Queremos uma sociedade de paz, mas não de uma paz de cemitério

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frei gilvanderQueremos uma sociedade de paz, mas paz como fruto da justiça e jamais paz de cemitério, a alardeada pela mídia.
Resposta ao Editorial do Jornal Nacional da TV Lobo, dia 10/02/2014

A mídia brasileira está esbravejando contra o/s rapaz/es que jogou/jogaram o rojão que matou o cinegrafista da TV Band Santiago Ilídio Andrade, na última quinta-feira, dia 06/02/2014, em uma justa manifestação popular contra o aumento do preço das passagens de ônibus no Rio de Janeiro. A mídia está tentando vender a ideia de que a violência que levou Santiago à morte aos 49 anos é a maior e pior violência que acontece no Brasil. Ledo engano. Mentira! Querem continuar com uma cortina de fumaça que impeça o povo de ver muitas outras violências execráveis.

Mas… Primeiro, nossa solidariedade à esposa de Santiago, à filha, aos seus parentes e amigos/as. Segundo, lamentável um trabalhador honesto, gente boa, ter sido vitimado no exercício de sua profissão. Terceiro, alardear que “manifestação é direito de todos, mas deve ser sempre pacífica” é, na prática, defender o status quo opressor. É sabido que “manifestação pacífica” não faz nem cócegas nos detentores dos podres poderes da economia e da política. Se “manifestação pacífica” bastasse, não seria necessária greve de trabalhadores por melhores salários, nem ocupação de terra no campo e na cidade. A reforma agrária já teria sido feita. Os salários seriam justos.

A mídia criminaliza as atitudes que excedem ao “padrão pacífico” das manifestações, condenando furiosamente os Black blockers. É preciso asseverar que só conquistaremos uma sociedade de paz com justiça quando eliminarmos muitos outros tipos de violência que arrebentam disfarçadamente com milhões de pessoas brasileiras.

Faremos referência a doze outros tipos de violência. Poderíamos citar muitas outras, mas para a lista não ficar muito grande, citaremos doze apenas, abaixo.

1) Violência do latifúndio e dos latifundiários, que seqüestram a terra em poucas mãos gananciosas, expulsam o povo camponês para as periferias das cidades.

2) Violência do agronegócio que, com uso indiscriminado de agrotóxico envenena a comida do povo brasileiro, gera “epidemia” de câncer, submete milhares de trabalhadores a situação análoga à de escravidão, devasta o ambiente, a biodiversidade.

3) Violência da democracia representativa que, via de regra, elege e reelege os representantes do poder econômico e privatizam os recursos públicos deixando na miséria o povo submetido à via crucis do SUS, a um salário mínimo injusto, à especulação imobiliária que expulsa paulatinamente as famílias pobres para as periferias das periferias das regiões metropolitanas.

4) Violência do poder religioso, que, de forma fundamentalista, proselitista, segundo os ditames da Teologia da Prosperidade, usa e abusa do nome de Deus para lucrar, lucrar.

5) Violência que tem jogado centenas de pessoas nas ruas de todo o Brasil, sem as possibilidades mínimas de acesso a moradia e demais direitos fundamentais, submetidas aos mais terríveis crimes.

6) Violência da Política econômica neoliberal (neocolonial) que desde Collor de Melo, passando por FHC, Lula e agora com Dilma Rousseff suga da classe trabalhadora grande fatia do orçamento do país e repassa para uns poucos banqueiros gigantes para pagar os juros da dívida pública, asfixiando, assim, o SUS, a educação pública e adiando indefinidamente a realização de uma Reforma Agrária Popular.

7) Violência da polícia que continua torturando milhares de jovens negros e empobrecidos diariamente pelo Brasil afora.

8) Violência do sistema penal e carcerário brasileiro que, como campos de concentração, subtraem muito mais do que o direito de ir e vir e impõe castigo os presos pela superlotação dos presídios, pelas condições degradantes e desumanas das prisões.

9) Violência escondida e subliminar das propagandas televisivas que seduzem de crianças a idosos reduzindo o ser humano a mero consumidor de mercadorias, muitas delas supérfluas e inúteis. É a idolatria do mercado e do capital.

10) Violência da injustiça social que sustenta um déficit habitacional acima de 7 milhões de moradias, condenando, por isso, milhões de famílias à cruz do aluguel e à humilhação que é sobreviver de favor.

11) Violência virtual que incita a violência real. Refiro-me à violência dos jogos de vídeo games, dos filmes que fazem apologia da violência, das reportagens sensacionalistas.

12) Violência social que, em grande parte é fruto de todas as violências listadas, acima.

Enfim, quem de fato e em última instância gera violência no Brasil? Paulo Freire, na Pedagogia do Oprimido, diz que a classe dominante adora chamar os violentados de violentos quando os oprimidos ousam levantar a cabeça e, de forma organizada e coletiva, se rebelam contra o sistema que os violenta. Colocar panos quentes em cima das feridas do povo brasileiro não constrói uma sociedade de paz. Aliás, aprofunda a violência. Em uma sociedade injusta estruturalmente só a luta por justiça pode trazer mudanças reais a favor do povo. Luta que não incomoda os poderosos não é luta por justiça.

Por frei Gilvander Moreira
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