Legado de Dorothy Stang permanece vivo nos povos da Amazônia

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A file photo of Missionary sister Dorothy Stang in Brazil's Amazon

Em 12 de fevereiro de 2005, foi assassinada, aos 73 anos, a missionária Dorothy Stang, conhecida como Irmã Dorothy. A vítima levou com sete tiros numa emboscada na zona rural de Anapu, a 500 km de Belém do Pará. Os mandantes, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Galvão, o Taradão, latifundiários com terras ao longo da transamazônica, tinham o intuito de eliminar a missionária e acabar, pelo medo, a luta pela reforma agrária na região. Contudo, a crueldade e a covardia que envolveu o homicídio ganhou notoriedade nacional e internacional e gerou protestos em várias partes do mundo.

Para relembrar os dez anos de martírio da Irmã Dorothy, centenas de pessoas participaram, no último dia 12 de fevereiro, em Belém, de um ato ecumênico em sua memória. Logo após, os presentes e demais ativistas sociais dirigiram-se à Praça dos Mártires de Abril (referência ao massacre dos 21 trabalhadores rurais em El Dorado dos Carajás), onde realizaram ato público, que contou com a presença da CNBB, do MST, da SDDH, do Comitê Dorothy, que declarou: “Dorothy lutou pelo projeto de desenvolvimento sustentável, na região de Anapu, Oeste do Pará, e morreu lutando pela sua implantação, conquistando a criação de dois projetos, o Virola Jatobá e o Esperança, em torno do mesmo município. Os projetos continuam vivos, produzindo e mantendo vivo o legado de Dorothy, e os agricultores mantém hasteada a bandeira da reforma agrária”. O coordenador geral da CPT, padre Paulo Joanil da Silva, declarou: “Infelizmente as mortes continuam a ocorrer e a impunidade persiste. Muitos casos não são julgados. Falta vontade política para fazer reforma agrária e para fazer justiça”.

Amazônia e reforma agrária

A disputa pela posse da terra na Amazônia agravou-se após o golpe militar de 1964. Com o objetivo de explorar as riquezas e aumentar a densidade demográfica na região, a ditadura fascista criou programas para atrair imigrantes camponeses, principalmente das regiões Nordeste e Sul. Porém, ao chegarem à região, depararam-se com poucos loteamentos disponíveis, apesar da vastidão de terras. Nesta situação atuaram (e continuam atuando) os grileiros, que falsificam escrituras para tomar as terras públicas e os lotes concedidos a uma parte dos trabalhadores, contando com o apoio das superintendências administrativas e policiais.

Em 1966, Dorothy deixou os Estados Unidos, sua terra natal, com destino à Amazônia (primeiramente o Maranhão e posteriormente o Pará) para atuar como missionária a serviço da congregação católica Irmãs de Nossa Senhora de Namur. Seus primeiros contatos a revelaram uma situação de extrema miséria à qual são submetidas as famílias campesinas, e imediatamente ela integra-se à luta pela reforma agrária e por justiça social no campo, integrando a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Já no Município de Anapu, Dorothy trabalha como professora e ajuda a construir a primeira escola de formação de professores da zona rural, a Brasil Grande, e defende, com voracidade, projetos de uso sustentável da terra sob o controle de associações de trabalhadores rurais. Algumas áreas são conquistadas pelos trabalhadores por meio da luta, o que gera o ódio dos latifundiários da região.

Uma das áreas coletivizadas distanciava apenas alguns quilômetros da rodovia transamazônica,, e a administração coletiva da terra aumentou sua produtividade e melhorou os pontos de acesso onde antes era mata fechada. Os latifundiários, tendo à frente Vitalmiro e Regivaldo, com a intenção de expandir suas fazendas, adulteraram inúmeros documentos e escrituras para tomar a terra dos trabalhadores. Porém, através de denúncias e mobilizações, encabeçadas pela missionária Dorothy, a terra permaneceu sob controle popular, mas ela passou a receber inúmeras ameaças de morte.

A Justiça Federal chegou a oferecer, formalmente, proteção, entretanto, Dorothy intervém com a seguinte frase: “Aceitarei a proteção policial somente se forem protegidas todas as famílias da associação, caso contrário, agradeço, porém rejeitarei a oferta”. A justiça nega proteção coletiva e demonstra negligência, que termina por favorecer os latifundiários. Eis uma das últimas declarações da missionária: “Não vou fugir nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta”.

No dia da emboscada, uma testemunha relatou que, antes de receber os disparos que lhe ceifaram a vida, ao ser indagada se estava armada, Irmã Dorothy afirmou “eis a minha arma!” e mostrou a Bíblia.

O mandante do crime, Vitalmiro, foi condenado a 30 anos de prisão, depois inocentado, e novamente condenado a pena máxima, porém já encontra-se em regime semiaberto e a qualquer momento pode conseguir liberdade plena. A negligência, por parte da Justiça, em relação à investigação ao segundo mandante, o fazendeiro Regivaldo Galvão, o Taradão, tem gerado reclamações. Julgado e condenado, o fazendeiro recorreu e conseguiu um habeas corpus, o qual o permitirá aguardar o fim do processo em liberdade. Também existe a possibilidade de ter havido um acordo entre latifundiários e empresários da região por trás da morte da missionária, porém a Justiça negou uma investigação aprofundada da suspeita.

O caso Dorothy é um dos muitos que assolaram a sociedade, criaram mártires e levaram a opinião pública a debater sobre os conflitos fundiários, as ameaças aos trabalhadores rurais, a lentidão da Justiça e a necessidade de uma transformação profunda das relações no campo.

Debora Monteiro e Matheus Nascimento, Belém