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sexta-feira, 13 de junho de 2025

Concessão privada ameaça unidades de conservação no DF e aprofunda exclusão ambiental

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Transformar o acesso ao meio ambiente em mercadoria, por meio da concessão privada de unidades de conservação no DF, aprofunda desigualdades e cerceia os direitos das populações que já sofrem com os impactos das mudanças climáticas.

Beatriz Aires | Brasília, DF


BRASIL — No dia 2 de abril de 2025, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) iniciou uma consulta pública, com término previsto para 15 de junho, sobre o edital de concessão privada das Unidades de Conservação (UCs) no DF, especificamente o Parque Nacional de Brasília (PNB) e a Floresta Nacional de Brasília (Flona). A proposta prevê a transferência de serviços como visitação, limpeza, manutenção, segurança e transporte a empresas privadas. Também inclui a visitação de áreas como o Vale do Rio da Palma e o atrativo do Poço Azul, área integrada ao PNB.

Diversas manifestações por parte da população e de várias entidades socioambientais vêm denunciando a falta de participação da sociedade civil e a fragilidade dos estudos sobre impactos ambientais e sociais. O Ministério Público Federal (MPF), em 23 de abril, instaurou inquérito civil público para apurar as regularidades no processo de concessão.

O papel das UCs na proteção ambiental

Os Parques Nacionais (PARNA) são UCs de Proteção Integral, cujo objetivo é a preservação do meio ambiente e da biodiversidade. Já as Florestas Nacionais (FLONA) são UCs de Uso Sustentável, nas quais é permitido o uso, direto ou indireto, de seus recursos pela população, ou por parte dela, conforme as normativas do plano de manejo. Em ambos os casos, a visitação é permitida, desde que dentro das diretrizes estabelecidas pelo órgão gestor. Além de promover o lazer e o ecoturismo, o contato direto da população com essas UCs é essencial para fortalecer o vínculo entre as comunidades e o meio ambiente, promovendo a educação ambiental, o voluntariado e o engajamento na preservação do Cerrado.

Impactos sociais, ambientais e territoriais da concessão

No entanto, a concessão privada das UCs no DF ameaça essa realidade. Embora o ICMBio argumente que a concessão trará melhorias em estrutura, segurança, limpeza e transporte, além da ampliação e manutenção dos locais de visitação, movimentos sociais e entidades civis têm alertado para os possíveis impactos negativos à população e ao meio ambiente. Entre as preocupações estão a construção de estruturas de visitação, hospedagem e comércio sem estudos de impacto ambiental adequados, o estabelecimento de linhas de transporte para a barragem de Santa Maria (com riscos à fauna, à flora e à qualidade ambiental) e a cobrança de ingressos e taxas de estacionamento nas UCs. O acesso exclusivo à Flona, por exemplo, terá cobrança de R$ 10,00, e o acesso às duas unidades poderá custar até R$ 34,40 por pessoa.

Essas unidades estão inseridas em regiões periféricas como Ceilândia, Taguatinga e Brazilândia e representam um dos poucos refúgios naturais disponíveis à classe trabalhadora. Transformar o acesso ao meio ambiente em mercadoria, cobrando inclusive por espaços antes gratuitos, é aprofundar desigualdades e excluir parte da população que já sofre os efeitos das mudanças climáticas.

A lógica das concessões privadas visa ao lucro de grandes empresas, ignorando os reais benefícios (ou prejuízos) para o povo e a natureza. Enquanto isso, os investimentos públicos na área ambiental seguem insuficientes, ao passo que setores como o agronegócio — um dos principais responsáveis pela devastação ambiental no Brasil — recebem subsídios bilionários. O poder público continua sucateando os serviços, reduzindo verbas e recursos, para depois repassá-los à iniciativa privada a preços módicos.

A força da mobilização popular e da memória de Chico Mendes

Em 2024, a Flona foi atingida por incêndios que devastaram mais de 40% de sua área, sendo restaurada com a ajuda de centenas de voluntários do DF, que ajudou a recuperar trilhas, alimentar animais silvestres, realizar mutirões de limpeza e plantar mudas. A população local participa ativamente da vida na Flona e no PNB, não apenas com atividades de lazer, mas promovendo a abertura de trilhas, a prática de esportes e a educação ambiental. Restringir o acesso a quem pode pagar — e implementar mudanças que coloquem em risco a integridade do bioma — é um ato de exclusão contra a população e a vida selvagem.

O ICMBio, desde sua criação, é o órgão federal responsável pela gestão, conservação e proteção das UCs, devendo garantir sua manutenção com participação efetiva da sociedade civil. Mais do que isso, deve honrar o nome que carrega: Chico Mendes, seringueiro, trabalhador, sindicalista e defensor incansável da Amazônia e do meio ambiente — até sua morte, que permanece como ferida aberta na história dos trabalhadores no Brasil. Conceder à iniciativa privada a gestão de uma UC na capital do país é trair a luta histórica pela preservação ambiental no Brasil, uma luta que não se resume à proteção dos ecossistemas e dos recursos naturais, mas inclui o direito fundamental a um meio ambiente saudável e a um futuro sustentável para toda a população.

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