A Revolução Pernambucana de 1817 foi um dos principais levantes republicanos do Brasil colonial. O movimento foi brutalmente reprimido, e Frei Caneca, líder da Revolução enfrentou perseguição e foi assassinado aos 45 anos de idade.
Luiz Alves | Redação
HERÓIS DO POVO BRASILEIRO – Na primeira metade do século 19, o Nordeste brasileiro, tendo Pernambuco como centro, foi palco de importantes lutas pela independência e pela república. Esse ímpeto revolucionário não se deu por acaso, como nada na História, aliás.
No início do século entrava em crise a economia regional, com o declínio da produção do açúcar e do algodão, dada a perda de posição no mercado internacional. Os interesses econômicos deslocavam-se para o Sudeste, voltados para a produção cafeeira, que passava a ser a nova fonte de riqueza e poder. Por outro lado, a Coroa Portuguesa, instalada no Rio de Janeiro desde 1808, fugindo das tropas francesas, aumentava constantemente a carga tributária para poder sustentar o seu luxo parasitário.
No Nordeste todas as classes sociais sofriam as consequências dessa política imposta pela dominação da monarquia portuguesa. A insatisfação transformou-se em rebelião, que explodiu no dia 06 de março de 1817, derrubou rapidamente o governo imperial e instalou a república em Pernambuco. O movimento alastrou-se pelas capitanias vizinhas, vencendo também em pouco tempo na Paraíba, no Ceará, no Maranhão e em Alagoas.
A República só durou 75 dias. A contrarrevolução portuguesa foi mais forte e retomou o poder. As classes dominantes não tiveram contemplação com os lutadores. Os principais líderes foram enforcados, e três deles, para servirem de “exemplo”, depois de enforcados tiveram as mãos cortadas, as cabeças decepadas e os restos dos cadáveres amarrados na cauda de cavalos e arrastados pelas ruas até o cemitério.
Cristianismo revolucionário
O seminário de Olinda, fundado em 1800, era um centro de formação cultural, ensinando aos seus seminaristas não apenas a teologia, mas também o conhecimento das ciências naturais e humanas. Foi por ele que penetraram no Nordeste as ideias da Revolução Francesa, de democracia, liberdade, igualdade, fraternidade. O seminário não formou simples padres, mas homens cultos e lutadores. Sessenta padres e dez frades participaram da Revolução de 1817, entre eles frei Joaquim do Amor Divino Caneca.
Preparando as novas batalhas
Caneca não era nome de família. Nosso herói foi registrado Joaquim do Amor Divino Rabello. Nasceu no Recife no ano de 1779. Seu pai, Domingos da Silva Rabello, tinha uma oficina onde fabricava toneis e canecas; por isso apelidaram-no “frei da caneca”, e ele, numa homenagem à profissão do pai, incluiu “caneca” no sobrenome. Ordenou-se cedo, aos 17 anos, no seminário de Olinda. Contemplativo e estudioso, foi professor e escritor, com várias publicações sobre Retórica, sobre a Oração, Tratado de Eloquência (sobre literatura), entre outras obras.
Da contemplação partiu para a ação, engajando-se na Revolução de 1817, na qual teve uma participação discreta. Foi preso e, juntamente com os demais revolucionários, encaminhado para uma casa de detenção em Salvador.
O período como prisioneiro foi altamente produtivo. Organizou cursos para os presos políticos e comuns, principalmente para os últimos, pois fazia questão de dizer: “…eu não escrevo para os homens letrados e sim para o povo rude que não tem aplicação às letras”. A partir dessas aulas redigiu um Breve Compêndio de Gramática Portuguesa.
A monarquia portuguesa teve um certo enfraquecimento quando as tropas de Napoleão foram expulsas de Portugal, mesmo com a Corte refugiada no Brasil. Em 1820, uma rebelião na cidade do Porto (Portugal) exigiu um regime constitucional. Esse movimento repercutiu no Brasil: em várias capitanias os governos nomeados pelos portugueses foram substituídos e lançou-se uma campanha pela anistia para os presos políticos de 1817. Finalmente, D. João VI voltou para Portugal, jurando respeitar a constituição, e decretou a anistia no Brasil, em 1822.
Os anistiados foram recebidos com festa no Recife. Frei Caneca continuou a luta pela independência do Brasil e por um regime constitucional. Divulgava suas ideias em folhetos distribuídos de mão em mão. Acreditava que o povo estava consciente e ansioso por mudanças.
Um falso grito de independência
Pedro I seguiu a orientação do seu pai e antecipou-se ao movimento pela independência, que tomava corpo em todo o país, em especial no Nordeste, que já vinha conflagrado desde 1817. Em sete de setembro de 1822, o príncipe regente proclamou a “independência” do Brasil e convocou uma Assembleia Constituinte para elaborar o ordenamento jurídico do estado brasileiro.
