Taciane Aurora e Sabrina Ferreira
SÃO PAULO – No dia 9 de junho, em um programa televisionado pela Rede Globo, tratou-se das condições de trabalho de uma professora no Estado do Ceará que, diante da realidade dos estudantes que não tinham acesso aos equipamentos necessários para acompanhar o ensino remoto durante a pandemia, levava os materiais na casa de seus alunos de bicicleta, sendo chamada pela emissora de “professora delivery”. A situação, que escancara a precariedade do ensino, da vida das famílias trabalhadoras no Brasil e do trabalho dos professores, foi tratada pela televisão como uma história para ser admirada.
A realidade é que procura-se mascarar as péssimas condições de trabalho dos profissionais da educação, tratando-os como super-heróis que podem e devem enfrentar quaisquer dificuldades para exercer seu trabalho de ensinar. Trata-se de uma estratégia do capitalismo: passar para as mãos dos professores uma responsabilidade que é do Estado, como se bastasse que os profissionais tivessem “ter o dom de ensinar” e a disposição de cumprir seu ofício para que os estudantes aprendessem.
Essa estratégia tem como objetivo esconder a destruição da educação pública promovida pelos governos dos ricos, além de enfraquecer a luta dos professores e demais profissionais da educação. De fato o capitalismo precisa atacar constantemente a educação pública por dois motivos principais: impedir que o povo tenha acesso a uma educação de qualidade que lhe ajude a entender o mundo, compreender seus direitos e rebelar-se contra a realidade de exploração em que se vive e transformar a educação em mais uma mercadoria, que pode ser comprada e vendida para gerar lucros aos capitalistas.
Paulo Freire, patrono da educação brasileira, expõe em seu livro “Professora sim, tia não: Cartas a quem ousa ensinar” (1993)² que: “é óbvio que problemas ligados à educação, não são apenas problemas pedagógicos. São problemas políticos e éticos tanto quanto os problemas financeiros.”. Portanto as dificuldades encontradas no sistema educacional, inclusive as relacionadas ao ensino remoto ou híbrido durante a pandemia, são responsabilidade do Estado e não dos trabalhadores.
Foi por uma decisão do governo que muitas escolas reabriram, sem condições sanitárias adequadas, durante a pandemia e geraram a morte de muitos profissionais pela Covid-19; foi por decisões dos governos, em especial do governo do fascista Jair Bolsonaro, que a verba da educação básica e superior está estrangulada, que os trabalhadores da educação perdem cada vez mais direitos, trabalham em condições cada vez piores e cada vez mais adoecem mentalmente, que as crianças e jovens pobres muitas vezes não têm acesso a um ensino adequado. Ou seja, é culpa do capitalismo e de seus governos inimigos do povo a precarização da educação brasileira, assim como a precarização de outros serviços públicos e a venda do patrimônio brasileiro para os estrangeiros.
O esforço dos profissionais da educação, que buscam a todo custo garantir a qualidade de ensino dos estudantes, que se submetem a montar em uma bicicleta para ensinar as crianças durante uma pandemia e serem chamadas de “professora delivery”, que têm seus salários atrasados e seus direitos arrancados, não deve ser aplaudido e tido como caminho para solução dos problemas educacionais. É preciso lutar por uma educação que valorize seus profissionais, que respeite seus estudantes e que sirva para modificar positivamente a sociedade; as escolas devem ter infraestrutura para ser um local de aprendizado, devem ofertar possibilidades de metodologias, materiais, espaços, e não forçar que os profissionais retirem uma parcela do seu salário – por sinal mal pago – para garantir condições mínimas de trabalho: giz, apagador, papel e até papel higiênico nas escolas públicas.
Os profissionais da educação precisam cada vez mais ir às ruas, para manifestar o descaso existente com as escolas públicas, com os estudantes, com a própria categoria e com o povo brasileiro. A jornada de luta iniciada no dia 29 de maio traz consigo também a pauta da educação, pois esse patrimônio público deve ter investimento, deve ser valorizado, ofertado para todas e todos os filhos da classe trabalhadora.
É preciso ter a ousadia para defender os direitos dos trabalhadores e dizer que diante disso milhares de profissionais, estudantes e demais envolvidos com a educação pública brasileira estão marcando presença nos atos do Povo na Rua e Fora Bolsonaro!
¹ FREIRE, Paulo. Professora, sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar. Editora Paz e Terra, 2015.