Karen Almeida
SÃO PAULO (SP) – A menina de 10 anos que era violentada sexualmente pelo tio desde os 6 anos de idade, no Espírito Santo, teve seu aborto legal autorizado pela Justiça. O Código Penal brasileiro, há mais de 80 anos, prevê o direito de se interromper uma gravidez em caso de estupro. Desconsiderando a delicadeza do caso e a vida desta criança, fanáticos conservadores fascistas que se dizem cristãos estiveram do lado de fora do hospital onde seria realizado o procedimento, fazendo um cordão humano, chamando o médico de “assassino” e tentando pressionar a avó da menina na tentativa de impedir o aborto.
Em casos como este, para garantir a segurança e a preservação da vítima, é preciso tratá-lo em absoluto sigilo, seguindo o protocolo do Ministério da Saúde e realizar o procedimento sem precisar do respaldo da Justiça. Porém, o caso tomou grandes proporções após o pronunciamento nas redes sociais da secretária da Mulher, Damares Alves, que enviou emissários para a cidade natal da menina, e da bolsonarista Sara Giromini, que divulgou a localização da menina enquanto o estuprador continuava sem ser localizado.
Contradizendo a própria Norma Técnica do Ministério da Saúde, o grupo de conservadores se apoiava no discurso de que a gestação da menina já havia chegado à 22ª semana, como afirmou a ministra Damares no seu Facebook: “Os médicos do estado do Espírito Santo entendem que o aborto nesta idade pode colocar em risco a vida da mãe ou deixá-la com sequelas permanentes, como útero perfurado”.
Nos casos em que a vida da gestante corre risco, o aborto pode ser feito sem restrições e, neste caso, temos um corpo infantil que não está preparado para uma gestação. Além disso, mesmo que a criança diga que consentiu com a relação, é configurado enquanto estupro de vulnerável qualquer relação sexual com crianças abaixo de 14 anos de idade. Portanto, uma menina estar grávida aos 10 anos é considerado ter sido vítima de estupro e casos como este não são poucos, de acordo com Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A cada hora, quatro meninas brasileiras de até 13 anos são estupradas e, segundo dados do Disque 100, 70% dos abusos ocorrem dentro de casa.
Esse caso demonstra que a criminalização do aborto é uma violação de direitos das mulheres e crianças vítimas da cultura do estupro, do machismo enraizado e estrutural na nossa sociedade. Apesar da tentativa criminosa de impedir que uma criança vítima de violência pudesse interromper uma gestação, a menina conseguiu realizar o procedimento graças à força e convicção da sua avó, da equipe médica e dos movimento de mulheres de Pernambuco, que foram para a frente do hospital expulsar os fundamentalistas.
Esses setores que se dizem pró-vida, que são contra a legalização do aborto, são os mesmos que dão as costas às mães pobres e aos seus filhos. A falta de amparo por parte do Estado faz com que tenham que enfrentar sozinhos todas as dificuldades. Lutar pela vida das mulheres é lutar pela construção de uma rede de atendimento de saúde de qualidade, investimento para Delegacias da Mulher; casas-abrigo; instituições que prestam atendimento a crianças, aplicação de projetos pedagógicos nas escolas de conscientização, garantia de melhores condições de vida e trabalho e defesa do direito de decidirmos sobre nossos corpos.
Seguiremos na luta em defesa da vida das nossas crianças e mulheres, pela construção de um mundo novo em que não haja violência contra a mulher, em que se punam os criminosos! É preciso colocar na lata do lixo da história um sistema que rouba a infância das nossas crianças, que não os protege e não garante seus direitos.