Fui visitar Clara Zetkin no asilo encantador onde ela se encontra de passagem. Escolhi o dia em que ela completava setenta e um anos.
Estamos em Arkhangelskoié, a uns trinta quilômetros de Moscou, numa casa de repouso. Casa de repouso é a casa em que se pode trabalhar em paz. Quanto a repousar, depende do caráter do cliente, e não é pedido razoável, quando se trata de Clara Zetkin.
Ei-la, instalada em pleno ar, diante de uma pequena mesa. Há diante dela papéis, presos sob pedras, para evitar a ação do vento. Ela escreve. Escreve da manhã à noite. Explica-me que o médico lhe proibiu andar mais de um quarto de hora por dia, e por isto, ela escreve durante o resto do tempo, e, à noite dorme, mal, o que lhe permite pensar no que vai escrever no dia seguinte.
Não mudou nestes últimos anos: seu rosto rosado e cheio, a auréola celebre de seus cabelos brancos e sua voz patética. A fisionomia deste grande apóstolo da revolução (pode-se empregar a velha palavra apóstolo, quando se vivifica com um sentido novo) é bastante conhecida da multidão proletária da Europa Central e da URSS, onde, no ano passado, por ocasião das festas do X aniversário, a carreira magnífica da indomável militante foi consagrada pela confirmação solene da condecoração da bandeira vermelha. E é com fraternal veneração que os proletários de todos os países hoje a saúdam calorosamente.
Clara Zetkin cuida neste momento da organização do VI Congresso da Internacional Comunista. Quando terminar este trabalho, irá a Moscou, onde ficará enquanto durar o Congresso.
Depois disto, que irá fazer? Muitos amigos aconselharam-na a escrever as suas memórias. Seria toda a história da onda revolucionária contemporânea, com seus tumultos e redemoinhos, e seus obstáculos destroçados, através de um olhar nobre e uma alma intrépida. Ela sente muita vontade de fazê-lo. Mas, toda vez que se dispõe a este trabalho, uma obrigação peremptória de “diretora de consciência” e de oradora irradiante arranca-a de seus projetos e lança-a na luta imediata. Não somente não se lastima, mas procura mesmo estas ocasiões para exercer uma ação útil pela palavra e outros meios de propaganda direta. É por isto que, depois deste congresso solene, de que ela será alma, ela pensa, quanto lhe permite a saúde, em falar às massas alemãs, que têm confiança nela. “Temos lá o que fazer”, disse-me ela, e isto significa, em sua boca: “É preciso fazê-lo” e “Eu o farei!”
E como seu espírito é vivo e agudo, e como se interessa de um modo intenso por todos os detalhes dos acontecimentos atuais, e pela grande luta mundial entre a reação, ainda tão poderosa e voraz, e a revolução em marcha!
É às vezes uma lembrança que remonta do passado antigo ou recente. Conta-me as peripécias de sua ultima viagem clandestina à França, e como quase por milagre pôde ela comparecer ao Congresso de Tours. Não tomou nenhuma precaução exterior. Desembarcou em Paris na estação de Este, sem prestar atenção nos policiais que estavam lá para espiar, já notificados da sua vinda. “Eu não estava disfarçada: tinha o vestido e o chapéu que me eram habituais e me tornavam reconhecível. Atravessei a plataforma bem tranquilamente, como boa burguesa, e tomei um táxi… Penso que, com sangue frio e calma, se despistam mais os melhores policiais, do que com máscaras.”
Não há figura mais alta entre os dirigentes revolucionários que a desta mulher, cuja vida foi um completo exemplo brilhante e ardoroso, e que parece tirar maravilhosamente novas forças da necessidade que se tem dela, neste período histórico emocionante: a passagem da velha à nova ordem de coisas.
Todos nós, proletários e intelectuais revolucionários, camaradas, irmãos ou simpatizantes, celebramos em nossos corações a gloriosa velhice de Clara Zetkin e sua eterna e preciosa juventude.
Extraído do Livro A Nova Rússia – 1932 de Henri Barbusse
*Nasceu em Asnières, na França, em 17 de maio de 1873, e morreu em Moscou, na URSS, em 30 de agosto de 1935. Foi um dos mais importantes escritores franceses do início do século 20.