Ao contrário do que propaga a história da burguesia, as mulheres nunca foram passivas diante da realidade da exploração de classe. Conheça a atuação das mulheres na linha de frente contra a ditadura fascista de 1964 no Brasil.
Catarina Matos | Movimento Olga Benario
BRASIL – Na segunda metade do século XX, o Brasil e diversos países da América Latina sofreram duros golpes militares influenciados e financiados pelos Estados Unidos e grandes países capitalistas, os quais viam nas experiências populares daquele período – a Revolução Cubana como forte exemplo – uma ameaça ao seu controle imperialista. Por isso, na década de 1960, foram consolidadas Ditaduras, nas quais o Estado, dirigido pelas forças armadas, promoveu ações de terrorismo, censura, tortura, assassinato e forte repressão às populações.
No Brasil, em 1961, em meio à conjuntura mundial polarizada como consequência da Guerra Fria, após imensa pressão popular, tomou posse à presidência do país o democrata João Goulart, o Jango. Esse período é reconhecido pelo intenso desenvolvimento da sociedade brasileira no campo político: um momento de efervescência dos movimentos sociais, dos sindicatos e do movimento estudantil. O povo ansiava por mudanças, e os debates acerca das Reformas de Base passaram a ser uma crescente daquele período. Em março de 1964, o presidente brasileiro convocou o histórico Comício na Central do Brasil – Rio de Janeiro, no qual reuniu mais de 200 mil trabalhadoras, trabalhadores e estudantes. Foi neste ato que Jango apresentou as propostas das Reformas de Base: fim do analfabetismo, Reforma Agrária, Urbana, Bancária e estatização dos setores estratégicos (A Verdade, 2024).
Porém, as forças armadas fascistas brasileiras, asseguradas pelo governo norte-americano imperialista, já tinham um plano arquitetado para impedir a concretização das reformas e tomar o poder do Estado. Em 01 de abril, do mesmo ano, o presidente João Goulart tomou a decisão de não resistir ao aparato bélico colocado nas ruas do Rio de Janeiro, ao reforço que vinha dos EUA e à imprensa nacional golpista e exilou-se no Uruguai. Contudo o povo brasileiro, durante 21 anos, ficou e lutou. Durante esse período, as mulheres tiveram destaque em diversos aspectos da resistência ao Golpe Militar, seja no campo, no Trabalho Operário à luta pela Anistia.
O papel da classe operária feminina na resistência ao golpe
O primeiro ataque das forças militares fascistas foi contra as entidades sindicais populares e organizações estudantis. Direções foram cassadas, dirigentes presos e a imprensa sindical e popular amordaçadas. O objetivo era impedir a continuidade das históricas lutas que avançavam a consciência e as condições de vida do povo brasileiro.
Rapidamente uma parte dos dirigentes sindicais começou a resistir ao governo de forma clandestina, atuando de diversas maneiras como encontrando os trabalhadores nos bairros em que moravam. Em virtude da maior perseguição do movimento, que era majoritariamente masculino, as mulheres se sobressaíram, atuando nos períodos noturnos com visitas políticas, escondendo militantes perseguidos e criando uma rede de informações para manter ativa a luta operária brasileira. Muitas delas também passaram a atuar de forma direta nas portas das fábricas e empresas denunciando os baixos salários, o desemprego, a carestia, a falta de direitos como saúde e educação públicas. Exemplos não faltam.
Em 03 de março de 1966, operárias e capatazes da fábrica Petropolitana, localizada em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, entraram em conflito quando a fiandeira Maria Rosa, mesmo pressionada, decidiu não retornar ao trabalho, pois estava sem receber salário. A revolta se espalhou quando outros tecelões aderiram ao chamado de uma liderança, Arlinda, ao afirmar: “A fábrica agora vai parar”. Depois de alguns dias, com a intervenção do padre da cidade e com a mediação da Justiça do Trabalho, a empresa decidiu pagar os salários dos trabalhadores. (Jornal Acontece em Petrópolis, 2017).