Instalada a Assembleia Constituinte, as discussões encaminharam-se para a consolidação da independência e do regime constitucional. Em 1823, o Imperador Pedro I dissolveu-a, temendo que não lhe fosse dado o Poder Moderador, na verdade um absolutismo disfarçado, pelo qual ele poderia alterar ou vetar qualquer decisão que contrariasse os seus interesses.
Levante pela República
O Nordeste continuava vivendo um quadro de estagnação econômica, vítima das desigualdades regionais. As esperanças voltavam-se para a constituinte. Ao dissolvê-la o imperador acendeu o estopim da revolta.
Frei Caneca lançou um jornal O Thypis Pernambucano, através do qual pregava a luta revolucionária. Escrevia: “…um monarca, quando incorre na desconfiança da nação, é imediatamente reputado um inimigo interno”.
Os pernambucanos rejeitaram a nomeação de Paes Barreto para governador, feita pelo imperador, e escolheram Manoel Carvalho Paes de Andrade. O mesmo ocorreu no Ceará, onde foi eleito para o governo um revolucionário, Tristão Alencar Araripe. Paraíba e Rio Grande do Norte também aderiram ao movimento. Nasceu a Confederação do equador, a república nordestina, proclamada oficialmente em 02 de julho de 1824. Mas não se tratou de um movimento separatista. O manifesto republicano fez um apelo às demais províncias para se unirem em torno de um regime democrático, em defesa da soberania nacional. No Recife, o governo Paes Andrade tomava as decisões mais importantes em assembleias públicas secretariadas por Frei Caneca.
No movimento pela república e pela independência uniram-se as diferentes classes e setores da sociedade pernambucana, cada um entendendo o sentido da liberdade em conformidade com os seus interesses. Na elaboração do anteprojeto de constituição, quando a comissão acenou para o fim da escravidão, os grandes proprietários recuaram. Frei Caneca tentou manter a unidade propondo no seu jornal: “…só há um partido, que é o da liberdade civil e o da felicidade do povo; e tudo o que não for isso há de ser repulsado a ferro e fogo”.
A divisão enfraqueceu o poder republicano, e o governo imperial aproveitou para contra-atacar. Contratou uma esquadra inglesa e enviou uma tropa terrestre de 3.500 soldados, que entrou no Recife no dia 12 de setembro de 1824.
A maioria dos confederados rendeu-se, mas foi afogada num mar de sangue. Alguns líderes conseguiram fugir, entre eles o governador Paes de Andrade, que se asilou num navio inglês.
Em vez de terço, um fuzil
As forças populares decidiram continuar a luta. Somavam cerca de três mil revolucionários em todas as províncias nordestinas, mas ficaram com poucas armas e munições, treinamento precário e quase nenhum dinheiro. A estratégia foi deslocar-se para os sertões, proclamar uma “República de Lavradores”, desenvolver uma guerra de guerrilhas e ir acumulando forças para retomar o litoral.
Frei Caneca largou a batina, vestiu um “jaleco de guerrilheiro” e seguiu com a coluna popular. No final de setembro reuniram-se em Pitimbu os revolucionários de Pernambuco, da Paraíba e do rio Grande do Norte, e decidiram rumar para o Ceará, onde avaliavam que as tropas populares estariam em melhores condições. Conseguiram chegar a Juazeiro do Norte, mas a rebelião já havia sido derrotada. Famintos, desanimados com o quadro encontrado, foram cercados pelas tropas governistas e resolveram render-se. Presos, os revolucionários foram conduzidos para o Recife.
“Um patriota não morre”
Tamanha era a popularidade de Frei Caneca, a admiração e o respeito que lhe tinha o povo, que três carrascos preferiram morrer sob tortura a executar a sentença do enforcamento. Começou um movimento por sua absolvição, mas a ordem era irrevogável. O comandante mandou que um pelotão fuzilasse o frade. Na hora da formação, um soldado caiu fulminado por um ataque cardíaco. O comandante Lima e Silva (pai do futuro Duque de Caxias) não recuou: afastou o soldado morto e ordenou o fuzilamento. Foi no dia 13 de janeiro de 1825, no largo do Forte das Cinco Pontas, atras do conhecido forte, que hoje é um ponto turístico.
A condenação à morte não abalou Frei Caneca. Nos seus últimos dias continuou falando aos companheiros de prisão, mostrando que luta tinha de continuar, era preciso sempre “lutar contra os tiranos”. Aos sentinelas, mostrava que “serviam de apoio aos déspotas”. Contava histórias engraçadas para o pessoal rir, não queria ninguém triste. Na véspera do seu assassinato, aos 45 anos de idade, escreveu:
“Tem fim a vida daquele
Que a pátria não soube amar
A vida do patriota
Não pode o tempo acabar”.
*Texto publicado em A Verdade nº 11 (2000)