Samira Gois e Vitória Mangine
MAUÁ (SP) – No dia 8 de agosto, o Brasil ultrapassou a marca de 100 mil mortes pelo novo coronavírus, dentre estas, mais de 200 gestantes e puérperas1. Um estudo feito por enfermeiras e obstetras (publicado pelo jornal científico International Journal of Gynecology & Obstetrics) a partir dos óbitos de 124 dessas mulheres, revela que pelo menos 22,6% não tiveram nem acesso a um leito de UTI. As mulheres gestantes, principalmente as mais pobres da nossa sociedade, sempre sofreram dificuldades para manter os cuidados pré-natais, que, segundo o Manual Técnico de Assistência Pré-natal fornecido pelo Ministério da Saúde, “[…] tem como objetivos principais assegurar uma evolução normal da gravidez; preparar a mãe para um parto, puerpério e lactação2 normais; identificar o mais rápido possível as situações de risco, para que seja possível prevenir as complicações mais frequentes da gravidez e do ciclo puerperal”.
Além disso, tanto no sistema público quanto em instituições privadas, situações de descaso ou violência obstétrica3 existem desde as gerações mais antigas de mulheres. Com o atual cenário da pandemia, essas adversidades se tornaram mais evidentes, principalmente entre mulheres negras. Segundo o mesmo estudo, em 69 casos analisados, as mulheres negras chegaram a situações muito mais críticas da doença do que as mulheres brancas, chegando a ter quase o dobro de riscos de morte do que elas. Esses dados são um reflexo da desigualdade social e do racismo existente no nosso país. Além disso, as adversidades também se apresentam na mudança de protocolo de parto e acompanhamento dos procedimentos pré-natais das maternidades que foram adaptados para atender às medidas de segurança.
Dessa maneira, a gestação se tornou uma experiência ainda mais desafiadora para as mulheres que esperam a chegada de uma nova vida. O protocolo seguido pelas maternidades é muitas vezes violento, e mulheres acabam sendo vítimas da violência obstétrica dentro de um ambiente que, teoricamente, deveria ser aconchegante e seguro, já que ficam tão vulneráveis no momento do parto. Como a gestante se encontra em estado de instabilidade emocional e imunológica, é de suma importância a presença de um acompanhante, mas isso tem sido impossibilitado devido ao isolamento social.
Laura Cardoso, uma das mães entrevistadas pelo jornal A Verdade, estava grávida de oito meses no início da pandemia e, segundo ela, o medo de se contaminar durante os acompanhamentos médicos era grande, mas seu principal sofrimento foi não poder ter um acompanhante na hora do parto.
“No dia do parto, precisei ficar de máscara o tempo todo e sempre passando álcool. Essas foram as recomendações médicas por, naquele dia, estar sendo feito o parto de uma mulher com Covid-19. O maior problema pra mim, na maternidade, foi não poder ter um acompanhante assim que meu filho nasceu, porque sou mãe de primeira viagem e inexperiente. Assim que fui para o quarto, fiquei sozinha até o dia da alta, sem acompanhante e sem visita. O tempo todo tive muito medo, das enfermeiras… médicas… e ver meu filho ali, tão pequeno e podendo se contaminar, foi horrível! […]”.
Segundo Thais Dominato, defensora pública e coordenadora do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), em uma entrevista para a Revista Badaró: “O acompanhante, não há dúvida, é um dos maiores inibidores da violência obstétrica”. O relato de Laura confirma essa informação e evidencia o quanto a falta de um acompanhante aumenta o medo de sofrer violência no parto.
Outra de nossas entrevistadas, Jéssica Paiva, narrou um caso diferente. Como o parto dela aconteceu em um hospital particular, ela teve direito a acompanhante, no entanto, nem por isso sua experiência foi menos traumática:
“[…] No dia em que eu ia receber alta, minha mãe passou mal (ela esteve no quarto comigo a todo momento) e passou por uma consulta no mesmo hospital que eu já estava. Na consulta, deu que ela estava com suspeita da Covid, só que o resultado do teste só sai em 48 horas, né? Aí já viu! Ela foi pra casa, e como eu estive o tempo todo com ela e o bebê, ele também teve contato com a minha mãe. Então eu tive que ir pra uma área isolada e o bebê, que estava na UTI e ia ter alta também, também teve que ir pra uma área isolada lá.[…]”
Por sorte, a mãe e o bebê testaram negativo para a Covid-19, mas como a avó, que morava na mesma casa, testou positivo, Jéssica foi morar temporariamente com uma tia até que sua mãe e padrasto (que acabou contaminado também) se recuperaram da doença e assim pudesse retornar ao seu lar.
Diante desses depoimentos, pode-se observar que realizar partos em hospitais, nesse período de pandemia, não tem sido uma experiência segura para as mães, já que se tornam suscetíveis a traumas psicológicos e à contaminação com o novo coronavírus. Nesse caso, o ideal seria que o Estado investisse mais no Sistema Único de Saúde (SUS) e criasse mais hospitais de campanha. Assim, todas as gestantes, independente de suas condições financeiras, teriam ambientes mais seguros e isolados do vírus para realizarem seus partos e procedimentos pré-natais, além de terem suas integridades física e psicológica devidamente asseguradas.
No caso de gestantes contaminadas, tanto para evitar que o vírus se espalhe quanto para garantir um parto seguro para elas e seus bebês, o essencial seria que houvesse maternidades de campanha, ou, no mínimo, alas específicas para a maternidade nos hospitais de campanha já existentes. Sabe-se que o Estado tem totais condições financeiras de oferecer saúde de qualidade para o seu povo e a assistência necessária para esse período de pandemia.
No entanto, para o atual Governo Federal, a economia está à frente da saúde e da vida das mulheres. Por isso, a verba que deveria ser destinada a alcançar um sistema público de qualidade é desviada para os interesses dos banqueiros e grandes empresários que estão longe de defender os direitos e atender às necessidades do povo trabalhador do país, já que enriquecem à custa destes.