No dia 16 de abril de 1968, na Cidade de Contagem – estado Minas Gerais, as mulheres foram decisivas na importante greve na zona industrial que mobilizou mais de 1.200 operárias e operários metalúrgicos e siderúrgicos, que reivindicavam 25% de reajustes nos salários e melhores condições de trabalho. O movimento iniciou-se na trefilaria da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira e se espalhou para outras empresas, sendo o primeiro grande movimento grevista pós-golpe. Foi criado um “Comitê de Apoio à Greve” cujas tarefas eram realizadas em sua maioria por mulheres e consistia em arrecadar dinheiro e alimentos para ajudar os grevistas e suas famílias e elaborar boletins denunciando a situação dos operários e o caráter justo do movimento dos trabalhadores, mesmo sendo declarado ilegal pelas autoridades (SCARPELLI e SILVA, 2014).
E por fim, em 25 de novembro de 1968, as trabalhadoras castanheiras cruzaram os braços e realizaram piquetes na porta da empresa CIONE, localizada em Fortaleza, estado do Ceará. As operárias lutavam pelo pagamento de horas extras e contra os atrasos constantes nos salários, que as deixavam numa situação de imensa miséria. A greve foi dura, com enfrentamento entre as operárias e os seguranças da fábrica. Muitas foram agredidas e precisaram ser atendidas em hospitais da região. Conforme relato de um sindicalista da época “elas não deixaram barato. Pegaram pedaços de madeira para não entrar à força. Eles tentaram duas ou três vezes, mas não conseguiram. Nunca vi uma coisa tão dramática” (Jaime Liberio – diretor do Sindicato do Óleo). O movimento ficou conhecido como A Guerra das Castanheiras, tendo durado sete dias, suas lideranças foram presas no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social – órgão de perseguição da Ditadura Militar). Todas essas mobilizações foram realizadas pelas mulheres contra os patrões, o governo ditatorial e o machismo que prevalecia no movimento sindical.

Mulheres na luta armada: coragem e combatividade
Não conseguindo frear o movimento popular e operário, mesmo com intensas perseguições, os militares resolveram dar um golpe dentro do Golpe. Em 1968, fecharam o Congresso Nacional, cassaram parlamentares, partidos políticos foram colocados na ilegalidade, suspenderam direitos e a justiça foi amordaçada. Não havia outro caminho senão enfrentar a violência do regime com a violência revolucionária.
Foi assim que nasceram diversas organizações armadas revolucionárias, inspiradas nas heroicas resistências populares da América, Ásia e África. Destacam-se o Movimento Revolucionário 8 de Outubro – MR8 (homenagem à imortalidade do comandante Ernesto Che Guevara); a Ação Libertadora Nacional – ALN, dirigida por Carlos Mariguella, a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, sob o comando do capitão Carlos Lamarca e a fundação, em 1966, do Partido Comunista Revolucionário – PCR, sob a liderança do camarada Manoel Lisboa de Moura. Embora os principais dirigentes fossem homens, em todas elas, as revolucionárias tiveram importante destaque nos diversos meios de organização, desde arrecadação de recursos e outros materiais, a guarda e o transporte das informações e das armas, a ligação com os movimentos de massas até o comando de muitas ações contra o regime, como justiçamentos, expropriações de bens e valores e regastes dos camaradas presos.
Dentre elas, Iara Iavelberg, natural de São Paulo-SP, foi uma das mulheres que esteve na vanguarda dessas lutas. Como liderança do MR8 e VPR, participou do sequestro do embaixador suíço Giovanni Buche. Depois de procurada como terrorista pelos agentes da ditadura e tendo sua organização desarticulada, mudou-se para Bahia tornando-se uma das comandantes de diversas ações armadas. Em 1971, foi cercada e encurralada pela polícia, presa e assassinada.
A professora gaúcha Sônia Moraes Angel é também um exemplo de coragem e determinação na resistência ao Golpe Militar de 64. Foi liderança da ALN, cumprindo missões de apoio aos militantes revolucionários, garantindo esconderijo àqueles que estavam sob risco de serem pegos pela repressão. Em 1969, foi presa participando de uma manifestação do 1º de maio contra a Ditadura. Depois de dois exílios, na França e no Chile, retorna ao Brasil para reorganizar a ALN, porém é presa, barbaramente torturada e assassinada em setembro de 1973.
