o ato foi realizado, conta, desde 2014, com busto do ex-deputado. Além disso, Vera Paiva, filha mais velha Rubens Paiva participou da manifestação, enviando uma carta que foi lida pela organização do ato.
— Em nome da nossa família, filhos e netos de Eunice e Rubens Paiva, que, como minha irmã Eliana Paiva, estiveram presos neste lugar, marcamos hoje a nossa memória coletiva. Memória, verdade e reparação são a demanda a pautar a partir deste encontro em frente ao que era um portal para o inferno — disse Vera em sua carta.
Em 2013, durante as atividades da Comissão Nacional da Verdade, um grupo de vítimas da repressão que estiveram presas neste local visitou as instalações da Polícia do Exército, reconhecendo permanências no espaço e revelando as práticas então utilizadas.
Com diversas celas coletivas e solitárias, o DOI-CODI possuía também espaços destinados para a tortura física e psicológica dos detidos. Os relatos apontam a existência de celas chamadas de “geladeira” – nas quais os presos eram submetidos à baixas temperaturas – e de “boate” – em que havia intenso jogo de luz para atordoar as vítimas. Além disso, os presos políticos passavam por diferentes tipos de torturas físicas e psicológicas, que incluíam até mesmo simulações de fuzilamentos e o uso de animais como jacarés.
Punição aos torturadores já!
Outra importante palavra de ordem no protesto foi pela punição dos torturadores e golpistas de ontem de hoje. Ainda hoje, militares envolvidos diretamente na morte de Rubens Paiva e seus dependentes continuam a receber gordas pensões do Estado brasileiro.
Em 2014, o Ministério Público Federal indiciou cinco militares pela morte de Rubens Paiva. Dentre estes, dois dos réus que continuam vivos até hoje recebem por mês, somados, cerca de 60 mil reais. Além disso, os dependentes dos outros três torturadores já falecidos recebem mais de 80 mil mensais somados.
Atualmente, diversos militares envolvidos em violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade continuam a receber vencimentos do Estado. A Lei de Anistia brasileira, portanto, permite a impunidade destes militares, que continuam não só livres após tantos crimes cometidos, como também recebem o aval do Estado. Até mesmo os militares envolvidos em tramas golpistas e eventualmente expulsos das Forças Armadas mantêm sua impunidade e a suas famílias continuam a receber pensões.
Memória, Verdade, Justiça e Reparação
A transformação do prédio do antigo DOI-CODI em um espaço de memória é um reivindicação antiga dos grupos que lutam pela Memória, Verdade, Justiça e Reparação. O objetivo é transformar o espaço em um museu que possibilite a reflexão a respeito das violências praticadas pelo Estado brasileiro e pelas Forças Armadas durante os anos da Ditadura Militar.
A transformação de antigos centros de repressão da cidade do Rio de Janeiro em espaços de memória é um objetivo das organizações de memória e direitos humanos cariocas, assim como foi feito com o Memorial da Resistência, museu localizado na sede do antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (DEOPS-SP), na capital paulista.
Espaços como a sede do antigo DOI-CODI, na Tijuca, e do DOPS, na Lapa, fazem parte da história de luta do povo contra a repressão e precisam ser transformados em espaços que busquem refletir a respeito deste passado e valorizar todos aqueles que tombaram na luta contra o regime militar fascista.