Como sabem, sou Professor da Universidade do Porto. Isto deveria bastar para me sentir muito orgulhoso, muito inchado, muito babado e extremamente feliz. E por quê? Porque, nos últimos sete anos, tanto nos discursos do Magnífico Reitor como nos documentos elaborados pela Reitoria da U. Porto, esta é enfaticamente apresentada como a ‘maior’, a ‘mais produtiva’ e a ‘melhor’ do país. Mais ainda, as mesmas fontes asseveram que, em 2020, a minha Universidade vai ser incluída no sacrossanto ranking das 100 melhores universidades do mundo!
A um indivíduo ‘normal’ isto bastaria para ter a alma a cantar de júbilo dentro do corpo e a querer saltar e dançar fora dele! Realmente não é fácil juntar tanto motivo justificador de uma existência eufórica. Só que eu sou ‘anormal’ e dissonante; pasme-se, não me incluo na ‘pauta’ e na escala vigentes na minha universidade! Nem aqueles tão altaneiros feitos me aliviam do estado de abandono, desalento, frustração e indignação em que me encontro. Para entender bem o revelado é importante prestar atenção ao não revelado!
Por um lado, a minha Universidade tem cometido traição, sim, traição, contra a missão a que está obrigada toda a instituição universitária como casa da Humanidade, da ética, da estética, da transcendência, da espiritualidade e da busca da verdade. Eu explico: os portugueses, entre os quais me incluo e se incluem todos os integrantes da universidade, têm sido sujeitos a um esbulho nos mais variados domínios. Ora nunca, repito, nunca o Reitor da minha Universidade, no decurso do seu longo mandato, tomou uma posição pública sobre este assunto.
Por outro lado, como se o ponto anterior não bastasse, o Magnífico Reitor da minha Universidade tem porfiado em implementar nela a ideologia e as medidas ditadas pela gadanha e seitoura mercadológicas. Docentes e não docentes, sobretudo os segundos, têm sido vítimas de autênticos vilipêndios.
Em suma, eu tenho vergonha por ver a minha Universidade ser cúmplice e conivente com a indecência que lavra no país, seja por concordância e complacência, seja por ação e omissão.
A Universidade precisa de um idioma que apele ao exercício da cidadania e à recusa do silêncio; que faça florescer a sensibilidade ao sofrimento alheio, a pulsão do altruísmo e da solidariedade, nas suas múltiplas modalidades, como método de resistir à gélida indiferença, tornada lei da selva humana e aceite como saída inevitável; que leve a olhar o rosto do outro não como dispensável e inútil, mas como nosso semelhante e obrigue à responsabilidade por ele; que fale da fragilidade, vulnerabilidade e precariedade da condição humana, comuns a todos; que nos desvie da tentação de encarar a vida dos outros como dispensável, supérflua e estranha à nossa; que ajude a perceber as circunstâncias que fazem as vidas menos ou mais ‘choráveis’; que nos intime a denunciar os atropelos da dignidade humana, da integridade e honestidade, a exigir a restituição da humanidade ameaçada e a reposição da justiça espoliada; que nos vincule uns aos outros; que nos galvanize a dizer aos nossos governantes e representantes que eles não são donos ou colonizadores de nós, nem nós seus servos ou escravos, que não podem privar-nos dos direitos e considerar-nos imigrantes ilegais na própria pátria, que não podem decidir a bel-prazer como base ou só no voto ou só na lei, sob pena dos escrutínios eleitorais serem cada vez mais uma treta, que temos o direito de existir e eles o dever de garantir o cumprimento dos valores basilares da vida e da convivência humana e democrática.
Será um excesso infundado desejar que o Reitor da minha Universidade não seja sósia dos políticos neoliberais, fanáticos e sem inquietudes humanistas, que nos tocaram em sorte? Provavelmente é um exagero da minha parte! Se assim for, exibo como desculpa a inépcia para compreender o novo e triunfante figurino deste mundo e para me conformar a uma noção mercadológica de Universidade.
Jorge Bento é Professor Catedrático da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto (Portugal)