
Projeto do Exército tem projeção de ser uma área equivalente a 200 campos de futebol, e promete iniciar as obras em 2027. Um detalhe é que o projeto ameaça o meio ambiente, em uma área de preservação ambiental mas tem o Ministro da Defesa, José Múcio, que é pernambucano, como principal entusiasta da empreitada.
Milton Tenório- Recife*
A construção da Escola de Sargentos do Exército dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, no Grande Recife, é um escândalo anunciado. Trata-se de um crime ambiental em plena Mata Atlântica, que prevê a destruição de cerca de 200 mil árvores em uma das regiões mais estratégicas para a preservação ambiental e comprometer o abastecimento de água para cerca de um milhão de pernambucanos. É um ataque direto à biodiversidade, aos mananciais e à inteligência da população.
Mais do que devastar a flora, o projeto ameaça a fauna já fragilizada e compromete as nascentes do Rio Catucá, único rio que alimenta a Barragem de Botafogo, barragem essa que manda água para os municípios de Olinda, Paulista, Abreu e Lima e Igarassu.
Em vez de zelar pela segurança hídrica, o Exército avança com uma obra megalomaníaca, orçada em R$1,8 bilhão, incluindo 576 apartamentos para Oficiais e Sargentos — tudo bancado com dinheiro público, enquanto falta verba até para o almoço das tropas, onde também faltam verbas para as universidades federais e estaduais de Pernambuco. A escola de sargentos do exército é cinismo social, descaso ambiental e um deboche com a sociedade.
É inadmissível que o Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro — pernambucano — esteja à frente de uma ação tão desastrosa para seu próprio estado. Múcio se torna o maior símbolo do negacionismo climático, patrocinando a destruição de uma das áreas mais sensíveis do território pernambucano. A omissão — ou conivência — do Governo de Pernambuco também merece repúdio. A governadora Raquel Lyra utilizou a máquina pública e a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) para pedir a derrubada da decisão da juíza da Comarca de São Lourenço da Mata, que proibia obras públicas e privadas nos corredores ecológicos, e o presidente do TJPE, desembargador Ricardo Paes Barreto, atendeu ao pedido em decisão monocrática, escancarando o caminho para o desmatamento em larga escala.
Não há justificativa plausível para instalar uma escola militar em cima de nascentes, desrespeitando decretos estaduais que protegem corredores ecológicos. O que deveria ser um espaço de formação cidadã se converte em um exemplo desastroso de desprezo pelo meio ambiente. Que lição se pretende dar aos jovens? Que destruir florestas e comprometer o futuro do planeta é aceitável? Enquanto fazem discursos vazios sobre sustentabilidade, o que se vê é a prática da destruição acelerada. O que se vê é o poder público, o exército junto com o Governo Federal e Governo Estadual de Pernambuco cometendo greenwashing (maquiagem verde).
A realidade é trágica: o termômetro sobe, os oceanos se aquecem, os aquíferos secam — e ainda ouvimos falar em “compensação ambiental” como se isso justificasse a devastação. É uma grande mentira, um engodo que mascara as várias alternativas locacionais existentes para o projeto e estudadas pelo Fórum Socioambiental de Aldeia.
Dia 30 de maio desse ano saiu na mídia uma parceria do exército brasileiro com o DNIT numa tentativa de maquiar o movimento ecocidas dessas duas instituições, onde o exército pretende fazer compensação ambiental onde o DNIT for derrubando, o que parece tratar-se do Arco Metropolitano Trecho Norte, onde o DNIT e o Governo do Estado querem dividir a APA Aldeia Beberibe no meio, criando outro desmatamento e agressão a Mata Atlântica, deixando de ser um Arco, sendo que o Arco já posto é passando pelo município de Araçoiaba.
A matemática deles não bate, pois 90 hectares é o que o exército quer desmatar, ou seja, justamente o número de hectares que o exército quer desmatar para implantação da tal escola de sargentos. É cinismo social, é descaso ambiental, é zombar com a cara da sociedade. A AGU (Advocacia Geral da União) leia- se Jorge Messias, o advogado Geral da União, é outro pernambucano e negacionista climático, onde numa manobra, afirma que o Ibama não é o responsável para autorizar ou não a supressão da vegetação na APA Aldeia Beberibe, abrindo assim facilidade para o exército seguir com a ideia do desmatamento. O poder público se comporta como “Faça o que eu digo e não faça o que eu faço!”
O exército brasileiro não é e nunca foi exemplo para a sociedade
Na Guerra do Paraguai em 16 de agosto de 1869, a batalha conhecida como Acosta Ñu, segundo o historiador paraguaio Fabián Chamorro, foi protagonizada, do lado paraguaio, por crianças e adolescentes lutando. Todas dizimadas pelo exército brasileiro. Seu impacto foi tão forte que a data acabou virando o Dia da Criança no Paraguai. O exército brasileiro, no golpe militar de 1964, cassou mandatos legítimos de muitos parlamentares, perseguiu, torturou, matou. Já no Governo Bolsonaro em 2022 permitiu golpistas acampados nas portas dos quartéis.
Voltando ao tempo, em outubro de 2021 nos deparamos com a notícia do projeto da escola de sargentos do exército dentro da APA (Área de Proteção Ambiental) no Grande Recife.
Em 2024 o exército brasileiro junto com o Ministro da Defesa José Múcio Monteiro impôs ao Presidente Lula a dar um discurso quando esteve no Recife, discurso esse apoiando a implantação da escola de sargentos dentro da Mata Atlântica. Em parte do discurso infeliz se ouvia que “Se não fosse o exército aquela área seria INVADIDA e virado uma FAVELA”. O Presidente Lula simplesmente replicou as palavras já ditas em várias ocasiões nas audiências públicas da ALEPE-PE pelo General Joarez Alves Pereira Junior, outro negacionista climático dessa instituição.
O exército quer passar o trator em cima da Mata Atlântica. Esses senhores são lesa pátria; deveriam responder processo por atentar contra o meio ambiente de uma forma tão vil. Portanto, o exército brasileiro há muito deveria ser questionado, nas esferas do judiciário e no parlamento, por suas funções e quanto custa para nossa sociedade. Eles vivem com os pés no século XIX e abusam do poder e das mordomias.
Uma pergunta que não quer calar é por que o exército brasileiro, já tendo uma escola de sargentos em Minas Gerais, quer se instalar em Pernambuco e no Ceará instalar a escola do ITA (Aeronáutica)? Só os ingênuos não percebem a movimentação política desses generais de botarem os pés no nordeste, uma região de esquerda, e de resistência. É um viés ideológico, ao mesmo tempo em que se procura assegurar o capital de grupos, girando o vil metal.
Está na hora do exército brasileiro entender que a crise climática já chegou, respeitando o meio ambiente, a geração atual e as futuras gerações. Que legado o exército quer deixar para nossos filhos e netos: devastar florestas? Aterrar mananciais? Como bem disse o sociólogo francês Alain Accardo: “Tal qual Saturno devorando seus filhos, o capitalismo estende sua voracidade a tudo o que existe, sem se preocupar com sua própria reprodução a longo prazo: recursos minerais, vegetais, animais e até mesmo humanos, tudo passa, tudo está à venda, tudo se torna mercadoria e dinheiro. Até que o planeta inteiro se torne um vasto aterro de lixo fedorento, tóxico e inabitável. A menos que se pare essa loucura assassina antes que ela destrua tudo.”
*Milton Tenório é ativista ambiental e morador de Aldeia (PE)