Coletivo Negro Ruth de Souza
CAMPINAS (SP) – O ocorrido foi em sala de aula durante um debate sobre turismo e cultura no dia 5 de outubro de 2021, quando o professor proferiu falas como “Aconteceu, aconteceu, não tem o que fazer”, “Pra que guardar mágoas?”, enquanto se referia à era escravocrata no Brasil, anteposto, estava lendo o código de ética mundial do turismo. De acordo com relatos de colegas de sala de aula, para o professor: os casarões da escravidão precisam ser mantidos para turistas internacionais visitarem e “saberem o que aconteceu, que o país tem uma história”.
Após um único aluno negro presente em sala de aula se manifestar contra as falas do professor, questionando-o quais eram as fundamentações daquele posicionamento sobre o assunto, o mesmo não soube explicar e o tratou com desdém. A Diretoria da Faculdade de Turismo já foi comunicada, mas até o momento não houve nenhum posicionamento da instituição diante do ocorrido. Deveras, este aluno seja somente mais um negro falando de racismo diante de uma branquitude predominante, para aqueles que ainda desconhecem a dimensão estrutural do racismo.
Vale pôr em evidência, que reconhecemos que a história não pode ser apagada e que de fato ela precisa ser contada. Mas há uma responsabilidade imprescindível que os educadores precisam ter na hora de expor os fatos históricos, o que não foi o caso. Falar sobre um regime que sequestrou, escravizou, assassinou, torturou, em suma, retirou toda a humanidade de um determinado povo diante de uma aula cheia de alunos como se fosse algo leve, à toa, só escancara como para várias pessoas a vida da população negra é bem menos relevante. Além disso, o professor demonstrou mais indignação com a derrubada da estátua de um estuprador e escravagista (também conhecido como Borba Gato) do que com o próprio fato dele ter sido um genocida.
Este não é um caso isolado dentro da Universidade. A PUC-Campinas coleciona diversos casos de racismo ao longo dos anos (2013, 2015, 2016, 2019, 2021, além das violências na aferição documental de bolsistas na pandemia), e mesmo que haja manifestação por parte dos alunos exigindo que medidas efetivas sejam tomadas, os pedidos por esses direitos tão básicos são sempre ignorados e não há nenhuma demonstração de interesse por parte da Instituição em pensar políticas antirracistas para que casos como esses sejam devidamente apurados.
Um dos casos mais recentes e notórios que se tem notícia ocorreu em 2019, durante um sarau do Centro Acadêmico de Ciências Sociais. Enquanto uma aluna negra, presidente do Centro Acadêmico de Sociais e membro do Coletivo Negro Ruth de Souza recitava o poema “Me gritaram negra”, um estudante do curso de Direito imitou sons de macaco a fim de constrangê-la. O ocorrido gerou grande revolta por parte dos estudantes, que se organizaram junto a alguns Centros Acadêmicos e outros movimentos estudantis/sociais da Universidade e do Coletivo Conexão Preta, da Unicamp, para organizar um ato de repúdio que ocorreu dentro do prédio do curso de Direito, exigindo que a Universidade tomasse medidas para que casos como esses fossem adequadamente tratados. O caso foi levado à justiça para denunciar a posição tomada pela Pontifícia diante do caso e encontra-se em andamento.
Em decorrência das manifestações feitas pelos alunos, posteriormente a PUC-Campinas teve tentativas válidas, entretanto superficiais de enfrentar o ocorrido, como a organização de Webinários. Ações assim são ineficazes por tratarem um assunto tão complexo de forma rasa e sem o devido cuidado e preocupação com os alunos negros, visto a escassez de estudos sobre pautas étnico-raciais nas grades curriculares dos cursos, perpetuando práticas de ensino que sustentam a formação de profissionais que reproduzem falas e atitudes racistas, além de ferirem as chances da formação de profissionais negros, que já são poucos dentro da universidade em cargos de docência.
Num país onde a população negra é a que mais vive na miséria, tem mais que o dobro de chance de ser assassinada e dispõe de todos os malefícios sociais, é extremamente lamentável que a PUC não tome medidas eficientes para que casos como esse não voltem a acontecer, para que docentes e discentes tenham vergonha e medo de agirem dessa forma. No caso do professor de Turismo, a diretoria do curso não se manifestou diante do fato nem quais atitudes seriam adotadas em relação ao docente, sendo elas punitivas ou educativas.
Não levar comentários como os feitos pelo professor durante a aula de ética com seriedade, nos mostra que a possibilidade de haver profissionais reproduzindo falas e atitudes racistas são muito grandes e possíveis de acontecer. O aluno que fez a denúncia relatou ter enviado diversos e-mails à diretoria do curso, que o ignorou. E os casos de racismo que não chegam até nós?