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sexta-feira, 2 de maio de 2025

Inês Etienne Romeu: a mulher que desafiou e sobreviveu à Casa da Morte

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“A vida e a morte de Inês Etienne Romeu seguem sendo um lembrete de que a democracia se constrói com memória, justiça e luta coletiva. Sua voz sobrevive em cada mulher que se organiza, em cada denúncia contra a opressão e em cada gesto de solidariedade. Enquanto a sua história for lembrada, a ditadura não será esquecida e jamais se repetirá.”

Chantal Campello | Cabo Frio (RJ)


Inês Etienne Romeu nasceu em Pouso Alegre, Minas Gerais, em 18 de dezembro de 1942. Desde jovem envolveu-se na luta política contra as injustiças sociais que marcavam o Brasil nos anos 1960. Militante da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), Inês fazia parte de um movimento que buscava construir uma alternativa socialista ao modelo autoritário. Com a instauração da ditadura militar em 1964, ela passou a viver na clandestinidade, dedicando-se à organização da resistência armada.

Em 1971, foi presa no Rio de Janeiro pelos agentes do Centro de Informações do Exército (CIE). Seu destino foi a chamada “Casa da Morte”, um centro clandestino de tortura mantido em Petrópolis no Rio de Janeiro, onde os lutadores populares da ditadura eram levados para serem “convencidos” a base das piores torturas, a colaborar com os órgãos de repressão. Dos cerca de 20 militantes levados para esse local, Inês foi a única que saiu com vida.

‘’Eu não podia chorar. Nem me mexer. Não podia ter medo. Só sobrevivia quem conseguisse suportar o inferno calada, fria, como pedra”, disse em seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade, décadas depois.’’

Durante os meses em que esteve presa, foi submetida a intensas sessões de tortura física, estupros, choques elétricos e isolamento extremo. Em seu relato à Comissão Nacional da Verdade, Inês afirmou: ‘’Eles queriam que eu me tornasse uma agente infiltrada, que traísse meus companheiros. Disseram que se eu não cooperasse, minha família sofreria. Eu escutei o choro de outras mulheres sendo violentadas. O terror era contínuo.’’

Mesmo após ser forçada a escrever relatórios e simular colaboração, Inês encontrou forças para resistir internamente e, ao sair da Casa da Morte, retomou sua luta política, denunciando os crimes que presenciou. Foi libertada somente em 1979, com a Lei da Anistia.

No livro ‘Memórias de uma Guerra Suja’, escrito pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, publicado em 1979, ela detalhou não apenas sua própria experiência, mas também o funcionamento do aparato repressivo da ditadura. Sua denúncia pública foi uma das primeiras a revelar a existência de centros clandestinos de extermínio mantidos fora da legalidade até então negada pelo regime militar.

“Na Casa da Morte, a gente não tinha nome, só número. Eu era um número. Não sabíamos se era dia ou noite. Tudo era feito para nos destruir por dentro”, dizia Inês em entrevista.

A vida de Inês foi marcada por perseguições, ameaças e vigilância mesmo após a redemocratização. Ela vivia sob constante medo. Faleceu em 27 de abril de 2015, aos 72 anos, em Niterói, Rio de Janeiro. A causa oficial foi insuficiência cardíaca, mas familiares e militantes da área de direitos humanos sempre levantaram dúvidas sobre as circunstâncias da morte. Meses antes de falecer, Inês chegou a relatar que suspeitava estar sendo envenenada.

Seu testemunho foi fundamental para os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (2011–2014), que investigou os crimes cometidos pela ditadura militar. Nos depoimentos, ela nomeou agentes da repressão, descreveu métodos de tortura e apontou a responsabilidade do Estado nos desaparecimentos forçados.

Homenagem à resistência: Casa de Referência Inês Etienne Romeu, em Cabo Frio

Reconhecendo sua trajetória de coragem e enfrentamento, o Movimento de Mulheres Olga Benario ocupou em 2024 um imóvel público, na cidade de Cabo Frio (RJ), um espaço voltado ao acolhimento de mulheres em situação de violência, vulnerabilidade e violação de direitos. A casa recebeu o nome de Inês Etienne Romeu, a homenagem carrega um forte simbolismo as mulheres que sempre lutaram.

Em nome de Inês, milhares de mulheres encontram forças para denunciar violências, buscar justiça e construir autonomia. A escolha do nome reforça a importância de manter viva a memória daqueles que enfrentaram a repressão de frente, e, sobretudo, das mulheres que ousaram lutar mesmo sob as piores condições.

A vida e a morte de Inês Etienne Romeu seguem sendo um lembrete de que a democracia se constrói com memória, justiça e luta coletiva. Sua voz sobrevive em cada mulher que se organiza, em cada denúncia contra a opressão e em cada gesto de solidariedade. Enquanto a sua história for lembrada, a ditadura não será esquecida e jamais se repetirá.

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