Outras guerrilheiras não podem deixar de ser lembradas; aquelas que atuaram no campo, como na Guerrilha do Araguaia: Jana Barroso, Helenira Resende e Dinalva Conceição Teixeira. Todas assassinadas após uma expedição e cerco do exército brasileiro. Seus corpos nunca foram encontrados.
Essas companheiras não se contentaram em viver num sistema ditatorial, patriarcal, misógino que impunha às mulheres uma vida de opressão. Do campo às cidades, elas combateram a ausência de direitos, a fome, o desemprego, a violência, os papeis de gênero e tudo aquilo que explorava nossa classe. Lembremos que na metade da década de 1970, 30% da classe trabalhadora já era composta de mulheres, e com o aumento da violência estatal, dos assassinatos e desaparecimentos forçados, seja na repressão política ou social, a ditadura deixou marcas permanentes em milhares de famílias no Brasil.
Mulheres Contra a Carestia e pela Anistia
Outros dois movimentos muito importantes nesse período de horror à classe trabalhadora foram as lutas contra o alto custo de vida e pela anistia dos lutadores sociais contra a ditadura.
Foi na periferia de São Paulo, a partir dos clubes de mães organizados nas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, em 1972, que se iniciou um movimento contra o aumento do custo de vida. As mulheres e mães reivindicavam que os “senhores do poder” tomassem uma providência sobre a situação na qual a classe trabalhadora vivia. “…porque o Brasil é uma terra tão rica e as mães choram na hora de pôr a panela no fogo pra fazer a comida pros filhos”. É assim que tem início o documento que deu origem ao movimento intitulado Movimento Contra o Custo de Vida, ou Movimento Contra Carestia (A Verdade, 2021).
Essas mulheres, donas de casa, perceberam que precisavam sair de dentro de seus lares para ser linha de frente na luta pela vida e pela dignidade dos brasileiros mais pobres, e conseguiram organizar um abaixo-assinado, contra a carestia e a política econômica do governo em questão. Com mais de 1 milhão de assinaturas, enfrentaram corajosamente, com seus filhos nos braços, a força policial da época para garantir a entrega do documento popular ao General Geisel, ditador que estava no poder naquele período.
Naquele momento também nascia um forte movimento em defesa dos presos e desaparecidos políticos da Ditadura Militar. Eram filhas, mães, esposas, irmãs que incansavelmente batiam nas portas das delegacias e prisões buscando notícias de seus familiares. O Movimento Feminino Pela Anistia, além de desenvolver intensa campanha em todo o país, conseguiu formar uma rede internacional de denúncia aos crimes políticos, o que pressionou as autoridades brasileiras a aprovar a lei da anistia. Infelizmente, esta passou de forma ampla e irrestrita, inocentando também os militares assassinos e torturadores do período. Um erro que deve ser corrigido, e as mulheres continuam em luta por Memória, Verdade e Justiça no Brasil dos dias atuais. O papel das mulheres na luta pelos direitos dos presos e desaparecidos é inegável, elas foram responsáveis pelo rompimento do silêncio em torno das perseguições, prisões e torturas nos cárceres da ditadura. A utilização do papel tradicional da “mulher de família” e do cuidado maternal das integrantes do MFPA, pode ser entendido também como uma estratégia do movimento para se esquivar da repressão da ditadura, num momento em que as lutas feministas eram alvo de críticas pelo governo e pela opinião pública (Arquivo Nacional – Governo do Brasil).
Apesar da imposição patriarcal da história, que pretende invisibilizar a participação ativa e criadora das mulheres na luta pela libertação dos povos, o legado das mulheres – corajosas e aguerridas – ao enfrentarem em várias frentes toda opressão e exploração na qual são submetidas, deve ser reconhecido como instrumento de ânimo, força e energia para aquelas que hoje continuam nas “trincheiras” de luta pelo fim da sociedade capitalista e pela construção do Socialismo, no Brasil e em todo o mundo.
viva a luta das mulheres!