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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Mineradoras fazem “terrorismo de barragem” em MG

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Ação de moradores contra ações da Vale na comunidade de Antonio Pereira. Foto: Comitê Popular Pereira de Luta

Por Hellen Guimarães e Tacimira Fabiana

OURO PRETO, MARIANA E REGIÃO/MG – Em meio a uma das maiores crises sanitárias da história, a criminosa Vale e a Prefeitura de Ouro Preto determinam a evacuação das famílias nas proximidades da barragem Doutor, no distrito de Antônio Pereira.

Considerada pelo governo federal como uma atividade essencial, a mineração segue a todo vapor durante a pandemia de coronavírus, incluindo as atividades de pesquisa, extração e beneficiamento mineral. Nos últimos meses, as mineradoras têm sido as principais responsáveis por ampliar a contaminação comunitária e aumentar exponencialmente o número de casos de Covid-19 nos municípios que exploram.

Em Mariana, cidade de médio porte mas com intensa atividade mineral, até agora, já foram confirmados mais de 600 casos da doença. Além de expor à vida de milhares de trabalhadores e trabalhadoras à contaminação e morte por Covid-19, as empresas têm se aproveitado deste momento para acelerar seus projetos e garantir seus interesses nos territórios, promovendo terror nas comunidades com barragens de rejeitos, como no distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto.

Vizinho de Bento Rodrigues, território devastado pelo rompimento da barragem de Fundão em 2015, Antônio Pereira é um dos treze distritos de Ouro Preto historicamente marcados pela mineração predatória. Embora, geograficamente, esteja localizado nas proximidades de Mariana, suas reservas de bauxita, ferro e topázio e a riqueza extraída do seu subsolo foram motivos mais que suficientes para que Ouro Preto mantivesse o distrito sob sua administração desde o século XIX.

No entanto, os royalties arrecadados dos imensos volumes de minérios explorados nunca chegaram à comunidade do Pereira, que vive sob o descaso do poder público e sem acesso a serviços básicos. Para além das inúmeras contradições do modelo extrativista, a “minero dependência”, que se reflete na influência exercida pelas mineradoras na política local, transforma as comunidades em territórios dominados por essas empresas, que de tudo fazem para garantir seus interesses econômicos.

A vida da comunidade de Antônio Pereira, que já sofria há anos os impactos da mineração, mudou completamente desde que a mineradora Vale S.A iniciou, em fevereiro deste ano, o processo de descaracterização (processo pelo qual a estrutura de uma barragem é reincorporada ao relevo e ao meio ambiente) da barragem Doutor, no complexo Timbopeba, e a remoção de 78 famílias da Zona de Autossalvamento (ZAS). A situação de vulnerabilidade da comunidade se agravou com a pandemia de coronavírus, uma vez que a mineradora, além de não ter paralisado suas operações, deu continuidade ao processo de remoção das famílias, desrespeitando todas as medidas de segurança da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A barragem Doutor tem capacidade de 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos, volume três vezes maior comparado à barragem I, da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, que rompeu em 2019 e provocou a morte de mais de 270 pessoas. As atividades da mina de Timbopeba foram interrompidas pela Justiça em março de 2019, após ter sido identificadas alterações na estrutura da barragem e por apresentar dúvidas quanto ao seu método de construção. Após a fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM), a barragem Doutor, antes classificada como método construtivo de linha de centro, foi reclassificada como à montante, sendo assim incorporada à lista de barragens do plano de descaracterização e descomissionamento anunciado pela Vale nesse mesmo ano. (As barragens são classificadas quanto ao seu método construtivo, sendo eles: (i) à jusante; (ii) linha de centro e (iii) à montante. Esta classificação tem relação direta com a segurança da estrutura. O método à jusante é considerado o mais seguro, no entanto, tem maiores custos. Já o método à montante é considerado o mais inseguro e com menos custos, portanto, é o mais utilizado pelas mineradoras)

O processo de descaracterização teve início em fevereiro de 2020, negociado apenas entre a mineradora e a Prefeitura de Ouro Preto, não contou com a escuta e nem a participação da comunidade de Antônio Pereira, população diretamente atingida por essas obras. Além de negligenciar e omitir informações, a Vale se negou a reunir com a comunidade para prestar melhores esclarecimentos sobre o processo de evacuação dos moradores da ZAS. Ainda em fevereiro, 28 famílias foram retiradas de suas casas e encaminhadas a hotéis e imóveis alugados pela mineradora, sem nenhuma assessoria ou suporte jurídico que pudesse tutelar seus direitos.

Em abril de 2020, em meio a pandemia de coronavírus, após não comprovar a estabilidade da estrutura, a barragem Doutor passou do nível 1 para o nível 2 de segurança e cerca de 61 famílias foram, subitamente, removidas de suas casas. Desde então, os moradores de Antônio Pereira vivem entre o medo do rompimento da barragem e a ansiedade causada pelo processo de evacuação e negociação com a empresa. Somado à pandemia, esses processos têm se reverberado no adoecimento físico e psicológico da população, que não conta, sequer, com serviços de saúde e assistência social que possam atender às suas demandas neste momento.

“Quanta tristeza chegar no quintal e ver uma enorme torre, a me lembrar que a bomba relógio lá está. Essa barragem nos trouxe medo, angústias, sensação de impotência. O descaso da Vale em dar as corretas informações só nos faz acreditar em sua ganância. (…) A Vale não está acabado só com o lugar, as vidas mesmo que vivas, seguem de luto por nosso sossego, tranquilidade e paz que a Vale quer levar” – Angelita Martins, 37 anos, moradora de Antônio Pereira.

A atuação do Ministério Público se deu após inúmeras manifestações e pedidos da comunidade e levou ao ajuizamento de uma Ação Civil Pública (ACP), determinando o bloqueio de R$ 50 milhões nas contas da Vale. Embora seja uma grande conquista dos moradores de Antônio Pereira, a ACP não reconhece como atingidas as famílias que encontram-se fora da mancha de inundação. No entanto, residir fora da mancha não é suficiente para garantir a segurança dessas pessoas, que não terão direito à indenização, mas, serão impactadas, direta ou indiretamente, com a evacuação da sua vizinhança e, ainda, com as obras de descaracterização da barragem.

Em junho, o relatório apresentado pela SLP Consulting, empresa de auditoria independente contratada pela Vale, mostrou que a mancha de inundação em caso de rompimento pode ser maior do que a área calculada anteriormente. Nesse sentido, o Ministério Público determinou o bloqueio de mais R$50 milhões das contas da Vale, a fim de garantir o pagamento das indenizações aos moradores atingidos. Entretanto, apesar da atuação do Ministério Público, a comunidade vêm sendo pressionada pela mineradora a deixar suas casas e realizar negociações individuais, de maneira arbitrária e sem informação qualificada sobre seus direitos.

Assim, a organização popular vem sendo fundamental para a conquista de direitos básicos pela comunidade. No dia 28 de junho, os moradores espalharam faixas nas margens da rodovia MG 129 em protesto às ações da Vale. É preciso muita organização e luta para enfrentar as grandes mineradoras e seus projetos de destruição. O “terrorismo de barragem” vem se tornando uma prática cada vez mais comum nos territórios explorados pela mineração, especialmente em Minas Gerais. São milhares de pessoas sendo expulsas de suas casas, deixando para trás toda uma história construída nesses territórios. Quanto Vale a vida do povo?

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