A revisão da Lei da Anistia da ditadura sucumbiu à forte pressão militar exercida pelos comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica na manhã desta quinta-feira (09/07), no Senado Federal. Esta é a certeza do senador Randolfe Rodrigues (PSO-AP), autor da proposta de lei rejeitada numa sessão rápida e esvaziada da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE): apenas cinco dos 19 senadores que integram a comissão estavam presentes. Por votação simbólica, na sessão presidida pelo senador Aloísio Nunes Ferreira (PSDB-SP), apenas dois senadores — Lasier Martins (PDT-RS) e Lídice da Mata (PSB-BA) — votaram a favor da proposta que redefine crimes conexos, excluindo dos benefícios da anistia os agentes da repressão que torturaram e mataram no período de 21 anos da ditadura.
”Nos últimos dias, vários senadores me relataram o assédio que sofreram de emissários das Forças Armadas que pregavam a manutenção da impunidade que a anistia de 1979 garante aos torturadores no Brasil”, revelou o senador Randolfe Rodrigues.
O esvaziamento da sessão da CRE confirma a denúncia do senador do PSOL, que apresentou em 2013 o seu enxuto projeto de lei (PLS) 273, que se fundamenta em apenas cinco linhas do Art. 1º: “Não se incluem entre os crimes conexos, definidos no art. 1º, parágrafo 1º da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, aqueles cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de qualquer forma, se opunham ao regime do governo vigente no período por ela abrangido”.
Tutela militar
Na véspera da votação, alguns senadores receberam em mãos uma alentada nota técnica do Ministério da Defesa, com o brasão da República e a origem do documento: “Ministério da Defesa – Gabinete do Ministro – Assessoria Parlamentar”. Intitulado ‘Posicionamento sobre Proposição Legislativa nº 112/2013’, o documento sem data abrange 11 páginas e tem a assinatura de Ivan Cavalcanti Gonçalves, identificado como Assessor Especial do Ministro da Defesa e Coordenador das Atividades Parlamentares. Ele não se apresenta, ali, como coronel da reserva da Arma da Cavalaria, sua origem funcional.
A intenção do documento, segundo Randolfe Rodrigues, é a orientação de voto dos senadores: “Isso é inaceitável. Vivemos numa democracia e os senadores não precisam da tutela militar para assumirem suas opiniões e decidir livremente pelo voto. A decisão de revisar ou não a lei de anistia, acabando com a impunidade para os torturadores, cabe exclusivamente aos parlamentares. As Forças Armadas não podem influir no Congresso e cabe aos militares cumprir as leis emanadas do Parlamento e acatar as ordens de sua comandante-em-chefe, a presidente Dilma Rousseff, aliás uma ex-guerrilheira que foi presa e torturada na ditadura”.
Randolfe contou que, sempre que encontrava o senador Aloysio Nunes Ferreira, ouvia do senador tucano um gracejo: “Pô, Randolfe, você está querendo revogar a Lei da Anistia para me botar na cadeia?”. Militante comunista na ditadura, Aloysio atuava na clandestinidade como membro da Ação Libertadora Nacional (ALN), sob o pseudônimo de ‘Mateus’, e durante muito tempo foi motorista e guarda-costas de Carlos Marighella, o líder guerrilheiro da ALN.
O senador do PSOL esclarece, sempre que pode, que seu projeto não revoga a anistia de 1979, apenas exclui os torturadores de seus benefícios. “Tortura é um crime imprescritível, um delito de lesa-humanidade, e o Brasil é o único país do mundo que não tem um único torturador preso, sequer denunciado. Não queremos botar velhinhos na cadeia, não procuramos vingança. Queremos apenas que a Justiça cumpra sua missão e declare quem torturou, e que elas assumam suas responsabilidades”.
Brasil condenado
A lei da anistia, lembra Randolfe, foi desenhada pelos militares ainda no Governo Figueiredo, o último do ciclo de generais-presidentes, e foi aprovada num Congresso mutilado pelas cassações dos atos institucionais. “Em 1979, a Arena, o partido da ditadura, tinha 221 cadeiras na Câmara dos Deputados, e o MDB, partido da oposição, apenas 186. E a anistia desenhada pelos quartéis foi aprovada por apenas cinco votos, 206 contra 201. Não foi, portanto, um ato de consenso nacional, como alguns ainda mistificam”, disse Randolfe.
O Brasil já foi condenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA em 2010 por não ter punido os responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas, entre 1972 e 1974, na repressão à guerrilha do Araguaia. “Foi o maior movimento de contestação à ditadura pela luta armada na zona rural, organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Lá estão enterrados e desaparecidos muitos de seus integrantes. Por isso, fiquei triste em ver que minha querida senadora Vanessa Grazziotin, que representa o PCdoB pelo Amazonas, não compareceu à sessão da CRE do Senado votando a favor do projeto que acaba com a impunidade e o anonimato dos violadores de direitos humanos do Araguaia”.
A proposta de Randolfe Rodrigues para revisar a lei de anistia, agora rejeitada na Comissão de Relações Exteriores, já tinha sido aprovada na Comissão de Direitos Humanos (CDH). Agora, a proposta será apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça, em data ainda não definida. O último cenário do embate para cessar a impunidade aos torturadores será o plenário do Senado Federal. Antes disso, Randolfe irá promover uma audiência pública para debater a questão. “Espero que, até lá, cesse qualquer pressão indevida das Forças Armadas para induzir o voto dos senadores”, finaliza Randolfe Rodrigues.
Via Assessoria de Imprensa do Senador Randolfe Rodrigues