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domingo, 9 de março de 2025

Morte em hospital escancara descaso na saúde pública do Entorno de Brasília

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Falta de estrutura, profissionais e trabalhadores mal remunerados afetam o sistema de saúde das cidades do Entorno de Brasília.

Rede JAV-DF | Brasília


BRASIL – Um caso de suposta negligência em unidades de saúde do Distrito Federal e de Águas Lindas de Goiás resultou na morte de Alysson Medeiros Gonçalves, no início de fevereiro. Segundo relatos de familiares, o caminhoneiro de 37 anos teria recebido atendimento inadequado desde sua chegada à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Brazlândia (DF).

Na manhã de terça-feira (28 de janeiro), Alysson foi levado por colegas de trabalho à UPA após notarem que ele não conseguia se movimentar para descer de seu caminhão. Assim que chegaram na unidade, o caminhoneiro foi colocado em uma cadeira de rodas. No entanto, foi posteriormente transferido para um assento sem suporte adequado para um paciente na sua situação, que tinha a mobilidade de todos os membros comprometida. Essa mudança levou à queda de Alysson ao chão, sendo socorrido por profissionais de enfermagem apenas alguns minutos depois.

A queda provocou ferimentos nos lábios e a perda de um dente. No entanto, o único remédio administrado pela equipe da UPA teria sido um ansiolítico. Familiares e amigos confirmaram dificuldades motoras e vocais que Alysson apresentava, além de sinais de mal-estar. Porém, em nenhum momento testemunhou-se irritabilidade ou forte agitação que sugerisse minimamente a necessidade de administrar o medicamento de embalagem com tarja preta.

Após exames de sangue descartarem a suspeita inicial de dengue, Alysson foi liberado para ir para casa. No entanto, ainda na madrugada do dia 29, teve que ser levado às pressas ao Hospital Bom Jesus, em Águas Lindas de Goiás. No hospital, os médicos constataram a gravidade do quadro, que havia evoluído para a perda da capacidade de deglutição. Uma das médicas suspeitou de meningite, mas não havia material para a coleta de líquor (fluido corporal que banha o Sistema Nervoso Central), necessário para o exame capaz de aferir esse diagnóstico.

“Não haviam nem fraldas no hospital, nós que levamos. Também não havia colchão para as macas. Colocaram meu irmão numa maca dura, só o ferro”, relata a técnica de enfermagem Alinny Gonçalves, irmã de Alysson. O paciente permaneceu internado aguardando uma vaga de UTI em um hospital de Anápolis, a mais de 130 km de distância, mas a transferência não ocorreu a tempo. No domingo, dia 2 de fevereiro, Alysson veio a óbito.

A família responsabiliza a falta de estrutura da rede pública de saúde pelo desfecho trágico. Segundo Alinny, o hospital onde Alysson estava internado não possuía leitos de UTI e os profissionais dispunham de poucos recursos para o tratamento. O caso levanta questionamentos sobre a qualidade do atendimento prestado e a deficiência de insumos e profissionais na saúde pública do Entorno do DF.

Problemas estruturais na rede pública de saúde na região

A situação relatada pela família de Alysson não é um caso isolado. A gestão de 16 unidades de saúde da rede distrital é realizada pelo Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF). O instituto enfrenta diversas denúncias de falta de insumos, demora no atendimento e deficiência na contratação de profissionais. Dados recentes apontam que a fila de espera por consultas chegou a 880.152 pessoas, com um tempo médio de espera de 608 dias.

Trabalhadores das UPAs denunciam casos de assédio moral e gestão autoritária. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde (SindSaúde), a atual administração teria sido indicada por critérios políticos e estaria impondo condições inadequadas aos servidores. Entre os casos relatados, estão a negação de abonos e exposição vexatória de profissionais, gerando impacto na saúde mental dos trabalhadores.

No dia 20 de fevereiro, o governador do DF Ibaneis Rocha (MDB) nomeou o então diretor-presidente do Iges-DF, Juracy Cavalcante, como novo Secretário de Saúde do Distrito Federal. Ele sucede a médica Lucilene Monteiro, que há dois anos e meio acumulava desgastes consequentes à gestão ineficiente da saúde pública do local. Por enquanto, são poucos aqueles que esperam melhoras com o novo secretário.

Há de se recordar que, enquanto estava à frente do Iges, o instituto se tornou alvo de investigação da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus), que apura, junto à Polícia Civil (PC-DF), denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo um contrato de fornecimento de alimentação a pacientes. O contrato foi firmado com a empresa Salutar a um valor próximo de R$300 milhões, com termo aditivo superior a R$136 milhões.

Essa crise também se estende aos municípios do Entorno. Em Águas Lindas de Goiás, local de falecimento de Alysson, a ausência regular da coleta de lixo têm proliferado os criadouros acidentais do Aedes Aegypti, consequentemente provocando um aumento nos casos de dengue, zika e chikungunya nos dois primeiros meses do ano.

Em meados do último mês de dezembro, a equipe de funcionários do Hospital Bom Jesus entraram em greve após meses sucessivos sem o recebimento dos seus salários devidos. Em retaliação, a prefeitura rescindiu seu contrato com a OS (organização social) que administrava o Hospital e a UPA do Mansões Odisseias, levando à demissão de parte da equipe de funcionários dos dois locais de atendimento. Durante o período de internação de Alysson, a prefeitura já havia retomado a gestão do hospital, mas a greve ainda se mantinha de pé.

A falta de pagamento dos servidores da área da saúde, no entanto, coincide com a aprovação unânime de lei que estabelece auxílio-alimentação de R$1.950,00 para vereadores do município. A lei foi promulgada no último dia 23 de dezembro pelo prefeito Dr. Lucas da Santa Mônica (União), que foi reeleito ano passado tendo a melhora da saúde pública como uma de suas principais bandeiras, sendo ele próprio profissional médico. Em 26 de outubro de 2023, Dr. Lucas anunciou uma reforma no Hospital Bom Jesus, que seria feita a partir de uma emenda parlamentar de R$5 milhões destinada pelo deputado federal José Nelto (PP-GO). Porém, o início das reformas foi registrado apenas neste mês de fevereiro.

A morte de Alysson reforça a urgência de melhorias na saúde pública do DF e dos municípios do Entorno, além de evidenciar a necessidade de providências para evitar novos casos de negligência. A família do falecido segue em busca de justiça, prometendo tomar as medidas cabíveis contra o Estado pelas falhas em seu dever de zelar por um de seus cidadãos.

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