Seguir a luta antimanicomial segue mais atual do que nunca, uma vez que o governo Bolsonaro vem promovendo uma série de mudanças na Política Nacional de Saúde Mental.
Por Rodrigo Faddoul
Rio de Janeiro
SAÚDE – Ontem (18) foi o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. O movimento de luta antimanicomial teve início com o italiano Franco Basaglia, psiquiatra falecido em 1980. Basaglia esteve à frente do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, nos anos 60, e lá presenciou vários abusos no tratamento de pacientes com problemas mentais. Decidiu, então, reunir sua junta de psiquiatras e alterar a maneira prática e teórica de se tratar os pacientes. Tais mudanças ficaram conhecidas como Psiquiatria Democrática ou “Movimento de Negação Psiquiátrica”.
O médico italiano estava certo que a psiquiatria não era suficiente para tratar seus pacientes, muito menos o isolamento ou o internamento indefinido em manicômios. Ele percebeu que muita vezes essas medidas até mesmo agravavam o quadro dos pacientes. Para ele, o correto seria um atendimento comunitário e de ambulatório com características terapêuticas.
Outro ponto de ruptura de Basaglia com os tratamentos convencionais da época foi a sua recusa em continuar com a prática que tornava os pacientes objetos de observação destituídos de direitos humanos e civis. Basaglia publica em 1968 “A Instituição Negada”, livro onde revela e expõe suas práticas no Hospital Psiquiátrico de Gorizia.
Em 1973, Basaglia dirige o Hospital Psquiátrico de Triesti, que viria a ser referência mundial para a reformulação da assistência em saúde mental, credenciado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 1978, a Itália aprova a Lei 180 (Lei da Reforma Psiquiátrica), que influenciou o modelo de tratamento e a luta pelo fim das instituições manicomiais ao redor do mundo, inclusive servindo de base para a Reformulação do Sistema Psiquiátrico no Brasil, que até hoje ainda não foi totalmente concluída.
A luta antimanicomial no Brasil
Em nosso país, a luta antimanicomial ganha força e proeminência na década de 1970, quando diversos movimentos e profissionais ligados à área da Saúde Mental denunciam os abusos e nas instituições psiquiátricas. Isso levou à criação do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que também contava com a participação da sociedade e de familiares de pacientes psiquiátricos, e tinha como finalidade alavancar uma reforma psiquiátrica no Brasil. Vale destacar que o Movimento Sanitário também somou forças na luta antimanicomial junto ao MTSM.
Um grupo de defensores das reformas antimanicomiais se reuniu em 18 de maio em 1987, e desse encontro saiu a proposta definitiva de reformulação do sistema manicomial e psiquiátrico brasileiro. Daí ser o dia 18 de maio o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
As bandeiras do movimento era a maior participação dos pacientes psiquiátricos na sociedade, maior enjangamento da família no tratamento, troca da clausura pelo convívio familiar e social, com atendimentos terapêuticos e ambulatoriais, proibindo o Estado de construir novas instituições psiquiátricas de internação.
Ainda hoje essa reforma não está completa. Na década de 1990, foram instituídos através das leis federais 8.080/90 e 8.142/90 os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral.
Em 2001, foi promulgada a Lei Paulo Delgado (10.216/01), garantindo aos pacientes da saúde mental um tratamento menos invasivo, priorizando a reinserção do paciente no ambiente familiar e na sociedade, no trabalho e na comunidade. As informações sobre as condições do paciente e seu tratamento passam a ser um direito do mesmo, há a garantia de proteção contra abusos e exploração, bem como a proibição de internações compulsórias.
Nos dias atuais, no entanto, nunca foi tão importante retomar essa luta, pois recentemente, em fevereiro de 2019, uma Nota Técnica do Ministério da Saúde (11/2019) dispôs sobre mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e na Política Nacional sobre Drogas, afrontando a Lei 10.216. Essa NT determinou a ampliação de leitos de internação em hospitais psiquiátricos e nas chamadas “comunidades terapêuticas” dentro da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), o que é claramente uma política de retomada manicomial. Foi financiada também a compra de novos aparelhos de eletrochoque pelo Ministério da Saúde para o controverso tratamento de eletroconvulsoterapia.
Tal política de retomada manicomial negligencia toda a luta pela humanização psiquiátrica travada até aqui, financia instituições de cunho duvidoso, muitas delas ligadas a igrejas evangélicas e, principalmente, tal política tira investimento dos CAPS, enfraquecendo-os e fazendo com que a política de reinserção familiar e comunitária seja relegada.
Dessa forma, a luta antimanicomial é também um ato de resistência ao atual desgoverno e à sua necropolítica, ao fundamentalismo religioso que tenta se impor sobre a ciência e ao desmonte dos CAPS e do SUS.