Por Rivaldo Sanguinett e Rodrigo dos Santos
RECIFE – A medida Provisória 984/2020, editada por Jair Bolsonaro, transformando o clube mandante das partidas como o único detentor dos direitos de transmissão e consequentemente podendo vender livremente seus jogos. Ela tem sido apresenta com o principal argumento por parte dos cartolas e do governo a democratização do acesso dos torcedores às partidas de futebol e alterar a dinâmica da venda dos jogos no país.
Se utilizando dessa premissa, o Flamengo transmitiu seu primeiro jogo como mandante, no retorno do campeonato carioca, em seu canal no Youtube, atingindo a nona transmissão mundial de visualizações simultâneas e a primeira no mundo de um evento esportivo, garantindo a bagatela, segundo dados do próprio clube, de mais de R$ 800 mil reais com ingressos solidários.
Vale lembrar que o Flamengo e o Vasco da Gama foram os principais clubes a encampar a volta do futebol no Brasil. A pressão para a volta dos jogos no meio de uma pandemia num estado onde o sistema de saúde está em colapso é apenas mais uma prova que os cartolas não pensam nos torcedores, em sua ampla maioria trabalhadores pobres.
MP não democratiza, privatiza mais o acesso!
Como uma espécie de degustação, tática muito usada pelas gigantes Netflix, Spotify, entre outras, no jogo válido pela semifinais do segundo turno, o clube carioca anunciou a cobrança no valor de R$ 10,00 reais para o seu torcedor ter acesso ao jogo. Essa prática só evidenciou que essa MP veio para ser mais um passo no projeto de elitização do nosso futebol.
A torcida do Flamengo prontamente ocupou as redes sociais e realizou diversas campanhas contra a cobrança para o acesso à transmissão do jogo do Flamengo. Inclusive os muros da Gávea amanheceram pichados pela torcida, com os dizeres “O Flamengo é do povo”! A Pressão da torcida fez a diretoria do clube voltar atrás minutos antes do jogo e liberar o acesso para a torcida sem pagamento, mostrando que a pressão popular é fundamental na garantia da democratização do acesso aos jogos.
Porém, esse processo de elitização vem a cada ano se aprofundando no Brasil, e se acelerou após a copa do mundo, com o fim da geral no Maracanã e a era das arenas, ocasionando o aumento substancial nos valores do ingresso dos jogos. Ao mesmo tempo em que os clubes abraçam e fortalecem os programas de sócios torcedores, uma espécie de fidelização de “clientes”, transformando a visão de torcedor para consumidor, afastando a classe trabalhadora dos estádios de futebol.
Em 2018 a UEFA, divulgou os valores do ingresso médio das principais ligas na Europa, fazendo uma comparação de forma proporcional ao salário-mínimo. Apenas as ligas inglesa e espanhola seriam mais caras que os custos de ir ao jogo do campeonato brasileiro:
Novas plataformas de transmissão não garantem acessibilidade ao povo
Mas assistir ao jogo em casa também está ficando mais caro: a cada ano, os jogos importantes estão ficando raros na TV aberta. Em 2019, se conta nos dedos a quantidade de clássicos transmitidas na TV aberta. No mesmo ano, houve um aumento de 45% em jogos do pay-per-view (além de pagar o pacote de TV a cabo o torcedor teria que desembolsar mais R$ 59,00 por mês para ter acesso exclusivo aos jogos de seu clube de coração).
Além disso, surgiram os canais de streaming DAZN, Live FC, entre outros, aumentando o custo para ter acesso a outros torneios e partidas. Por fim, surgiu essa alternativa do Youtube e outras redes sociais que, mesmo tendo seu “acesso grátis”, é excludente pela realidade socioeconômica do nosso povo. Só para se ter uma ideia mais de um terço da população brasileira não tem acesso à internet; dos que tem acesso, 30% conseguem pagar uma internet com valor acima de R$70,00 que é a média de valor para uma internet acima de 20MB, 18% tem internet compartilhada com o vizinho, 56% usam o celular como único meio para acessar a internet, sendo que quase 30% usam a tecnologia 3G ou 4G como principal acesso à internet.
Vale lembrar que, segundo a Netflix, uma das companhias mais conhecidas de streaming de entretenimento do mundo, é gasto de 1GB a 3GB por hora de transmissão, dependendo da qualidade dos vídeos. Ou seja, em uma partida de futebol o torcedor brasileiro, além de pagar pelo ingresso para ter acesso à transmissão, gastaria ao menos 2GB dos seus dados móveis para assistir ao jogo. Estamos falando do país que tem a segunda maior concentração de riqueza do mundo e é o sétimo mais desigual do mundo.
Democratizar os meios de comunicação é uma tarefa urgente!
Com o falso argumento de que os clubes precisam faturar, o futebol vai ficando cada vez mais distante da classe trabalhadora, com ingressos mais caros, jogos exclusivos na TV paga e nos canais de streaming na internet. No capitalismo, o futebol deixa de ser uma paixão para ser uma máquina de lucros e um espetáculo apenas para rico ver.
O futebol faz parte da nossa cultura, é necessário uma democratização urgente dos meios de comunicação e de acesso ao futebol, seja ela pela TV ou nos estádios.