O feminicídio de Rayana Rios, morta a facadas dentro de casa, expõe a violência patriarcal que segue vitimando mulheres no Espírito Santo.
Ana Thompson | Espírito Santo
No dia 9 de novembro (domingo), Rayana Bittencourt de Oliveira Rios da Silva, 36, foi assassinada a facadas dentro de sua própria casa e na frente de dois dos seus quatro filhos — a mais velha, 19, e o mais novo, de apenas cinco anos. Esse crime brutal ocorreu no município da Serra (ES) e se soma aos altos índices de feminicídio que colocam o estado entre os mais violentos do país. Luan dos Santos Braz, 29, foi indicado como o assassino por Khauny, a filha mais velha. Após o crime, o suspeito fugiu de carro e seu veículo foi encontrado abandonado na segunda-feira (10) na mesma cidade. Finalmente, na quarta-feira (12), em uma região de mata, o assassino foi encontrado e preso para investigação do caso. Além disso, é importante pontuar que Luan era namorado da vítima e descrito por familiares como extremamente ciumento e controlador.
Esse tipo de violência contra a vida de uma mulher no Espírito Santo não surpreende. Segundo o Mapa da Segurança Pública 2025, o estado registrou crescimento no número de feminicídios, além de apresentar uma média por número de habitantes acima da média nacional de feminicídio. Esse levantamento confirma a cultura misógina que atravessa diariamente as mulheres aqui presentes.
Reafirmando essa tendência, o Painel de Monitoramento da Violência Contra a Mulher, disponibilizado pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do ES, aponta que, somente em 2025, ocorreram 28 casos de feminicídios e 73 tentativas de feminicídio. Isso significa que, só neste ano, 101 mulheres foram atacadas no ES por agressores com intenção de matá-las, apenas por serem mulheres.
Nos dados exclusivos de feminicídio, o painel aponta que aproximadamente 90% das mulheres foram mortas por parceiros ou ex-parceiros, revelando que a ameaça contra suas vidas está fortemente presente em ambiente íntimo, embora o panorama em questão não exponha oficialmente o local dos feminicídios, isto é, não sabemos por essas informações se o crime aconteceu em via pública ou na residência da vítima. Contudo, os dados mostram que 75% das mulheres assassinadas eram negras, revelando o racismo estrutural que coloca as mulheres negras (pretas ou pardas) como as principais vítimas da violência letal no Espírito Santo.
A respeito das tentativas de feminicídio, o mesmo padrão racial está presente: a maior parte das mulheres atingidas são negras. Essa constante mostra que o quesito raça/cor é determinante e precisa ser central ao pensar políticas de prevenção e proteção contra essa violência. Além disso, mais de 60% das tentativas ocorreram na residência da vítima, o que reforça o abuso presente em espaços íntimos, mesmo que no caso das tentativas não tenhamos exposto em dados a relação do agressor com as mulheres. Esse cenário estabelece que mulheres sequer estão seguras em suas casas e no íntimo que deveria ser refúgio.
Sobre isso, é importante pensarmos que, apesar do avanço na pesquisa e divulgação de dados, há lacunas severas nesse painel. As estatísticas não detalham o local dos feminicídios consumados nem a relação das vítimas com os agressores
nas tentativas do crime, o que dificulta a realização de análises completas, como também a formulação adequada de políticas de prevenção mais específicas para a população atingida. Lamentavelmente, essa omissão é parte da realidade de um estado historicamente patriarcal e racista, como é o caso do ES.
Mesmo com essa limitação, os números em conjunto delimitam uma norma concreta: majoritariamente mulheres negras são vítimas de parceiros ou ex-parceiros dentro das próprias casas no ES. Essa circunstância aponta para a necessidade urgente de ampliação de mecanismos de prevenção e políticas de proteção voltadas à violência contra a mulher no estado. Mas o Espírito Santo está muito ocupado debatendo com o STF a (in)constitucionalidade da Lei nº12.479/2025, que garante aos pais e responsáveis o direito de veto à participação de seus filhos e filhas em atividades pedagógicas que abordem temáticas de gênero, identidade de gênero, orientação sexual e diversidade sexual. Lembrando que essa foi uma lei sancionada pela Assembléia Legislativa do Espírito Santo após o governador Renato Casagrande (PSB) não se manifestar a respeito, em outras palavras, um retrocesso educacional aprovado sem oposição por parte do governador. Assim, o estado investe tempo e recursos pensando se determinados retrocessos são constitucionais ou não em vez de avançar com políticas concretas que protejam as mulheres.
Enquanto Movimento de Mulheres Olga Benário do ES, pensamos que a defesa da vida das mulheres trabalhadoras é prioridade e, por isso, estamos construindo a Rede Araceli de Enfrentamento à Violência contra Mulheres e Meninas com o propósito de criar um espaço que, além de acolher e apoiar, fortaleça politicamente essas mulheres ampliando a compreensão das estruturas patriarcais, racistas e capitalistas que nos atravessam e nos querem mortas. Assim, lutamos para erguer uma sociedade socialista, antipatriarcal e antirracista.
Chega de casos de mulheres violentadas e mortas!