O golpe institucional que derrubou a presidenta Dilma em 31 de agosto de 2016 instituiu uma verdadeira república de banqueiros em nosso país. É verdade que já vivíamos sob uma política econômica que garantia enormes privilégios para os super-ricos, para a grande burguesia, e migalhas para o conjunto da classe trabalhadora. No entanto, a situação ficou inegavelmente pior, pois o principal golpe foi contra os trabalhadores e trabalhadoras.
Mas por que, mesmo sob um governo golpista, que destrói direitos históricos com a chamada reforma trabalhista ou com a PEC que congelou por 20 anos os investimentos em educação e saúde, não se tem uma revolta generalizada que derrube o atual governo ilegítimo de Temer e do PMDB? Alguns vão responder: “é necessário alterar a correlação de forças”, ou seja, os de baixo, o conjunto dos explorados, precisam tomar consciência, se unir, ir à luta e passar a ter mais força dos que os que dominam. Mas por que, mesmo com tantas manifestações, ocupações, greves, isso não aconteceu?
A esta pergunta tentaremos responder com uma breve análise das posições apresentadas no movimento popular neste último período pós-golpe.
Vivemos dois importantes momentos em que houve a possibilidade real de alterar esta correlação de forças.
O primeiro foi durante o processo do impeachment, em 2016, quando as manifestações foram crescendo em todo o país até o dia da votação pelo Senado. Se, nesse dia, estava sendo consumado um golpe, então, além das manifestações, eram necessárias ações mais ousadas, como a ocupação do Congresso Nacional, a resistência da presidenta golpeada, a radicalização do enfrentamento com os golpistas, etc. Mas a postura da direção majoritária dos atos, do PT, do PCdoB, entre outros, foi outra: assistir num telão à votação e desestimular ações radicalizadas. Resultado: refluxo nas manifestações e mobilizações gerais.
O segundo momento foi quando, em outubro e novembro de 2016, estudantes secundaristas de 22 estados ocuparam mais de 1.400 escolas. O movimento se iniciou no Paraná e ainda obteve apoio dos estudantes universitários que ocuparam mais de 100 universidades. Lutavam contra a reforma do ensino médio e a PEC dos gastos públicos, luta essa que incentivou outros setores sociais a seguirem esse caminho. O efeito concreto desse enorme exemplo da juventude ocorre já no início de 2017, marcado pela convocação de uma grande greve nacional da educação. Março começa com grandes atos do Dia Internacional da Mulher, seguidos dos atos do dia 15 e do dia 31 de março, quando milhões de pessoas foram às ruas pelo “Fora Temer” e contra as reformas trabalhista e da Previdência. Seguiu-se com a realização, em 28 de abril, da maior greve geral da história do Brasil, em que 40 milhões de trabalhadores cruzaram os braços, e depois com a marcha à Brasília, com mais de 200 mil pessoas, no dia 24 de maio. Daí em frente, ficou evidente que havia uma enorme disposição de luta da classe trabalhadora e uma nova greve geral foi convocada para o dia 30 de junho pelas centrais sindicais.
No entanto, em vez de avançar essas lutas e garantir a greve no dia 30 de junho, vários setores passaram a principalizar a campanha pelas “Diretas Já”. Sabemos que eleições diretas são mais democráticas do que eleições indiretas, mas bem pior foi o que acabou acontecendo. A tática de priorizar as diretas se transformou no abandono da greve geral e das lutas contra a reforma trabalhista, e acabou dando no “Fica Temer até 2018”. Algumas centrais sindicais participaram, inclusive, de uma reunião com Temer no Palácio do Planalto. Deste modo, a grande possibilidade de uma nova e gigantesca greve que podia, dentre outras coisas, ter impedido a aprovação da reforma trabalhista e tornado o Governo Temer insustentável ou, no mínimo, levado a uma maior radicalização das lutas da classe trabalhadora, resultou em uma greve geral bem menor que a anterior. A partir daí, veio uma nova reconciliação com parte do PMDB, mais precisamente com Renan Calheiros e Sarney, e uma sequência de equívocos, que tirou o foco das lutas. Infelizmente, tamanho absurdo não pode ser creditado simplesmente a um erro tático, mas é parte de uma política que visa à conciliação entre as classes.
Romper com as ilusões
É necessário romper com as ilusões de que somente com o caminho das eleições é que podemos mudar o país. Isso não significa a não participação nas eleições, pois, se assim procedermos, o povo ficará apenas sob a influência dos partidos de direita. Falamos isso por vários fatores. Um deles está além das nossas fronteiras. Precisamos ver a situação internacional, como a que nos mostra uma possível intervenção militar imperialista na nossa vizinha Venezuela. Além disso, os governos dos ricos apontam para o desmonte dos direitos sociais e a cartilha neoliberal mundial aponta para o mesmo caminho, diminuindo direitos trabalhistas, previdenciários, aumentando o pagamento dos juros, transformando os trabalhadores em escravos.
Os ataques feitos pela grande burguesia e seu governo visam ao enriquecimento ainda maior destes setores, que não passam de 1% da população, mas que são os donos dos bancos, das grandes empresas, das terras, da energia e das telecomunicações, ou seja, mandam e desmandam em nosso país e querem se apropriar ainda mais do fruto do trabalho de milhões e milhões de trabalhadores e trabalhadoras, das riquezas naturais e privatizar a Eletrobrás e os Correios.
Essa política “produz acúmulo de riqueza em um polo” e aumento de “pobreza, miséria, tormento de trabalho no lado oposto”, como nos ensina Karl Marx, provocando mais de 14 milhões de desempregados e um verdadeiro caos social em todo o país. Não será se abraçando com essas classes exploradoras e nem com seus políticos, pedindo a eles “por favor, explorem menos os trabalhadores” que dias melhores virão para nossa classe.
Por isso, neste momento, a construção da Unidade Popular (UP) é a mais importante tarefa para os que querem uma verdadeira transformação do país, uma vez que os atuais partidos ditos de esquerda não pretendem nenhuma mudança profunda, mas apenas voltar ao governo para manter as mesmas classes dominantes no poder. Por isso, é urgente concluirmos o processo de organização da UP, partido que nasce nessa conjuntura de enfrentamentos e radicalização e se propõe a ser um dos polos aglutinadores de novas forças que nos permitam avançar. Para isso, nunca foi tão atual a necessidade de desenvolver um grande trabalho de base nas favelas, nas ocupações, nos bairros populares, nas escolas e universidades, nas empresas e fábricas, levando a mensagem de esperança, com humildade, autoconfiança e combatividade.
Leonardo Péricles é presidente da Unidade Popular